SAÚDE
Cancelamento de planos de saúde deixa idosos desassistidos
Após mais de 30 anos pagando convênios, Jacindira Trindade foi avisada da sua exclusão a partir do dia 9
Por Jane Fernandes
Após mais de três décadas pagando um plano de saúde, Jacindira Trindade Freire, recebeu, aos 82 anos, um aviso de que o contrato será cancelado pela operadora no dia 10 deste mês. Com diabetes e realizando acompanhamento com psiquiatra, a idosa pagava uma mensalidade de R$ 3.080,38 como beneficiária de um plano coletivo por adesão da Unimed Nacional.
Segundo Jamile Freire, filha de Jacindira, o aviso de cancelamento foi enviado há cerca de três semanas pela Qualicorp, empresa através da qual o plano foi contratado. Nenhuma justificativa é apresentada, apenas a informação de que o cancelamento foi uma decisão da operadora e a sinalização de que até o dia 10 enviará um kit portabilidade.
Jamile foi orientada por um corretor de seguros a contratar um plano individual, mas ela só localizou duas operadoras ofertando este formato e ambas não teriam portabilidade. “No caso de idoso é muito complicado”, reforça, sobre cumprir carência. Sem considerar possíveis carências adicionais por doenças pré-existentes, as regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelecem prazo máximo de 180 dias para internações e exames de maior complexidade.
A situação de Jacindira não é exceção, casos similares têm ocorrido em todo o país. Na última sexta-feira, Jamile teve uma reunião com um advogado para entrar com um recurso na Justiça, medida que tem sido adotada por outros usuários comunicados de cancelamento unilateral do plano, o que parece estar ocorrendo mais com idosos e autistas.
Justiça
O advogado Cândido Sá conta que tem recebido clientes buscando reverter esses cancelamentos no seu escritório, ressaltando também estar sendo procurado por beneficiários de planos individuais enfrentando o mesmo problema.
Dentro do que vem acompanhando, ele tem visto argumentações de incompatibilidade do usuário com o perfil da operadora. “Não interessa muito o que colocam, estão colocando algo de forma ilegal, que é a rescisão unilateral do contrato”. A exclusão pode decisão da operadora é prevista em algumas situações, nas quais aparentemente idosos adimplentes não estão enquadrados (veja coordenada).
“O plano de saúde recebe uma concessão do Estado para explorar o negócio saúde”, ressalta Sá, defendendo que estas empresas têm uma natureza jurídica específica e não podem atuar como vendedoras de produtos e serviços não essenciais, afinal a saúde é um direito constitucional.
O entendimento apresentado pelo advogado aparentemente é compartilhado pela Justiça, que tem concedido liminares para reestabelecer o serviço e dado ganho de causa aos beneficiários descredenciados pelas operadoras - considerando o que chega ao seu escritório, a prática tem ocorrido de forma disseminada entre as grandes empresas do ramo.
A percepção da tendência do Judiciário a tomar decisões que preservam o direito à saúde dos beneficiários excluídos unilateralmente é compartilhada pelo presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia, René Viana. “O Judiciário tem sido bem sensível nesse aspecto”.
Viana ressalta que enquanto a legislação estabelece claramente as regras para os planos individuais e familiares, “já o coletivo por adesão não tem isso, então o que tem para regulamentar, por vezes, é o que o próprio contrato estabelece, sem nenhum tipo de acompanhamento mais próximo do ponto de vista legislativo”.
Projeto de Lei
Para o presidente da Comissão, uma expectativa de mudança está no Projeto de Lei 7419/2006, que altera a Lei 9.656/1998, sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Na ficha de tramitação disponível no Portal da Câmara, a última movimentação envolvendo o PL, que tramita há 18 anos, ocorreu no dia 12 do mês passado, quando houve um requerimento para sua inclusão na ordem do dia, possibilitando a votação em plenário, o que não ocorreu.
O cancelamento de planos de saúde pelas operadoras também tem sido monitorado pela Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado da Bahia (Procon-BA), que recentemente expediu notificação pedindo justificativa para a exclusão de beneficiários com deficiência. Sobre idosos, o superintendente Tiago Venâncio disse que não havia nenhuma demanda específica, mas ressaltou o mesmo enquadramento em público vulnerável.
“O Código de Defesa do Consumidor (CDC) resguarda o consumidor. Para qualquer empresa fornecedora desse serviço de plano de saúde vir a efetuar o cancelamento, ele precisa ser justificado de forma clara. As informações que chegaram até o órgão, principalmente das pessoas que foram afetadas com esse cancelamento, é que não houve uma justificativa dentro do que rege o CDC”, completa.
Dor de cabeça
Ao ser questionada sobre a situação de Jacindira Trindade Freire, a Unimed Nacional informou, em nota, que atua exclusivamente com contratos corporativos, não estabelecendo contratação direta com beneficiários. “O caso em questão se refere a plano coletivo por adesão, gerido por uma administradora de benefício”, completa a operadora.
“A rescisão está prevista e regulamentada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e ocorre mediante as condições estabelecidas em contrato, com uma comunicação prévia às administradoras, sendo estas as encarregadas de avisar os seus clientes”. A Unimed finaliza assegurando “que cumpre rigorosamente a legislação e as normas que regem o setor, preservando o respeito e o cuidado que são a base de suas relações com os beneficiários”.
O argumento é repetido pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), ao destacar a presença da rescisão unilateral de contratos coletivos de planos de saúde entre as possibilidades previstas em contrato e nas regras setoriais definidas pela ANS. “Quando acontecem, as rescisões são comunicadas com antecedência aos beneficiários e jamais são feitas de maneira discricionária, discriminatória ou com intuito de restringir acesso de pessoas a tratamentos”, afirma, em nota.
Tanto a Unimed quanto a Fenasaúde não apresentam justificativas para o cancelamento dos planos, apenas reafirmando que há previsão legal para que operadoras decidam excluir clientes. Não há um levantamento sobre o público mais atingido pela prática, embora os casos de maior repercussão geralmente atinjam idosos ou pessoas com deficiência.
Em nota, a ANS garante que “é proibida a prática de seleção de riscos pelas operadoras de planos de saúde no atendimento, na contratação ou na exclusão de beneficiários em qualquer modalidade de plano de saúde”. Desta forma, nenhum beneficiário pode ser excluído do plano em função da sua condição de saúde ou idade. “Nos planos coletivos, empresarial ou por adesão, a vedação se aplica tanto à totalidade do grupo quanto a um ou alguns de seus membros”.
“No caso de planos coletivos (empresariais e por adesão), conforme previsto na RN 557/2022 (Resolução Normativa), cabe exclusivamente à pessoa jurídica contratante solicitar a suspensão ou exclusão de beneficiários dos contratos”, acrescenta a ANS. Informando que as operadoras só podem fazer a exclusão - sem a anuência da pessoa jurídica contratante - mediante ocorrência de fraude, perda dos vínculos do titular ou a pedido do beneficiário.
SERVIÇO
Onde buscar auxílio
ANS - Disque (0800 701 9656): atendimento telefônico gratuito, de 2ª a 6ª feira, das 8h às 20h; formulário no site www.ans.gov.br/nip_solicitante; presencial no Prédio do Banco Central do Brasil, no Centro Administrativo da Bahia.
Procon - agendamento pelo SAC Digital (ba.gov.br) ou denúncia no site consumidor.gov.br
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