DOENÇA LETAL
Câncer de pulmão: a importância do diagnóstico precoce e rastreamento
Segundo o Globocan 2020, o tipo da doença é a principal causa de morte relacionada a câncer em todo o mundo
Por Isabela Cardoso, de Brasília*
Em maio, mês em que se celebra o Dia Mundial Sem Tabaco, no dia 31, especialistas de oncologia chamam a atenção para a importância do diagnóstico precoce do câncer de pulmão. Segundo o Globocan 2020, este tipo da doença é a principal causa de morte relacionada a câncer em todo o mundo, acima de mama, próstata e cólon.
No Brasil, o câncer de pulmão é o terceiro mais comum em homens (17.760 casos novos) e o quarto em mulheres (12.440 casos novos) - sem contar o câncer de pele não melanoma, explica o Instituto Nacional de Câncer (INCA). A patologia ainda é a primeira em todo o mundo em incidência entre os homens e o terceiro entre as mulheres.
No fator de mortalidade, as estimativas mundiais apontam que este câncer é o primeiro entre os homens e o segundo entre as mulheres. A taxa de sobrevida relativa em cinco anos para câncer de pulmão é de 18% (15% para homens e 21% para mulheres). Apenas 16% dos cânceres são diagnosticados em estágio inicial (câncer localizado), para o qual a taxa de sobrevida neste tempo é de 56%.
Segundo dados do Radar do Câncer, do Instituto Oncoguia, no Brasil, 91% dos casos da doença são diagnosticados nos estágios mais avançados ou metastáticos, em que o tratamento é mais difícil e custoso. A Dr. Isabela Werneck, coordenadora médica do departamento de patologia da Rede D’OR, explica que o tabagismo e a exposição passiva ao tabaco são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão.
Em cerca de 85% dos casos diagnosticados, o câncer de pulmão está associado ao consumo de derivados de tabaco. O INCA aponta que a taxa de mortalidade de 2011 para 2015 diminuiu 3,8% ao ano em homens e 2,3% ao ano em mulheres, devido à redução do tabagismo.
“Dos tipos de câncer, ele é o que tem um fator epidemiológico mais comprovado, que é o uso do cigarro. Então, nesse aspecto, aquela pessoa que é tabagista, que tem uma tosse crônica, tem uma propensão maior. Quando você suspeita de um diagnóstico, a primeira coisa que o paciente faz é um raio X de tórax. Se vê alguma alguma alteração, pode, em sequência, ir para uma tomografia. Ele [médico] vai identificar alguns nódulos ou alguma massa, alguma alteração no pulmão”, detalha a patologista.
A realização anual da tomografia computadorizada de tórax com baixa dose de radiação tem potencial de reduzir em até 20% a mortalidade pela doença. Os especialistas têm colocado em pauta a necessidade de uma política de rastreamento em pessoas com mais de 50 anos, sem sintomas, com histórico de ter fumado por pelo menos 20 anos.
A falta de rastreamento também implica no maior custo do tratamento dos pacientes em estágios avançados, o que inclui custos ambulatoriais (como quimioterapia, radioterapia, terapia-alvo, imunoterapia) e custos hospitalares (internações). Com isso, é um método custo-efetivo, pois tratar o paciente em estágio inicial traz benefícios de expectativa e qualidade de vida e também ao sistema de saúde como um todo, por poupar recursos.
Uma vez diagnosticado o câncer de pulmão, testes que revelam as alterações genéticas específicas daquele tumor permitem identificar os pacientes que podem se beneficiar do tratamento adequado ao seu perfil, aumentando as chances de cura ou dando-lhes a possibilidade de viver por mais tempo.
“Hoje, do ponto de vista de conhecimento da biologia molecular do câncer de pulmão, já se sabe que tem vários genes que estão alterados. Por exemplo, você pode ter um tumor de pulmão, eu posso ter um tumor de pulmão, mas o meu não vai ser igual ao seu. A mutação do gene pode ser diferente. Qual é a importância disso? Hoje, dependendo da mutação, você tem droga específica", destaca.
"Quando a gente identifica isso e você trata especificamente esse paciente, a gente fala que a gente está cronificando, ele está vivendo quatro, cinco, seis anos, com esse bloqueio desse gene específico. Nesse meio do caminho, se ele [tumor] para de responder e volta a crescer, você pode fazer um novo molecular, uma nova biópsia, um novo teste molecular, para ver se tem algum outro gene alterado e dá uma droga diferente”, completa.
A patologista ressalta ainda, que o exame de raio X de tórax não é o suficiente para um diagnóstico de câncer de pulmão. O paciente precisa passar por uma tomografia e depois uma biópsia para confirmar o resultado.
“O diagnóstico de câncer só se dá através da biópsia, porque existem outras doenças, por exemplo, tuberculose, algumas outras doenças infecciosas que também podem dar alterações de imagem no pulmão. Então, quando você tem uma suspeita, é obrigatório fazer uma biópsia, o diagnóstico é o anatomopatológico. É preciso colocar uma agulha lá, pegar um pedacinho do tecido, fazer todo aquele processamento para o médico patologista, olhar no microscópio”, descreve.
Vivendo com o câncer
Moradora de Salvador, a analista judiciária e professora aposentada, Iane Oliveira Cardim, de 54 anos, foi diagnosticada com câncer de pulmão em 2015. Sua história começou quando achava que tinha apenas um resfriado, mas ficou com uma tosse que persistiu por meses.
De acordo com Iane, os sintomas apareceram em junho e, por volta de setembro, ainda estava procurando médicos para resolver a tosse. Ela passou por otorrinos, pneumologista e alergologista, além de ter tomado diversas medicações. Pensando na possibilidade de ser um refluxo, a analista judiciária procurou um gastroenterologista.
“Fui fazer uma endoscopia e cheguei lá tossindo demais com o nível de saturação bem baixo. Quando começou a sedação, eu tive um iníciozinho de complicação respiratória. O anestesista suspendeu o procedimento, disse que não tinha condição e o gastro me alertou que aquilo não era refluxo e me encaminhou para uma pneumo que era de confiança dele. Eu fui e ela me pediu uma tomografia, sem contraste, apareceu uma pequena anormalidade e foi pedido uma broncoscopia. Eu fiz o exame, tive hemorragia, fui parar dois, três dias na UTI, mas o material coletado deu negativo para câncer”, descreve.
Iane detalha que, durante este período, emagreceu 20 kg, já não conseguia dormir bem e não conseguia trabalhar por causa do estado de saúde mais debilitado. Ela ressalta que em nenhuma consulta deixou de falar que era fumante e, mesmo com os sintomas, continuou fumando por causa do vício. Por conta própria, Iane resolveu marcar uma consulta com uma oncologista para tentar encontrar respostas e logo foi internada.
“Antes de adentrar no hospital para o internamento, eu pedi dez minutos para eu fumar um cigarro, porque eu imaginei que eu não iria fumar lá dentro. Foram 18 dias entre exames, hemorragias, UTIs, semi UTIs, fiz mais duas broncoscopias que deram negativo. Fiz mais dois exames, diascopia que é uma abertura no pescoço para tentar chegar no pulmão e coletar material, quando finalmente fiz a toracotomia e, depois de algumas lâminas, que veio positivo para adenocarcinoma de pulmão”, diz.
Iane conta que o início da quimioterapia foi desafiador, com muitos efeitos colaterais de náusea, mal estar, dor no corpo e perda de apetite. Ela teve uma progressão da doença e precisou fazer dez sessões de rádio.
“As células cancerígenas eram resistentes ao tipo de quimio que eu estava tomando. Logo adiante também, pela localização do pulmão, eu tive uma pequena hemorragia, tive que fazer mais cinco sessões de rádio depois dessas sessões de quimio. Eu fiquei um período fazendo o que a gente chama de quimio de manutenção, já que meu câncer não é operável. Finalmente foi aprovado aqui no Brasil, um imunoterápico para o câncer de pulmão e, assim que foi aprovado, a oncologista solicitou e adotou esse tratamento para mim, que é o tratamento que eu faço até hoje”, detalha.
Iane ressalta ainda, que a imunoterapia foi um marco no seu processo de tratamento por ter tido mais qualidade de vida, sem os efeitos colaterais da quimioterapia. Ela começou a fazer a cada 15 dias e, hoje em dia, faz a cada 28.
“A imunoterapia eu não senti nada. A primeira coisa que me chamou atenção foi que na primeira aplicação quando eu saí da clínica, eu estava acompanhada de uma amiga que me acompanha desde o início do tratamento, e eu saí super bem disposta disposta inclusive a dar uma volta na rua [...] Não tenho nenhum efeito colateral relevante, são só os efeitos normais, um ressecamento de pele. Isso não significa dizer que a imunoterapia não tem efeitos colaterais depende da pessoa”, comenta.
Apesar dos desafios em quase 8 anos de tratamento, Iane conta que criou outros olhares para a doença e já mudou alguns conceitos das pessoas sobre ver o câncer de uma forma “abominável”. Além disso, ela compreende que seu tempo de agora já não é mais o mesmo de antigamente e não se cobra por isso.
“O câncer me parou e eu comecei a aprender a fazer escolhas. Então, hoje eu tenho uma vida normal, com qualidade, não tenho restrição, a restrição que eu tenho é em relação ao uso de corticoide, por causa do tratamento que eu faço, mas faço tudo [...] É aprender a fazer pequenas escolhas. Embora eu tenha câncer, hoje eu vivo muito melhor do que eu vivia antes. Eu tenho uma atividade física, eu passeio, eu continuo trabalhando em alguns voluntariados”, conclui.
*Repórter viajou a convite da Roche Farma Brasil para o 13º Fórum Nacional Oncoguia
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