ENTREVISTA - MÁRCIA SÃO PEDRO
‘Com a Covid, as ações de controle da dengue foram deixadas de lado’
Diretora da Vigilância Epidemiológica diz que Bahia vive epidemia de dengue e cita as medidas para combatê-la
Por Divo Araújo
A epidemia de dengue preocupa em todo Brasil e na Bahia não é diferente. Dos 417 municípios do estado, 285 hoje estão em situação de epidemia. “Quando a gente compara os três primeiros meses de 2024 com o mesmo período de 2023, já tivemos um aumento de casos de dengue de 545,7%”, contabiliza a diretora da Vigilância Epidemiológica da Bahia, Márcia São Pedro, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.
As razões para esse crescimento vão desde o aumento da temperatura, passando pela falta de conscientização de parcela da população até as medidas que deixaram de ser tomadas a partir de 2020, quando o mundo viveu a pandemia da Covid-19. Nesse período, por exemplo, o Ministério da Saúde baixou uma portaria proibindo os agentes de combate às endemias de adentrarem nas casas.
“A pandemia acabou, mas as ações de controle vetorial não voltaram como deveriam”, explica ela. Acompanhe essas e outras questões relacionadas à epidemia de dengue na entrevista que segue.
O ano de 2024 já se tornou o pior da dengue na série histórica brasileira do Ministério da Saúde. Como a Bahia se situa no cenário atual?
A Bahia tem apresentado um aumento significativo do número de casos de dengue. E é importante lembrar que a gente não está falando somente de dengue, mas das três arboviroses - dengue, zika e chikungunya. Quando a gente compara este período de 2024 com o mesmo de 2023, já tivemos um aumento de casos de dengue de 545,7%. Estamos numa situação em que já temos 285 municípios em situação de epidemia. Isso é algo que nos deixa em alerta porque a gente está vivendo, sim, uma epidemia de dengue no estado.
A senhora fez a comparação em relação ao ano passado. Se comparado a série histórica da dengue na Bahia, como este período de 2024 está situado?
A dengue sempre foi sazonal. De outubro a dezembro, a gente tinha aqueles picos de aumento e depois a coisa ia reduzindo e os casos ficavam dentro do esperado. É preciso lembrar que a Bahia é um estado endêmico para dengue. Tem o vetor em todos os 417 municípios. Mas quando a gente olha para 2023, já percebe uma mudança no comportamento. Tivemos um aumento de casos não só nesse período específico, de outubro a dezembro, mas ao longo de todo o ano. Não chegou a um estado de epidemia, mas a gente teve surtos em determinados municípios, que depois se reduziam. Isso em função do comportamento do vetor da dengue, que muda. A gente tem períodos chuvosos, seguidos de muito quentes, que são propícios para eclosão dos ovos do mosquito Aedes aegypti. Mas, quando chega em 2024, a gente já inicia o ano com o aumento do número de casos. A gente já veio com o coeficiente de incidência acima do que era esperado para os anos anteriores da série histórica.
O que explica esse cenário de dengue no país, na sua avaliação?
Para explicar esse cenário precisamos voltar para 2020, quando começou a pandemia da Covid-19, um vírus novo que a gente não sabia como lidar. Todas as atenções se voltaram para Covid e outras ações que deveriam ter sido realizadas começaram a ser deixadas de lado. A gente não lembrava que todos os outros agravos de saúde pública estavam acontecendo, enquanto a Covid estava presente. Naquele momento, em 2020, a gente tem outra coisa. O Ministério da Saúde, na época, emite uma nota dizendo que o agente de combate à endemia não podia adentrar nas casas para fazer as ações que deveriam ser feitas nos municípios. Ora, eu deixo de ter uma ação municipal que é efetiva e precisa ser feita, que é o controle vetorial. A pandemia vai acabando, mas as ações de controle vetorial não voltaram como deveriam. Como se combate a dengue? Há algumas formas, mas a principal é a prevenção. Eu preciso identificar criadouros, fazer o tratamento, não posso ter acúmulo de lixo, tenho que ter visita casa a casa. Ou seja, há uma ação municipal de controle vetorial. Hoje, a gente está sofrendo porque muitas das ações que deveriam ter sido feitas ao longo do tempo, no dia a dia, nosso dever de casa, a gente não fez.
Em relação às mudanças climáticas, até que ponto a elevação da temperatura global tem influenciado o padrão de transmissão da dengue?
Se você lembrar, no final de 2021, tivemos um período de chuvas intensas. Tivemos enchentes e depois um calor muito forte. Esse é um ambiente propício para eclosão dos ovos do mosquito Aedes aegypti. A gente precisa lembrar também que o mosquito se adapta. Então, tem a questão da adaptabilidade. Quando a gente combate a dengue, tem os fatores que são controláveis e os que não. O clima não é controlado. Ele sempre está presente e a gente não tem como controlar. Mas tem outras ações, que são a prevenção, a ação de limpeza, o mutirão, a identificação pela atenção primária dos municípios de possíveis casos. A gente precisa trabalhar nas ruas. Mas esse aumento de temperatura é de fato propício para reposição de ovos. Pode ter áreas que tenho acúmulo de água e tenho ali os ovos. Parou a chuva, vem o calor muito forte, eles vão eclodir e teremos mosquitos adultos ali, rapidinho.
A senhora já falou de algumas ações para reduzir os números de casos de dengue. O que mais pode ser feito?
Vou falar sobre o que temos feito. Primeiro, a gente precisa ter a ação do agente de combate à endemia. Os agentes precisam trabalhar todos os dias, porque é ele que identifica no território onde tem foco. E trabalha, ao mesmo tempo, a parte de educação e saúde. Preciso lembrar que o mosquito hoje não tem preferência só por água limpa como anos atrás a gente achava que tinha. Se há água suja, tem proliferação de mosquito. Lembro ainda que 80% dos criadouros estão nas nossas casas. É preciso identificar esses criadouros. Então, a população também tem seu papel, assim como os agentes de combate às endemias. O tratamento é gratuito e dado pelo Estado. Nós recebemos os larvicidas do Ministério da Saúde e distribuímos aos municípios para que possa ser feito esse tratamento nas casas. Nos locais onde têm seca, estiagens muito longas, a tendência da população é acumular água para sobreviver. Mas ela precisa acumular água num reservatório propício. Tem que está vedado, tem que ser limpo. Porque senão ali tenho um local favorável para o mosquito se proliferar. Estamos fazendo mutirões em todo estado, semanas de mobilização de limpeza, de identificação de criadouros. Não se pode deixar nem uma tampinha largada a céu aberto. Coisas pequenas também podem acumular água. As garrafas, por exemplo, precisam ser emborcadas. Os vasinhos de planta também precisam ser cuidados e os bebedouros dos animais serem limpos. Apesar de o animal beber ali, a água fica parada. Dentro dessa mobilização, a gente conta com o apoio do efetivo do Corpo de Bombeiros que foi deslocado para os municípios que estavam com um número muito grande de casos. Nós adquirimos kits para os agentes de combate à endemias, que é responsabilidade do município. Mas, como a gente viu que muitos municípios não estavam adquirindo, compramos os kits, que são dados para os agentes. Nele, tem coisa do dia a dia de trabalho para poder identificar larvas, tratar e eliminar os criadouros. A gente tem essas ações que são de controle vetorial. E aí cabe a gente chamar à atenção que o UBV pesado, o fumacê, não é a solução.
Muitos especialistas dizem que o uso do fumacê não é mais eficaz porque os mosquitos desenvolveram resistência ao veneno...
O fumacê só entra em último caso, quando tenho uma situação muito grave. Aí tem a indicação técnica porque já se esgotaram todas as ações que precisavam ser feitas, a exemplo da remoção mecânica do criadouro. O que acontece com o UBV? Ele mata 80% das fêmeas adultas que tiverem naquele raio de ação, mas só dura duas horas. Depois, tudo volta de novo. O que é mais efetivo? É limpar as ruas, não deixar terrenos baldios com acúmulo de lixo, além de ter acesso às casas fechadas.
Como está hoje o nível de conscientização em relação ao mosquito. A senhora nota alguma evolução?
Fizemos mobilização no estado inteiro. Aí você olha para um local e está tudo limpo, sem acúmulo de lixo. Mas se uma pessoa passa e joga uma caixinha no chão, ela já pode virar um criadouro. Durante nossos mutirões tivemos exemplos disso. Havia uma caixa de sequilhos no chão que a pessoa comeu e não jogou no lixo. Ali, havia larvas do mosquito, porque acumulou água. A gente tem trabalhado muito isso, com conscientização, informando a população. Temos muitas campanhas. O setor de comunicação da Secretaria Estadual de Saúde, por exemplo, tem feito isso de uma forma muito intensa. Criamos uma página no nosso site com informações sobre a dengue. Temos trabalhado também o manejo clínico e aí a gente precisa chamar atenção que as unidades de saúde nos municípios precisam estar abertas para atender os pacientes com dengue e iniciar a hidratação.
Houve inclusive um pedido da secretária de Saúde, Roberta Santana, para que os municípios estendessem os horários de atendimento das unidades básicas de saúde. Esse pedido tem sido atendido?
Alguns municípios têm aderido, outros estão indo aos poucos. É importante lembrar que é importante estender o horário de funcionamento. Mas o nosso pedido e o pedido da secretária é que não seja só ampliação até 22h, mas que algumas unidades funcionem 24 horas e nos finais de semana e feriados. Se estou com sintomas de dengue, às 21h, e sei que aquela unidade de saúde vai fechar às 22h, eu vou para lá? Vou ficar em casa. Por isso , a importância de ter uma unidade aberta. É importante lembrar que o manejo da dengue começa na atenção básica. O paciente não precisa ir para alta e média complexidade. Só devem ir para o hospital os casos que tiverem sinais de alarme. Mas, até o paciente chegar ao sinal de alarme, já precisa ser tratado inicialmente. É preciso ter atenção que, muitas vezes, o paciente tem febre e aí a febre baixa depois do quarto, quinto dia e ele acha que está bom. Mas começa a apresentar os sintomas de alarme da doença, que é aquela dor persistente no abdômen, aquele mal estar, dor de cabeça. E só aí começa a ter os sinais que a doença pode se agravar. Alguns municípios têm ampliado, orientamos a questão das unidades sentinelas, que são aquelas unidades específicas para o paciente começar a hidratação imediatamente.
Para que nosso leitor entenda melhor os riscos da dengue, peço que a senhora fale mais sobre o vírus que está na origem da doença?
A dengue tem quatro sorotipos – 1, 2, 3 e 4. No nosso estado temos circulando o DENV-1 e o DENV-2, que foi identificado no ano passado em Feira de Santana. Foi a primeira amostra de DENV-2 no estado. A gente sabe que o DENV-2 gera uma complicação maior e tem um prognóstico mais grave. Quase todo mundo que já teve dengue, teve o DENV-1. Hoje é muito menor o número de pessoas que estão suscetíveis a esse sorotipo. Quando entra um vírus novo, significa que tem mais gente que vai pegar, por isso o DENV-2 tem uma capacidade de contaminação maior. Associado com os outros fatores que a gente já falou, como o clima, o comportamento do vírus, a falta de identificação e limpeza de criadouros, a gente vai terminar tendo mais casos. Tanto que o DENV-2 já começa a se sobrepor ao DENV-1.
Já tivemos quantas mortes por dengue este ano na Bahia? A maioria dessas mortes era evitável?
Quando a gente fala de dengue, fala de morte que é evitável. E toda morte que é evitável não deveria acontecer de forma nenhuma. Independente dos números, o que diz como está a resposta do Estado de modo geral? É a taxa de letalidade, que relaciona o número de óbitos ao número de pessoas doentes. E, para dengue, tem que ser as formas graves, porque as pessoas que evoluem para óbito são as pessoas que tiveram as formas graves da doença. A nossa letalidade hoje está em 1.4. Dentro do Nordeste, é uma das menores letalidades que têm, assim como aconteceu com a Covid na Bahia. O tempo todo, a gente teve uma letalidade muito baixa. Em números absolutos, nós tivemos 22 mortes por dengue confirmadas pela Câmara Técnica Estadual de Investigação de Óbitos. Muitas vezes, o Ministério da Saúde contabiliza um óbito que foi lançado pelo município no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Ele pega aquele dado e coloca como dado oficial. O que o Estado faz? Ele precisa validar se aquele óbito realmente aconteceu por dengue. Então, esse óbito vai para uma câmara técnica. O que demora para confirmação é a documentação que a unidade de saúde e o município precisam encaminhar. Ficha do Sinan, declaração de óbito, ficha de investigação, ficha de prontuário. Uma equipe de médicos sanitaristas pega esses documentos e faz toda uma análise do que foi feito. Tem resultado laboratorial. Tem, por exemplo, pacientes que morreram com dengue, mas não por dengue. Por exemplo, você tem um paciente oncológico, que já estava numa fase terminal e foi a óbito não pela dengue. Lembro que não existe um tratamento específico para a dengue. É uma doença que tem extravasamento de líquidos, por isso vai dando hemorragias. O sangramento é um dos sinais de alarme.O que precisa ser feito para evitar as mortes? Hidratação imediata. Estou com suspeita de dengue, estou com febre, dor atrás dos olhos, dor no corpo, eu preciso fazer um cálculo básico.Preciso beber 60 ml de água por quilo. Vou multiplicar 60 pelo meu quilo. Aí sei a quantidade de líquido que preciso tomar por dia.
Neste sentido, há uma preocupação maior com os idosos, que são mais vulneráveis aos casos graves da doença?
A dengue não escolhe faixa etária. Da criança ao idoso, qualquer pessoa pode pegar dengue. A preocupação e as ações são voltadas para todo público. Preciso ter muita atenção com a criança, com a gestante. A gente não está falando só de dengue, o vetor é o mesmo para zika. Se a gente parar para lembrar que, em 2017 , vivemos uma epidemia de microcefalia... Muitas crianças foram acometidas pela microcefalia e a gente não pode cometer o mesmo erro. Aconteceu também porque tudo era novo naquele momento. Ninguém sabia o que estava circulando. Por isso, hoje a nossa preocupação também vem para as gestantes. Desde esse período da microcefalia, o Estado adquire repelentes. E todas as gestantes que são atendidas pela atenção primária recebem, no seu primeiro trimestre de gestação, o repelente, que é para ser uma proteção. Aí cabe a gente chamar atenção da gestante. Eu sei que está calor em Salvador, mas coloca uma calça, uma roupa mais comprida, usa o repelente. Precisa se proteger, porque você vai proteger o seu bebê.
Como a senhora lembrou, além da dengue, o mosquito Aedes aegypti também transmite chikungunya e zika. Como está a situação dessas doenças no estado?
Na semana 12, que foi a última semana agora que encerrou, nós temos 17 municípios com presença de chikungunya. A forma de combate é a mesma porque o vetor é o mesmo. É o Aedes que transmite dengue, zika e chikungunya.
Como as novas tecnologias, a exemplo do uso de drones para identificar criadouros de mosquitos geneticamente modificados, estão ajudando no combate ao mosquito?
Essas novas tecnologias têm surgido e o Ministério da Saúde tem analisado para começar a identificar e orientar onde é que elas podem ser utilizadas. Hoje, por exemplo, estamos trabalhando com os drones junto com o efetivo dos bombeiros. Com o drone, a gente consegue identificar os criadouros do mosquito, locais que são de difícil acesso. As novas tecnologias chegam para agregar, mas, claro, elas devem ser muito bem avaliadas porque a gente precisa saber o que isso vai trazer como consequência ao longo do tempo. O Ministério da Saúde tem introduzido novas tecnologias. Hoje ele trabalha com a "ovitrampa", uma armadilha para mosquitos, que não é tão nova,, mas voltou e tem se mostrado efetiva. Já trabalhamos anos atrás com essas armadilhas colocadas para fazer captura de vetores.
A Bahia recebeu mais de 170 mil doses da vacina contra a dengue para imunizar a população de 10 a 14 anos. Mas até o momento nem a metade foi utilizada. O que explica essa baixa procura?
A vacina é nova e a gente vem com um movimento antivacina muito grande, o que dificulta a imunização desse público. As pessoas esqueceram que, durante a pandemia da Covid, só conseguimos reduzir o número de casos em função da vacinação. É um momento difícil, porque a gente precisa o tempo todo lembrar sobre a importância da vacina. Quando a gente pensa na vacina da dengue, só vamos ver resultado a médio e longo prazo, porque o quantitativo de doses que chegaram foi muito pequeno. O ministério teve que eleger o público que receberia a imunização. Por que faz esse corte de 10 a 14 anos? Porque a gente sabe que historicamente, no Brasil, foi a faixa em que se teve o maior número de internações por dengue. O Ministério precisava nesse momento se concentrar em um público pela quantidade pequena de doses e fazer uma escolha. O que a gente escolhe? Reduzir a procura por unidade hospitalar. Mas os pais precisam se conscientizar e levar seus filhos para tomar a vacina. Esse movimento tem sido muito lento e isso nos preocupa. Fazemos o tempo todo mobilização, dia D de vacinação, campanhas educativas para lembrar que a vacina é mais um recurso para proteger meu filho. Da mesma forma, a gente tem a vacina contra a influenza, que também não é para toda a população, mas para um grupo elegível, prioritário. Mas é um grupo maior, então você já tem outra resposta. Mas a gente está aí, tentando, trabalhando, falando da importância da vacinação. Se a gente aumenta o percentual de vacinados, reduz o número de pessoas suscetíveis. Mas o controle vetorial não vai deixar de existir. A limpeza, a identificação e eliminação de criadouros são essenciais e precisam continuar a serem feitos, mesmo chegando novas tecnologias e vacinas, precisam ser feitas.
Essa baixa procura por vacina não se restringe só à dengue. Hoje temos novos sorotipos da Covid circulando no estado. Como está a situação?
Quando a gente fala da Covid-19 está falando de vírus respiratório. A gente está falando do SARS-CoV, que sofre mutação. E todo vírus que sofre mutação, não vai parar. O tempo todo, ele está voltando. Como está a realidade hoje no estado? A gente tem visto um aumento das síndromes respiratórias agudas graves. Esse é o período que normalmente os casos dessas síndromes começam a aumentar. Hoje a gente tem circulando no estado a influenza A muito mais do que o Covid. Cabe lembrar que, quando a gente fala de vírus respiratório, a gente está falando da influenza A, da H1N1, da H2N3, do vírus sincicial, que acomete mais crianças. A gente está falando de vários vírus respiratórios que estão circulando. O Covid, apesar de ter uma proporção menor do que uma síndrome respiratória aguda, é mais letal. Quando pega idosos acima de 80, eu tenho uma letalidade maior, porque já tenho associado as comorbidades.
Com o primeiro registro da febre oropouche no estado, quais estratégias estão sendo implementadas para monitorar essa nova ameaça?
Primeiro é importante falar que a gente identificou o oropouche por diagnóstico diferencial. O que é isso? Tenho casos com suspeita de dengue, com quadro clínico sugestivo de dengue, mas começa a dar negativo. Fizemos o diagnóstico diferencial de arbovírus e aí identificamos o oropouche. Mas nós ainda estamos em processo de investigação. Ele aconteceu numa zona rural, onde houve um casamento e lá tinha uma pessoa do Pará. A essa altura ele já está circulando porque já foram registrados casos. O oropouche é um arbovírus que tem sintomas muito parecidos com a dengue. Vai ter dor no corpo, dor na articulação que pode confundir com chikungunya. Tem prostração, enjôo, vômito. Ele é menos grave do que a dengue. É comum, em períodos de epidemia de dengue, a gente ter também o oropouche associado. O oropouche é transmitido pelo maruim, tem lugar que se chama muruim, que é o ceratopogonidae paranaense. Já se sabe também que existe um ciclo urbano. E nesse ciclo urbano uma das possibilidades que o vetor pode ser o aedes. Isso tudo ainda são hipóteses que estamos estudando. Como vetor normalmente é o maruim, a tendência da doença é acontecer muito em regiões onde você tem rio, numa zona mais rural, como foi esse casos que identificamos. Como é que a gente vai combater o oropouche? Com controle vetorial igualzinho como a gente combate a dengue. Não tem um tratamento específico. O tratamento é da sintomatologia do paciente.
Além de tudo que a gente já falou, há alguma enfermidade que hoje preocupa especificamente a Vigilância Epidemiológica da Bahia?
Hoje, a Vigilância está vivendo esse momento de epidemia de dengue. Paralelo a isso, a gente já está de olho no aumento das síndromes respiratórias agudas porque daqui a pouco é inverno. O Covid não passou, é um vírus que muda. Isso significa que cada vez que tenho uma mutação, tenho pessoas que são suscetíveis. E vou ter mais suscetível se não vacinar. E a gente teve uma resistência à vacina da Covid muito grande. No momento que chegou a última dose que a gente precisava tomar como reforço porque havia a omicron as pessoas não estavam querendo. E aí a gente precisa lembrar que a vacina da Covid é igualzinha a vacina da influenza. Por que a gente toma vacina a influenza todo ano? Porque todo ano tenho uma cepa nova que foi identificada no ano anterior e que eu preciso atualizar. A mesma coisa com o Covid, porque a gente está trabalhando com vírus respiratório. O que hoje também nos alerta? Você já deve ter ouvido falar em outros estados da febre de mayaro, que também é um arbovirose. Assim como o oropouche já foi identificado e vem junto com isso, a febre de mayaro também pode vir a ser uma outra arbovirose no estado. Na verdade, a gente precisa ficar alerta com tudo, porque a qualquer momento pode surgir uma coisa nova.
Diretora da Vigilância Epidemiológica da Bahia (Divep), Márcia São Pedro Leal Souza é fisioterapeuta formada pela Universidade Católica de Salvador (Ucsal) e especialista em correção postural e dor pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). É também mestre em saúde comunitária pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/Ufba) e doutora em saúde pública (ISC/UFBA). Tem experiência na área de saúde coletiva, com ênfase em doenças transmissíveis e não transmissíveis.
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