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Combater gargalos sociais é maior desafio do programa Brasil Saudável

Pioneira no mundo, ação do governo federal visa eliminar doenças determinadas socialmente no País

Publicado segunda-feira, 11 de março de 2024 às 08:00 h | Autor: Jane Fernandes
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Mais de 59 mil pessoas morreram no Brasil entre 2017 e 2021 em decorrência de doenças determinadas socialmente, como malária, tracoma, filariose linfática, esquistossomose, oncocercose, doença de Chagas e geo-helmintíases. O dado evidencia a importância do recém-lançado programa Brasil Saudável. Inédita no mundo, a iniciativa do governo federal busca a redução significativa - e futura eliminação - de infecções e outras patologias que são mais frequentes nas populações em maior vulnerabilidade social.

Pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz), Julia Pescarini ressalta a complexidade da ideia de doença determinada socialmente, em especial por sua íntima ligação com o contexto no qual aquela pessoa está inserida. “A gente pensa nos aspectos sociais que fazem com que aquela doença seja mais prevalente numa determinada população. Por exemplo, a falta de acesso ao saneamento básico ou à água. Na realidade, muitas doenças vão ser socialmente determinadas - qualquer doença com transmissão pela água, por exemplo, como a diarreia”, pontua.

Embora o senso comum pense em saúde quase exclusivamente em termos de acesso a serviços, medicamentos e outros tratamentos, a articulação do Brasil Saudável enfatiza o quanto esse cuidado envolve muitos setores. “Quando pensamos em doenças socialmente determinadas, a gente percebe que as pessoas em maior vulnerabilidade estão mais predispostas a ter a doença e também encontram maior dificuldade em ter tratamento”, reforça Julia.

Ela ressalta que, ao se pensar em políticas públicas, é importante investir em ações intersetoriais. “A gente não pode planejar moradia e pensar só em construir uma casa. Tem que pensar em construir uma casa, gerar um ambiente saudável para as pessoas viverem, ter escola perto, ter um posto de saúde perto, contar com transporte bacana para as pessoas poderem trabalhar”, analisa.

Dentro da proposta do Brasil Saudável, essa articulação entre diferentes setores ganha ainda mais força - afinal, a vulnerabilidade social é um determinante das doenças que o programa busca combater. “É preciso lembrar que os pobres adoecem mais, e quando adoecem se tornam ainda mais pobres”, ressaltou o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Jarbas Barbosa.

Julia Pescarini cita uma atuação articulada entre os ministérios do Desenvolvimento Social e da Saúde para prover condições de vida melhores para as populações mais vulneráveis, evitando que elas adoeçam tanto. Outro exemplo está no investimento em infraestrutura de transportes para facilitar o acesso de quem vive em regiões mais afastadas dos serviços de saúde.

Lançado pelo Ministério da Saúde no início do mês passado, durante visita do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, o Brasil Saudável tem ainda o objetivo de atingir o cumprimento das metas da OMS para diagnóstico, tratamento e redução do contágio da tuberculose, hanseníase, hepatites virais e HIV/Aids, além da transmissão vertical (da gestante para o bebê) da sífilis, hepatite B, doença de Chagas, HIV e HTLV.

Desafio da tuberculose

Entre as doenças que serão combatidas pelo Brasil Saudável, Julia Pescarini menciona a tuberculose, uma patologia fortemente relacionada às condições do domicílio, sendo favorecida por residências insalubres e com grande concentração de pessoas. Na Bahia, seis municípios estão entre os 175 considerados prioritários pelo Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente: Itabuna, Porto Seguro, Vitória da Conquista, Camaçari, Feira de Santana e Salvador.

Conforme demonstrado no Relatório Global de Tuberculose 2023, do Ministério da Saúde, um ponto de combate importante para alcançar as metas da OMS em relação a óbitos decorrentes da infecção é aumentar a adesão ao tratamento, que tem duração de seis meses. Em 2021, apenas 65% das pessoas diagnosticadas no Brasil completaram o esquema terapêutico e foram curadas.

A tuberculose é uma das dez principais causas de morte em crianças em todo o mundo, gerando interesse especial no combate da enfermidade no público infantil, assim como as geo-helmintíases e o tracoma, entre outras. “A gente sempre diz que se as crianças são saudáveis, teremos adultos saudáveis. Então, proteger a infância e adolescência é extremamente importante”, enfatiza a vice-presidente da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape), Dolores Fernandez, ao avaliar o programa Brasil Saudável.

Sobre os desafios para a promoção da saúde pediátrica, Dolores destaca a disponibilidade dos serviços de saúde em si, mas acrescenta o acesso “à água encanada e moradia decente”, além de emprego e renda para as famílias. “A questão do acesso à educação é extremamente importante, porque a gente sabe que quando as crianças nascem de famílias que não têm uma alfabetização, não têm uma escolaridade, a saúde também fica precarizada”, analisa.

Intersetorial

Segundo divulgado pelo governo federal, o MS e outros 13 ministérios do governo federal vão atuar em diversas frentes, com foco no enfrentamento à fome e à pobreza; ampliação dos direitos humanos e proteção social para populações e territórios prioritários; qualificação de trabalhadores, movimentos sociais e sociedade civil; incentivo à inovação científica e tecnológica para diagnóstico e tratamento; e ampliação das ações de infraestrutura e de saneamento básico e ambiental.

A expectativa do Ministério é que os grupos mais vulnerabilizados tenham menos risco de adoecimento e os atingidos pelas doenças possam realizar o tratamento de forma adequada, com menos custos e melhores resultados. Na Bahia, seis municípios estão entre os 175 considerados prioritários pelo Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente: Itabuna, Porto Seguro, Vitória da Conquista, Camaçari, Feira de Santana e Salvador.

Embora o senso comum pense em saúde quase que exclusivamente em termos de acesso aos serviços e aos medicamentos e outros tratamentos, a articulação do Brasil Saudável enfatiza o quanto esse cuidado envolve muitos setores. “Quando pensamos em doenças socialmente determinadas, a gente percebe que as pessoas em maior vulnerabilidade estão mais predispostas a ter a doença e também encontram maior dificuldade em ter tratamento”, reforça Julia.

“Quando a gente pensa em políticas públicas, na minha visão elas teriam de ser sempre ações intersetoriais. A gente não pode planejar moradia e pensar só em construir uma casa. Tem que pensar em construir uma casa, gerar um ambiente saudável para as pessoas viverem, ter escola perto, ter um posto de saúde perto, contar com transporte bacana para as pessoas poderem trabalhar…”, analisa a pesquisadora.

Dentro da proposta do Brasil Saudável, essa articulação entre diferentes setores ganha ainda mais força, afinal a vulnerabilidade social é um determinante das doenças que busca combater. “É preciso lembrar que os pobres adoecem mais e quando adoecem se tornam ainda mais pobres”, ressaltou o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Jarbas Barbosa.

Julia Pescarini cita uma atuação articulada entre o Ministério do Desenvolvimento Social e o Ministério da Saúde para prover condições de vida melhores para as populações mais vulneráveis, evitando que elas adoeçam tanto. Outro exemplo está no investimento em infraestrutura de transportes para facilitar o acesso de quem vive em regiões mais afastadas aos serviços de saúde.

Doenças a eliminar enquanto problema de saúde pública

Doença de Chagas

É a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi transmitido principalmente através do barbeiro. No ambiente doméstico, os insetos podem ser encontrados em frestas, buracos das paredes, nas camas, colchões e baús, fora de casa, os barbeiros aparecem nas matas, em ninhos de pássaros, tocas de animais, cascas de árvores e outros locais. A transmissão pode ocorrer pela ingestão de alimentos contaminados com parasitos, pelo contato da pele ferida ou de mucosa com material contaminado, e por transmissão vertical da gestante para o bebê. Apresenta uma fase aguda e uma fase crônica, que pode se manifestar nas formas cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva.

Esquistossomose

É uma doença parasitária causada pelo Schistosoma mansoni e diretamente relacionada ao saneamento precário. A pessoa adquire a infecção quando entra em contato com água doce onde existam caramujos infectados pelos vermes causadores da esquistossomose. São grandes fatores de risco para se contrair a infecção: existência do caramujo transmissor, contato com a água contaminada, lavar roupas ou executar outras tarefas domésticas em águas contaminadas, morar em região onde há falta de saneamento básico e/ou não há água potável.

Filariose Linfática

Popularmente conhecida como elefantíase é uma doença parasitária crônica, considerada uma das maiores causas mundiais de incapacidade de longo prazo. É causada por um verme nematoide e transmitida pela picada do mosquito Culex quiquefasciatus (pernilongo ou muriçoca) infectado com larvas do parasita. Provoca edemas de membros, seios e bolsa escrotal, que podem levar a pessoa à incapacidade. Se encontra em fase de eliminação no Brasil, com área endêmica restrita aos municípios pernambucanos de Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista.

Geo-helmintíases

Constituem um grupo de doenças parasitárias intestinais causadas pelos parasitos Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e pelos ancilostomídeos: Ancylostoma duodenale e Necator americanus. As pessoas adquirem o A. lumbricoides e o T. trichiura por meio da ingestão de ovos embrionados presentes em mãos sujas, em alimentos crus mal lavados, como hortaliças, legumes e frutas, e pela ingestão de água não tratada ou não filtrada. Já a ancilostomíase ocorre principalmente quando há contato direto da pele com solo contaminado com larvas infectantes ou por sua ingestão com água.

Malária

É uma doença infecciosa febril aguda causada por protozoários do gênero Plasmodium transmitidos pela picada da fêmea infectada do mosquito-prego. Indivíduos que tiveram vários episódios de malária podem atingir um estado de imunidade parcial, apresentando poucos ou mesmo nenhum sintoma. A maioria dos casos de malária se concentram na região amazônica, composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Na região extra-amazônica, composta pelas demais unidades federativas, apesar das poucas notificações, a doença não pode ser negligenciada, pois a letalidade nesta região é maior.

Oncocercose

Doença parasitária crônica também chamada de "cegueira dos rios" ou "mal do garimpeiro", decorrente da infecção produzida pelo nematódeo Onchocerca volvulus, que se instala no tecido subcutâneo das pessoas atingidas. O Programa de Eliminação da Oncocercose das Américas (OEPA) começou em 1992 com o objetivo de eliminar a morbidade ocular e a interrupção da transmissão por meio de um tratamento massivo em grande escala com ivermectina. Todos os 13 focos dessa região alcançaram uma cobertura de mais de 85% em 2006, e a transmissão foi interrompida em 11 dos 13 focos. Os esforços de eliminação estão concentrados na população da Terra Yanomami no Brasil e na República Bolivariana da Venezuela.

Tracoma

O tracoma é uma doença inflamatória ocular, uma conjuntivite, causada pela bactéria Chlamydia trachomatis que ocorre em áreas de maior concentração de pobreza, deficientes condições de saneamento básico e acesso à água. O tracoma é a principal causa de cegueira infecciosa e é responsável por prejuízos visuais em 1,9 milhões de pessoas, das quais 450 mil apresentam cegueira irreversível. Estima-se que 190,2 milhões de pessoas vivem em áreas endêmicas com risco de cegueira por tracoma. A suscetibilidade à infecção por tracoma é universal, sendo as crianças as mais suscetíveis, inclusive às reinfecções.

Fonte: Brasil Saudável e Ministério da Saúde

Metas da OMS

Tuberculose

Reduzir a incidência para menos de 10 casos por 100 mil habitantes e o número de mortes para menos de 230 óbitos por ano. Atualmente, o Brasil é o país com o maior número de casos notificados da doença nas Américas. Em 2022, cerca de 78 mil pessoas adoeceram por tuberculose no país, um aumento de 4,9% em relação à 2021, segundo informações da edição especial do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde.

Hanseníase

A meta é reduzir a prevalência para menos de 1 caso/10 mil habitantes. Atualmente, o Brasil concentra 90% das novas notificações da doença no continente americano. Em 2021, o país registrou cerca de 18 mil casos, com 11,2% dos pacientes considerados como grau 2 de incapacidade física — quando são identificadas lesões consideradas graves nos olhos, mãos e pés. A hanseníase tem cura e o início precoce do tratamento evita sequelas decorrentes do avanço da doença.

Hepatites

A meta é diagnosticar 90% das pessoas, tratar 80% das pessoas diagnosticadas, reduzir em 90% as novas infecções e reduzir em 65% a mortalidade. No Brasil, as hepatites virais mais comuns são causadas pelos vírus A, B e C. As infecções causadas pelos vírus das hepatites B ou C frequentemente se tornam crônicas. O impacto dessas infecções resulta em aproximadamente 1,4 milhões de mortes anualmente no mundo, seja por infecção aguda, câncer hepático ou cirrose associada às hepatites.

Aids

A meta é ter 95% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas, 95% dos diagnosticados em tratamento e 95% dos que se tratam terem carga viral controlada. Boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde no final do ano passado mostrou que uma das metas foi alcançada em 2023, pois 95% das pessoas em tratamento antirretroviral têm carga indetectável do vírus. No entanto, somente 90% dos casos estimados foram diagnosticados e 81% deles estão em tratamento.

Fonte: Brasil Saudável e Ministério da Saúde

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