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07/11/2022 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Jane Fernandes

SAÚDE

Consulta pública reacende debate sobre o uso da cannabis medicinal

Conselho recua após protestos de pacientes e médicos contra restrição para prescrição de canabidiol

Residente em neurologia, Júlia Braga prescreve canabidiol principalmente para pacientes com dor crônica
Residente em neurologia, Júlia Braga prescreve canabidiol principalmente para pacientes com dor crônica -

Os protestos de pacientes e profissionais de saúde diante da última resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) relativa à prescrição de canabidiol fizeram a autarquia recuar e abrir uma consulta pública sobre o tema. Entidades ligadas ao uso da cannabis medicinal e médicos que indicam esse tratamento argumentam que há base científica suficiente para a aplicação em diversas patologias.

Até o dia 23 de dezembro, qualquer cidadão brasileiro pode acessar o site da autarquia (portal.cfm.org.br) e contribuir com a discussão sobre a utilização do canabidiol (CBD) como medicamento. Na Resolução 2.342/2022, suspensa para reavaliação, o Conselho aprovava a prescrição do CBD somente para o tratamento de crises epilépticas em crianças e adolescentes com as síndromes Dravet e Lennox-Gastaut, e no complexo de Esclerose Tuberosa.

“A gente precisa entender que a cannabis medicinal já tem evidências que vão muito além das epilepsias refratárias. Basta ver bases de dados bem atualizadas, das sociedades de reumatologia, de oncologia, de dor crônica. É uma discussão científica, para além de social, para além dessa questão da descriminalização. O que a gente tem de produção à luz da ciência atual já é suficiente para ampliar bastante essa norma regulatória”, defende Júlia Braga, residente em neurologia, com pós-graduação em cannabis medicinal.

Médica voluntária da Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab), sediada em Salvador, Júlia conta que a maioria dos seus pacientes trata dor crônica, desde as neuropáticas às oncológicas, passando por fibromialgia. Na sua avaliação, uma das aplicações com resultados mais interessantes. Há ainda um grupo considerável de pacientes com diferentes tipos de demência, com destaque para o Alzheimer, e pessoas dentro do espectro autista que apresentam agressividade.

Preconceito

O perfil dos pacientes e famílias atendidos via Cannab surpreendeu a médica, pois ela imaginava um público que tivesse mais contato com a cannabis, mesmo de maneira recreativa, mas o mais recorrente é receber pessoas quebrando seus próprios preconceitos com a planta. “O mais comum é o desespero de não ter mais opções e querer usar porque alguém falou que seria uma possibilidade, ou viu numa matéria”, comenta.

“Tem mães que tiram o rótulo para que ninguém saiba o que ela está dando ao filho, para não ter que se explicar aos familiares. Tem gente que mesmo tendo a indicação de tomar de oito em oito horas, pede para ficar de doze em doze, para não ter de levar para o trabalho, não precisar transportar… tem mãe que fica preocupada na hora de viajar, então eu tenho de entregar relatórios”, exemplifica Júlia.

Ciente de todo estigma, a médica Patrícia Nunes*, 30 anos, pediu para não ser identificada no seu depoimento sobre o uso da cannabis vaporizada, tratamento que lhe permite ter uma boa qualidade de vida, apesar da fibromialgia. “Tinha dias que eu não conseguia levantar da cama, eu faltava aula, eu não praticava atividade física, eu buscava muito alimento industrializado, coisas mais rápidas”, recorda.

Há quase um ano, Patrícia* importa o produto para vaporizar, com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Antes de chegar a essa forma de uso, ela utilizou o canabidiol, mas não teve o resultado esperado, por isso ressalta o chamado “efeito comitiva”. Embora o CBD e o THC sejam os componentes mais conhecidos presentes na planta, a cannabis tem cerca de 150 compostos, que juntos ofereceriam um resultado otimizado.

O THC é mais conhecido por ser o componente psicoativo da cannabis e pode estar presente na formulação da cannabis medicinal de uso permitido no Brasil, mas com regras mais restritivas quanto à concentração. A médica Júlia Braga explica que, em alguns casos, a presença de THC no óleo é fundamental para o controle do quadro apresentado pelo paciente.

Para Bárbara Quad ros, administradora, 51, que usa CBD para tratamento de dor crônica, o Brasil deveria simplificar a prescrição da cannabis medicinal e também regulamentar a produção local, de forma a manter um controle sobre a qualidade, mas também baixar o preço. O que ela usa custou R$720,00 e deve durar dois meses. A depender da concentração, existem opções mais baratas, mas algumas formulações chegam a ultrapassar R$ 1.000,00.

Após ter abandonado alguns medicamentos alopáticos em decorrência dos efeitos colaterais, ela ressalta não sentir nada adverso com o CBD. Usando canabidiol há menos de dois meses, Bárbara ainda não alcançou os efeitos desejados no controle da dor resultante dos seus problemas de coluna e outras causas, mas tem percebido um impacto positivo na sua ansiedade. Seu tratamento é baseado em um óleo full spectrum, ou seja, ele reúne todos os canabinóides presentes na planta.

Procurado para entrevista sobre o debate, o Conselho Federal de Medicina informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não teria nada a acrescentar à nota publicada no site, anunciando a abertura da consulta pública. No texto, a autarquia ressalta ter realizado uma primeira consulta no mês de julho, com recebimento de 330 manifestações relacionadas à Resolução 2.113/2014, que até então regulamenta o uso compassivo do canabidiol.

MESMO SEM GRAVIDADE, OS ÓLEOS PROVOCAM EFEITOS COLATERAIS

Especializada em medicina da família e comunitária, Mariane Ventura conheceu a cannabis medicinal enquanto ainda estava na universidade, em um evento sobre o tema, e ficou surpresa com o potencial para tratamento de várias doenças. Atualmente, ela prescreve para pacientes atendidos via Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab), onde é voluntária, e também em atendimentos particulares.

“O uso medicinal já é conhecido pela humanidade há muito tempo, a cannabis está nas farmacopeias de várias civilizações antigas, chinesa, indiana”, lembra a médica, acrescentando que existem muitos estudos, mas o proibicionismo faz com que sejam pouco estimulados. Embora também se valha da prática clínica nas avaliações que faz, Mariane afirma não prescrever sem evidências de benefícios.

“Já aconteceu de paciente hipertenso, somente hipertenso, que usava só uma medicação e queria usar cannabis. Aí eu falei para a pessoa que não existia essa correlação clara na literatura e, pessoalmente, eu não prescrevia”, recorda Mariane. Ela ressalta que a planta não é panaceia para todos os males e que, mesmo sem gravidade, há a possibilidade de efeitos colaterais, a exemplo de tonturas, náuseas, sonolência, ansiedade e palpitações, principalmente no período de ajuste da dosagem.

Desta forma, mesmo sem contraindicações absolutas, alguns grupos exigem uma análise mais criteriosa para a prescrição, como gestantes e lactantes. “Uma mulher que tinha epilepsia grave, usava cannabis e engravidou. Vai tirar esse óleo? E se ela voltar a convulsionar? Aí você avalia o risco x benefício. Mas começar durante a gravidez não é indicado por não ter estudos que embasem a segurança”, explica. Pacientes em uso de anticoagulantes e pessoas com esquizofrenia também exigem maior ponderação para indicação.

Criada em 2017, a Cannab atende atualmente cerca de 1,2 mil pacientes, principalmente por telemedicina, sendo 90% moradores da Bahia, informa o presidente da entidade, Leandro Stelitano. “Nossos atendimentos são de forma gratuita, a gente não cobra nada, nem para se cadastrar, nem a consulta, nem a consulta de retorno, porque o tratamento canábico tem que estar acompanhando sempre a dosagem”, garante.

Reforçando que o acesso à cannabis medicinal ainda é difícil no Brasil, Stelitano fala sobre a expectativa de avanço no Projeto de Lei 399/2015 a partir do próximo ano, quando muda o governo federal. Atualmente parado na Câmara dos Deputados, o PL busca regulamentar o cultivo da planta por associações e também para fins industriais, entre outras medidas.

*Nome fictício a pedido da entrevistada

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