CUIDADOS
Da tinta ao estúdio: Tatuagem segura precisa atender normas sanitárias
Pesquisa sueca associa tattoos ao risco de câncer, mas a pesquisa ainda é preliminar
Por Andreia Santana
A tatuagem é uma forma de arte e de expressão cultural milenares. Mas, não basta o desejo de exibir as cores e contornos de uma identidade social sobre a pele. Antes do desenho, é preciso seguir recomendações que vão da confiança no tatuador e nos materiais usados à checagem das condições médicas, pois há situações que contra indicam. Pesquisa divulgada recentemente pela Universidade de Lund, na Suécia, trouxe um novo elemento de preocupação. Segundo o estudo, ter tatuagem pode representar um aumento de risco para o linfoma maligno, um tipo de câncer que ataca o sistema imunológico. O estudo ainda é preliminar, mas reacendeu a discussão sobre os efeitos das tattoos, em médio e longo prazo, sobre a saúde.
A hematologista Liliana Borges, da equipe da Oncoclínicas na Bahia, explica que os linfomas malignos podem afetar desde pacientes pediátricos até idosos, com predominância no último grupo. Já as causas para a doença ainda são inexplicáveis, mas uma coisa a ciência e a medicina já sabem, são múltiplos os fatores que contribuem para seu desenvolvimento.
“A maioria dos linfomas não é possível detectar a causa, mas alguns estão associados a alterações na imunidade provocadas por doenças virais, como por exemplo o HIV ou bactérias como H. pylori”, diz a especialista, que acrescenta que o estudo sueco tem o objetivo de entender as causas do desenvolvimento de linfomas porque a comunidade médica percebeu aumento nos casos inexplicáveis. “A ideia do grupo sueco era determinar se existem fatores ligados ao estilo de vida dos pacientes”.
O estudo da Universidade de Lund fez um levantamento de todas as pessoas na Suécia com linfoma, entre 20 e 60 anos, de 2007 a 2017. Foi dado um questionário para elas responderem sobre seu estilo de vida. Os tatuados tinham de informar a quanto tempo haviam feito as tattoos e qual era o tamanho e as cores usadas nos desenhos. Depois da triagem prévia, 5.591 pessoas foram selecionadas e dessas, 1398 apresentavam linfoma maligno e 4193 eram do grupo de controle.
A Dra Liliana Borges reforça que as conclusões da pesquisa não são motivo para alarme. “Trata-se de um estudo feito inicialmente em um único país que tem um excelente programa de dados [a Suécia possui registros detalhados da saúde dos cidadãos]. Mas existem trabalhos prévios que estudaram a associação de tatuagens com outros tipos de câncer e que acabaram não se comprovando”, afirma.
A hematologista cita que pelo menos 30% da população mundial tem tatuagem. Na Suécia, onde a pesquisa foi feita, uma em cada cinco pessoas tem a pele riscada. “É importante lembrar que o linfoma é uma doença que pode surgir por multifatores, não apenas por conta da tatuagem. O estudo encontrou inicialmente uma associação de aumento de 21% no risco de incidência de linfonodos em pessoas tatuadas e, depois, em revisão mais refinada, esse índice ficou em 18%”, cita a médica da Oncoclínicas.
Inflamações crônicas
A hematologista explica que um dos fatores desencadeadores de um linfoma são as reações inflamatórias crônicas. Mas há outras causas que podem ter origem genética ou ambiental. Substâncias químicas como agrotóxicos e fumo passivo estão na lista dos elementos que aumentam o risco de desenvolvimento de linfomas.
Ao todo, enumera a especialista, são 30 subtipos desses tumores, classificados entre os chamados ‘indolentes’, de progressão lenta, e os mais agressivos. O tratamento da doença é determinado a depender da classificação e do tipo de tumor.
A pesquisa sueca lançou algumas hipóteses sobre a tinta usada na tatuagem desencadear reações inflamatórias no organismo. Dra Liliana lembra que alguns elementos presentes na tinta constam em listas de organizações internacionais como sendo carcinogênicos, ou seja, podem favorecer o surgimento futuro de um câncer. “O estudo detectou a presença de resquícios de tinta em linfonodos, mas é preciso aprofundar mais as pesquisas para se ter certeza de uma associação direta”, adverte.
A própria equipe responsável pelo estudo concluiu ser necessário seguir nas análises para entender os efeitos da tatuagem a longo prazo na saúde. “Podemos especular que uma tatuagem, independentemente do tamanho, desencadeia uma inflamação de baixo grau no corpo, o que, por sua vez, pode desencadear o câncer”, disse a coautora da pesquisa, Christel Nielsen, professora associada da Divisão de Medicina Ocupacional e Ambiental da Universidade de Lund, em comunicado à imprensa. “O quadro é, portanto, mais complexo do que pensávamos inicialmente”, admitiu.
Sintomas e tratamento
A cura de um linfoma também ocorre a depender do subtipo do câncer e do caso de cada paciente, lembra Liliana Borges. Alguns têm altos índices de cura a partir de um diagnóstico precoce e outros são incuráveis.
Os sintomas a observar, enumera a hematologista, são o surgimento de gânglios, popularmente conhecidos como ínguas, no pescoço, axilas e virilha com o crescimento progressivo; febre alta sem causa aparente; perda de peso e sudorese profunda. O linfoma também pode atingir qualquer órgão, mas é mais comum no sistema linfático, que é justamente o sistema do organismo que cuida da imunidade. O estilo de vida do paciente, que os pesquisadores suecos investigaram, é importante.
“Se voltar para hábitos mais saudáveis, tanto no caso dos tumores sólidos quanto nos linfomas, é sempre uma forma eficaz de prevenção. É preciso cuidar da alimentação, evitar substâncias químicas e monitorar o peso, porque a obesidade é um fator de risco para doenças linfáticas. Além disso, manter a atividade física regular e evitar o tabagismo. Os bons hábitos também ajudam na resposta do paciente ao tratamento após o diagnóstico”, diz a Dra Liliana.
Mais informação
O tatuador Ditto (Adailton Nunes), do estúdio True Love, situado no Barra Center, diz que é importante as pessoas se informarem bem antes de ficarem alarmadas. Embora reconheça a importância da ciência, ele lembra que, segundo o que foi divulgado até o momento, o estudo ainda não foi validado e não foram feitos testes para determinar a relação da tatuagem com o risco maior de desenvolvimento de câncer.
“A questão com a tatuagem é a qualidade dos materiais, que precisam ser todos aprovados pela Anvisa, ter registro. As tintas têm de ter boa procedência, feitas com as substâncias autorizadas no Brasil. Quando uma pessoa for fazer a tatuagem, deve procurar um estúdio sério, que tenha todo um cuidado de biossegurança e atenda as normas de Vigilância Sanitária”, afirma o artista, que atua na área há sete anos.
Em 2023, a FDA - Food And Drug Administration, o equivalente norte-americano à nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), emitiu diretrizes para ajudar os fabricantes de tinta de tatuagem e seus distribuidores a reconhecer indícios de contaminação nas substâncias. No Brasil, a Anvisa tem a resolução RDC 55, de 2008, que classifica a tatuagem como pigmentação artificial permanente. O órgão reforça que as tintas e equipamentos usados pelos tatuadores precisam ser registrados.
Em Salvador, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), os estúdios de tatuagem devem funcionar em condições sanitárias que possibilitem a prestação do serviço de forma segura, em ambiente salubre, com boas condições de higiene. “Os profissionais também devem seguir as normas de biossegurança na prestação do serviço, utilizar instrumentos e materiais devidamente esterilizados ou descartáveis, além de produtos e equipamentos regularizados pela Anvisa e Ministério da Saúde; além de descartar devidamente os resíduos gerados”, diz a pasta, em nota.
A Vigilância Sanitária do município (Visa) fiscaliza os estabelecimentos, que precisam se regularizar junto ao órgão e possuir licença sanitária (Alvará de Saúde). Para a obtenção da liberação, os responsáveis devem realizar o licenciamento no site www.pgls.com.br. Já a documentação pode ser obtida no site da Visa (www.saude.salvador.ba.gov.br/vigilancia-sanitaria).
Dentre as principais irregularidades encontradas pela Vigilância em estúdios estão o funcionamento sem regularização, a destinação inadequada dos resíduos gerados, a reutilização de produtos descartáveis e falhas no reprocessamento de materiais.
Quem deseja se tatuar precisa ter atenção a outros riscos à saúde
Estudos anteriores ao da universidade sueca já tentaram investigar se tatuagens seriam um risco em potencial para o melanoma (um tipo de câncer de pele), mas não houve comprovação. O que os dermatologistas recomendam, no entanto, é que quem deseja riscar a pele, evite cobrir verrugas com desenhos. Isso porque alterações na cor, formato e tamanho desses sinais podem indicar o desenvolvimento de um tumor. O sinal estar encoberto pela tattoo dificulta o exame e o diagnóstico. Nos casos positivos, diagnóstico tardio influencia diretamente na eficácia do tratamento.
A dermatologista Vanessa Queiroz, do Instituto Cláudio Bacelar, em Salvador, adverte que há outras questões associadas a tatuagens, como o risco de contrair infecções como hepatite B ou C, que causam doença hepática, ou HIV, o vírus causador da Aids. Para evitar correr perigo, é preciso cuidados antes de escolher o estúdio de tattoo.
“As infecções podem ocorrer se os tatuadores não usarem agulhas descartáveis ou não limparem e esterilizarem totalmente as agulhas reutilizáveis. Pessoas que fazem tatuagens também podem ter reações alérgicas aos corantes das tintas. Se fizeram uma ressonância magnética, por exemplo, podem sentir dor ou queimação na pele durante o exame. Isso ocorre porque as tintas às vezes contêm metais, que aquecem ou se movem dentro do aparelho de ressonância”, enumera.
Em caso de infecção, acrescenta a Dra Vanessa, é preciso ir ao médico para avaliar a necessidade de uso de antibióticos, colagenase ou algum ativo para controlar a reação local. “As pessoas devem ficar atentas se o local da tatuagem inchar, ficar vermelho ou roxo, se sentirem febre ou a área tatuada começar a exsudar pus ou cheirar mal”.
Nos casos de arrependimento e desejo de remover o desenho, só é possível com laser, diz a dermatologista. “Mas o processo requer várias visitas ao médico e pode causar problemas como a pele mudar de cor ou ficar irritada e inchada. Além disso, pode ser muito mais caro do que fazer tatuagem”, finaliza.
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