SAÚDE
Especial Setembro Amarelo: Um olhar para a juventude
Por Bianca Carneiro* | Foto: Freepik e Divulgação

Um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, o suicídio já faz em média no Brasil uma vítima a cada 35 minutos. O dado preocupante é da Organização Mundial da Saúde (OMS) e coloca o País em 8º lugar no ranking global, com quase 12 mil mortes. Na Bahia, a situação também não é boa. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), entre 2010 e 2017, cerca de 3.324 casos foram contabilizados no estado. Em 2018, até o início de setembro, outras 286 mortes foram confirmadas.
>>Série 1/5: Nós precisamos falar sobre depressão
Conforme explica a psiquiatra e membra da Associação Psiquiátrica da Bahia, Miriam Gorender, o suicídio em si não é considerado uma doença, mas um ato complexo que decorre de diversos fatores sociais e biológicos. No entanto, uma pesquisa recente da OMS mostrou que mais de 90% dos casos de suicídio estão associados a distúrbios mentais como a depressão, presente em 36% das vítimas. A dependência de álcool também apareceu em 23% dos casos, assim como a esquizofrenia (14%) e os transtornos de personalidade (10%).

“Se a gente tratasse dessa doença mental, conseguiríamos prevenir em torno de 9 a cada 10 casos, pois a doença aumenta os traços que normalmente fazem a pessoa provocar o fim da própria vida, como o sentimento de desesperança e impulsividade”, reitera.
Nesse contexto, jovens e idosos representam os grupos cuja incidência é maior. Nos brasileiros de 15 a 29 anos, tirar a própria vida já representa a terceira causa de morte no grupo, ficando atrás apenas de homicídios e acidentes de trânsito. Apesar de ainda constituir um tabu, falar sobre suicídio entre jovens é uma necessidade. Por isso, o Portal A TARDE traz o questionamento na segunda das cinco reportagens da série especial Setembro Amarelo.
No caso dos jovens, Miriam diz que fatores como bullying, falta de autoestima, traumas e questões familiares costumam ser algumas das motivações mais conhecidas. Além disso, também existe a questão própria da idade, na qual as decisões não são vistas com tanta seriedade. “Ser adolescente ou adulto jovem já carrega por si só todo um estresse próprio da idade e do crescimento, além da impulsividade. Isso é importante, pois a maioria dos suicídios é cometido de forma impulsiva”, conta.
Brincadeira sem graça
Tendência desde o surgimento das redes sociais, algumas correntes que circulam em meios como WhatsApp e Facebook, possuem o objetivo sinistro de estimular o suicídio. Crianças e adolescentes constituem os segmentos que mais tendem a ser influenciados a completar os supostos desafios. Segundo o Centro de Estudos Sobre Tecnologias da Informação e Comunicação (Cetic), 1 em cada 10 adolescentes brasileiros de 11 a 17 anos acessa conteúdo na internet sobre formas de se ferir, e 1 em cada 20, de se suicidar.
Supostamente criado na Rússia em 2015, o jogo “Baleia Azul” conseguiu fazer algumas vítimas no Brasil. A dinâmica consiste em obedecer 50 regras impostas por um usuário denominado "curador", indivíduo que dita todas as ordens, entre elas, causar dor e ódio em si mesmo ou pessoas próximas. Vence quem cumprir a última etapa, o suicídio.
No ano passado, cerca de sete estados brasileiros registraram casos de suicídios e mutilações com suspeitas de ligação com o Baleia Azul. Em uma rápida pesquisa no Facebook, rede onde o desafio era divulgado, ainda é possível encontrar fotos de jovens que supostamente teriam participado. A boa notícia é que a procura também retorna grupos que, embora possuam o mesmo nome, tem foco totalmente diferente: a prevenção ao suicídio.
Porém, os pais ainda têm com o que se preocupar. Outros derivados da Baleia Azul, surgem com frequência nas redes. O mais recente é chamado de “Boneca Momo”. O jogo se apresenta como um espírito que envia mensagens de terror, especialmente por um número japonês de WhatsApp, cujo objetivo é levar o jogador a cometer suicídio por meio de enforcamento.

No Brasil, o caso de maior repercussão atribuído supostamente à boneca é o do menino Artur Luis Barros dos Santos, de 9 anos, encontrado enforcado no quintal de casa, no Recife, em agosto deste ano, após ter mostrado uma foto da boneca para a mãe. Embora ainda esteja em investigação, segundo a família, há poucos indícios de que a morte do menino tenha sido causada por um perfil ligado à boneca.
Segundo o advogado Jailton Rigaud, quem cria ou veicula conteúdo que estimule o ato suicida, pode responder pelo crime de induzimento ao suicídio, previsto no artigo 122 do Código Penal.
“Caso o suicídio se consuma, o autor pode pegar de 2 a 6 anos de reclusão ou 1 a 3 anos, caso o ato não aconteça, mas deixe lesão corporal de natureza grave. A pena é duplicada, se a vítima é menor”, explica. Ainda segundo Jailton, o crime pode ser denunciado tanto em delegacia de polícia como no Ministério Público. Assim, ligações telefônicas, mensagens e quaisquer outras formas de contato devem ser guardadas como provas.
Mas o que leva uma pessoa jovem a querer participar destes tipos de jogo? Para Miriam, a interferência da mídia é uma das possíveis respostas. “Parte da mídia tende a glamourizar o suicídio. Isso acaba estimulando o ato, pois ele aparece como algo bacana, a ser seguido, e os jovens tendem a querer imitar modelos. Fora isso, tem a questão da própria faixa etária, que implica em uma imaturidade e impulsividade maiores. Em geral, as pessoas que levam esses jogos a sério, já possuem dentro de si uma vulnerabilidade maior e portam algum tipo de transtorno”, afirma.
Esteja atento aos sinais
Segundo Miriam, alguns comportamentos podem indicar a intenção suicida de uma pessoa jovem. São eles, o isolamento social, a perda de interesse em atividades que antes lhe davam prazer, o uso de expressões como “queria sumir” e “eu não tenho valor”, ou até mesmo condutas de despedida.
A psiquiatra também acredita que a prevenção de suicídios é possível. “A maioria das pessoas que morreram havia avisado. Infelizmente, a tendência da nossa cultura é banalizar essas afirmações, achando que prestando atenção, na verdade iria incentivar o ato, mas é justamente ao contrário. Precisamos parar de simplesmente responder esses avisos com frases positivas, e sim, começar a levar o jovem até a emergência. Melhor mesmo não esperar, ou pagar pra ver, achando que aquilo é só para chamar a atenção”, diz.
Escutar para entender
Em casos de suspeita, a psiquiatra diz que a família deve agir com cautela e procurar entender o que está se passando com o jovem. Para situações de risco imediato, ela orienta a não deixar a pessoa sozinha e levar à emergência hospitalar.
"Além de estar atento aos sinais, a família precisa olhar e conversar. Mas conversar não significa dar conselho ou fazer crítica, pois se o jovem achar que vai ser criticado ele vai guardar aquilo até que seja tarde demais. Em hipótese alguma, não se pode fazer julgamento e dizer que é covardia, falta de deus ou frescura. É necessário também procurar tratamento com profissionais da saúde", conclui.
*Sob supervisão de Lhays Feliciano
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