CIÊNCIA E SAÚDE
Exoesqueletos robóticos ajudam pacientes na recuperação motora
Equipamentos simulam o modo humano de caminhar para reensinar ao cérebro das pessoas
Por Andreia Santana
A fisioterapeuta neonatal Flávia Leal, de 37 anos, é cadeirante há sete, desde que fraturou uma vértebra após um telhado cair sobre ela. Depois de um mês no hospital e três do que chama de um tratamento “intensivão” na rede Sara Kubitschek, em Salvador, onde mora, hoje ela não atua mais na área de formação e sim no setor administrativo. Atualmente, faz fisioterapia com o objetivo de preparar seu corpo para a reabilitação com a ajuda de um exoesqueleto robótico, equipamento que, preso às suas pernas, irá ajudá-la a reaprender, do ponto de vista neurológico, a andar.
Ela soube da técnica por indicação de um dos seus fisioterapeutas e através das redes sociais, no perfil de Instagram do Espaço Paraleme, situado na Avenida Tancredo Neves, onde faz o tratamento, iniciado em março deste ano. Em novembro de 2023, Flávia caiu da cadeira de rodas e, depois disso, a ideia da reabilitação passou também a ser perder o medo de ficar novamente de pé. “O exoesqueleto me oferece mais confiança para fazer os exercícios de reabilitação sem medo de cair. E me ajuda a melhorar a qualidade óssea, a não ficar com os ossos frágeis”, conta.
O equipamento usado por Flávia é o Lokomat, fabricado na Suíça pela empresa Hocoma, e é o único na região Nordeste no ambiente de uma clínica de reabilitação. Ao todo, são apenas oito desses no Brasil, mas usados em hospitais, em universidades para fins de pesquisa ou no Sistema Único de Saúde (SUS), em São Paulo.
Cristiano Souza, sócio-diretor do Espaço Paraleme e fisioterapeuta especializado em reabilitação, conheceu o uso de exoesqueletos robóticos ao levar seus pacientes para tratamentos fora da Bahia. A clínica existe há quatro anos, mas antes prestava assistência domiciliar. Em 2022, junto com o sócio Valnei Maia, que é cadeirante, o fisioterapeuta conheceu o Lokomat em Goiânia (GO).
Os dois decidiram trazer a técnica para Salvador. Atualmente, pacientes com 14 diferentes graus de lesões e idades que variam dos 14 aos 87 anos, fazem sessões de uma a quatro vezes na semana, a depender das condições físicas. Antes de usar o exoesqueleto, os candidatos passam por uma avaliação prévia fisioterápica.
O que o equipamento faz?
O exoesqueleto robótico é destinado aos treinos de marcha e, para isso, é preso às pernas do paciente, explica Cristiano. “O equipamento simula a marcha humana, o nosso modo de andar. Pacientes que sofreram uma lesão na medula precisam reaprender o movimento de marcha de forma fisiológica. Graças à neuroplasticidade do sistema nervoso, a partir dos estímulos adequados, é possível evoluir o quadro desse paciente. A ideia é reensinar o cérebro os movimentos da caminhada”, detalha.
O especialista ainda acrescenta que os exoesqueletos são uma evolução nos tratamentos de reabilitação. “Quando eu comecei nessa área, há 14 anos, existia um limite até onde o paciente poderia evoluir. O exoesqueleto amplia esse limite, mas não deve ser utilizado sozinho, é preciso aliar as sessões com a fisioterapia padrão e a especializada nos casos de lesão neuromuscular”, adverte.
Os exercícios com o exoesqueleto duram 35 minutos, em média, e nesse tempo o fisioterapeuta acompanha todos os movimentos e vai ajustando o equipamento e estimulando o treino do paciente e corrigindo a marcha para que ela fique fluída e natural novamente.
“Um dos ganhos é porque o paciente fica suspenso em um colete de segurança, o exoesqueleto é acoplado às pernas, preso nas coxas, panturrilhas e tornozelos, a estrutura é fixa e focada na reabilitação dos membros inferiores e, devido a todos os equipamentos de segurança utilizados, o paciente consegue evoluir no exercício porque não tem medo de cair”, completa.
Contraindicações
No geral, são prescritas de 10 a 12 sessões no equipamento e as avaliações são semanais, para que o fisioterapeuta confira a evolução do tratamento. Os protocolos de uso são diferentes de pessoa para pessoa e dependem do tipo de lesão. “Se dez pessoas vão ser atendidas, precisam existir dez protocolos diferentes, cada paciente é único e precisa ser avaliado para ter os exercícios adaptados às suas necessidades”.
Também não são todos os casos que podem ser tratados com a técnica e nem é recomendável que um paciente que sofreu uma lesão medular passe direto para o uso de um exoesqueleto antes de fazer fisioterapia. “Ao longo do tratamento com o exoesqueleto é preciso manter concomitantemente a fisioterapia porque o equipamento não faz magia, é um processo de evolução constante”, afirma.
Além disso, o fisioterapeuta explica que nem todo mundo pode aderir a esse tratamento, que é contraindicado, por exemplo, nos casos em que ocorre a Hipotensão Ortostática, quando a pressão do paciente cai muito se ele fica de pé. Também não é recomendado quando o paciente tem escaras, ferimentos provocados na pele porque a pessoa fica muito tempo na mesma posição; para quem tem algum problema psiquiátrico e fica ansioso ou angustiado ao utilizar algum tipo de contenção, isso porque o equipamento precisa ser acoplado ao corpo; para as pessoas que estão em tratamento de fraturas, pesam mais de 150 kg - peso máximo que o equipamento suporta -, ou medem mais de 2 metros de altura por faltar suporte adequado.
Conforto e benefícios
Segundo Cristiano Souza, mesmo os pacientes que não têm prognóstico de voltar a andar, podem se beneficiar do fortalecimento dos ossos e de uma melhora no quadro geral de saúde, por conta dos ganhos musculares, cardiológicos e até emocionais ao voltarem a se ver na posição de pé.
“Muitos pacientes relatam um desconforto porque, devido às lesões, alguns marcham em bloco, não é um movimento harmônico, e isso incomoda fisicamente e na questão do constrangimento social, as pessoas ficam reparando no seu modo de andar. Muitos pacientes, inclusive, resistem a deixar a cadeira de rodas por conta disso, mesmo quando é indicado que já saiam da cadeira e utilizem o andador. O equipamento pode ser útil para fazer o desmame da cadeira de rodas”, pontua o fisioterapeuta.
Crianças também podem ser tratadas com versão pediátrica de exoesqueletos
O primeiro exoesqueleto pediátrico para crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença que atinge um em cada dez mil recém-nascidos no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), foi desenvolvido pelo Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC) da Espanha, há cerca de dez anos. Com estrutura de alumínio e titânio, o equipamento é autônomo, ou seja, não precisa ser ligado em uma tomada e funciona com baterias, atendendo pacientes de 3 a 14 anos de idade. Também é adaptável e se adequa aos níveis de rigidez do corpo do paciente e cresce com a criança até a idade limite. A partir de 14 anos, já é possível usar as versões para adultos de alguns desses equipamentos.
Em Salvador, o Núcleo de Atendimento à Criança com Paralisia Cerebral (NACPC) e a prefeitura fecharam um protocolo de intenções, em outubro do ano passado, para compra de quatro exoesqueletos infantis a serem usados no tratamento dos atendidos pelo Núcleo. A iniciativa visa desenvolver estudos de reabilitação a partir de exoesqueletos, com uma equipe multidisciplinar formada por médicos, fisioterapeutas e nutricionistas. O investimento anunciado na ocasião era de R$2,5 milhões e os equipamentos seriam adquiridos da empresa Trexo Robotics, do Canadá.
A reportagem tentou confirmar com a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) e com o NACPC se os equipamentos já foram comprados, se chegaram e se os estudos para a reabilitação pediátrica dos pacientes do Núcleo já começaram, mas até o fechamento desta reportagem, o órgão público e a entidade sem fins lucrativos não tinham retornado ao pedido de informações.
Com base em dados de 2023, o NACPC atende 515 crianças, jovens e adultos com deficiência física, intelectual e múltiplas, assim como suas famílias. Mensalmente, a média é de 10,5 mil atendimentos.
No Brasil, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), em São Paulo, utiliza exoesqueletos do modelo LokomatPro, da empresa suíça Hocoma, na reabilitação de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Passo a passo do uso de um exoesqueleto de reabilitação
1. O paciente é envolvido em um colete de sustentação quando ainda está sentado na cadeira de rodas;
2. Depois, é levado para o equipamento ainda sentado na cadeira e, alguns cabos são presos às tiras de segurança existentes no colete. São essas tiras possibilitar erguer o paciente para que fique de pé;
3. Já em posição vertical, o paciente segura em duas barras paralelas para se apoiar melhor e a cadeira de rodas é retirada;
4. Com o paciente erguido, o exoesqueleto é preso nas suas pernas (nas coxas panturrilhas e tornozelos);
5. Com o equipamento todo ajustado ao corpo do paciente, é iniciada a movimentação de marcha seguindo o modo fisiológico da caminhada humana, ou seja, apoiando primeiro o calcanhar e depois os dedos na esteira;
6. O paciente faz o exercício de marcha com o exoesqueleto por 35 minutos, acompanhado pelo fisioterapeuta, que vai ajustando o procedimento, a posição das pernas, do quadril, etc.. Um telão diante do equipamento exibe todo o exercício e dois monitores, ao lado e em frente, do aparelho orientam os fisioterapeutas na checagem do desempenho do paciente.
Entenda mais sobre a tecnologia
>> Exoesqueletos - Estruturas que podem ser 'vestidas' e servem para melhorar as capacidades físicas humanas. Na área da saúde, os exoesqueletos robóticos vêm sendo usados para ajudar a manter o equilíbrio, melhorar a mobilidade e facilitar a recuperação motora de pacientes que sofreram lesões ou são PCDs;
>> Tratamentos - Os exoesqueletos podem ser utilizados na reabilitação de pacientes pediátricos ou adultos que apresentam: lesão da medula espinhal após traumas e acidentes, paralisia cerebral, atrofia muscular, distrofia muscular, acidente vascular cerebral (AVC), miopatias e doenças neuromusculares que causam fraqueza global progressiva, entre outras;
>> Pesquisas - Desde 2011, o Brasil desenvolve o projeto ExoTAO, no Laboratório de Reabilitação Robótica da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O foco do projeto são os pacientes com sequelas de AVC ou lesão medular incompleta, com quadro que demande a reabilitação dos membros inferiores. Há estudos também fora do país, como no Laboratório de Sistemas de Robôs Humanos, da Universidade de Massachussetts Amherst, nos Estados Unidos;
>> Novos caminhos - O uso de exoesqueletos para tratamentos médicos ou mesmo na indústria segue um conceito chamado de Transhumanismo, movimento cultural global que pensa na robótica como uma forma de ampliar as capacidades humanas. Segundo esse movimento, para o uso dos exoesqueletos ser incorporado ao dia a dia de pessoas PCDs, por exemplo, é preciso tanto que os equipamentos se tornem portáteis quanto não necessitem ser acoplados a fontes fixas de alimentação (como uma tomada, por exemplo), sendo totalmente autônomos. Outra questão é o barateamento da tecnologia, que ainda é de alto custo para a população em geral.
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