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Há um número considerável de crianças e jovens com sintomas ansiosos e depressivos
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SAÚDE

COVID

Jovens enfrentam aumento da crise de saúde mental pós-pandemia

Os jovens são o grupo mais impactado pela crise de saúde mental provocada pela pandemia de Covid-19, de acordo com o relatório anual sobre o Estado Mental do Mundo, divulgado em 2023. No Brasil, o estudo mostrou que existem 39% mais pessoas de 18 a 24 anos relatando queixas de saúde mental em comparação à faixa etária de 55 a 64 anos.

O país ficou como o terceiro pior índice de saúde mental dentro de um ranking com 64 países, à frente apenas do Reino Unido e da África do Sul e 11 pontos abaixo da média geral. O levantamento, encomendado pela organização de pesquisa sem fins lucrativos Sapien Labs, mostrou ainda que a população global não recuperou o declínio no bem-estar psíquico observado durante a pandemia da Covid-19.

“Não há uma única região, grupo linguístico ou país onde o declínio do bem-estar mental em gerações sucessivamente mais jovens não é aparente. Isso se traduz em um aumento dramático na porcentagem de cada geração mais jovem que está mentalmente angustiada ou lutando em um nível qualificável como de natureza clínica ou requerendo ajuda profissional”, escreveram os autores.

Embora pouco discutido, há um número considerável de crianças e jovens com sintomas ansiosos e depressivos, com um crescimento de automutilação e ideação suicida, segundo a psicóloga do Psicologia Instituto Sereu, Ana Paula Nunes.

Ana Paula Nunes, psicóloga do Psicologia Instituto Sereu
Esses sintomas devem ser observados para que possam buscar um especialista, um diagnóstico com um profissional de saúde mental

"A gente pode observar um aumento da tristeza, isolamento social, pouca interação familiar, queda no rendimento dos estudos, pouca vontade de fazer atividades que antes consideravam prazerosa, falta de apetite, alterações do sono. Ainda vou acrescentar dois sintomas: a vontade de não querer viver e a vontade de dormir e não querer mais acordar", detalhou, em entrevista ao Portal A TARDE.

Em um momento de maior interação social, as pessoas estavam isoladas em casa, o que proporcionou o maior aumento de telas. Essa condição também contribuiu para influenciar nos comportamentos negativos das crianças e jovens, afirma Ana Paula.

“Computadores, TVs, celulares, a gente sabe que o uso excessivo de telas contribuem muito para comportamentos de comparação, redução da autoestima, aumento da ansiedade porque nas redes sociais acabam vindo muitas notícias. Pode observar diversos estudos um aumento de cerca de 25% na prevalência global, de ansiedade e depressão, no primeiro ano da pandemia que se reflete até os dias de hoje. Por exemplo, um adolescente que estava com 15 anos e hoje tem 20, perdeu seu momento de maior interação social, eras, formação de grupos, vínculos com amizades, justamente na transição para juventude”, destacou a psicóloga.

Apesar do quadro preocupante, a psicóloga ressalta um aspecto positivo dessa pandemia, que foi a diminuição do preconceito contra a terapia e de outros processos de autoconhecimento. De acordo com Ana Paula, os diagnósticos não aumentaram efetivamente, o que mudou foi a procura por tratamentos de saúde mental.

“A pandemia também trouxe um acesso maior de conhecimento. A gente teve um excesso de live de médicos de psicólogos, isso fez com que disseminasse mais ainda o conhecimento. Então, algumas pessoas aproveitaram para estudar mais, fazer cursos, pós-graduações, terem tempo de divulgar mais seus trabalhos nas redes sociais. Com o avançar da Inteligência Artificial, o maior acesso à internet, fez com que a gente tivesse também na busca de tratamentos de saúde mental, seja um médico psiquiatra ou psicólogo”, explicou a profissional.

A busca por ajuda profissional é fundamental quando quadros como isolamento social e desânimo persistem por várias semanas. Ana Paula reforça a necessidade dos pais buscarem terapia para os filhos e manter o apoio familiar.

“É buscar um psicólogo para entender se esse isolamento social é por uma falta de habilidade social ou se há a presença de algum quadro de transtorno de ansiedade, de depressão ou algum outro problema emocional presente. Os pais podem tentar fazer uma aproximação gradual, tentando convidar para outros contextos onde há outras pessoas, verificar o que o jovem gosta, tentar matricular em algum esporte em grupo para ter esse maior contato social e fazer uma atividade física. E, principalmente, o apoio familiar, a presença, tentar manter um diálogo sem julgamentos”, pontuou a psicóloga.

Consequências nos jovens

A bacharel em Direito, Milena Queiroz, de 23 anos, foi uma das jovens que sentiu o peso emocional da pandemia. Ela se viu, junto com seus pais e irmã, em um cenário de constante medo, principalmente pela fragilidade da saúde de seu pai, que era idoso, e pela dependência da irmã, que tem hipoplasia do corpo caloso.

Durante esse período, Milena começou a perceber os sintomas de ansiedade e entender também os gatilhos do próprio relacionamento afetivo que estava. “Foi quando eu tive a minha primeira crise de ansiedade, que eu decidi que ia terminar. Uma crise surreal. Eu já tinha tido um princípio de asma durante o tempo. Então, aquela falta de ar, eu acreditava que era só realmente uma coisa natural. Meu principal desafio durante a pandemia realmente foram os sintomas. Entender que eram da ansiedade, que eram coisas que não eram minhas, pensamentos ruins que não eram meus”, detalhou a jovem.

A bacharel em Direito, Milena Queiroz, de 23 anos

A falta de interação e o distanciamento de aulas presenciais na sua faculdade de Direito também foi sentida, mas ela se conformou com o ensino online e preferiu se dedicar à busca por experiência profissional conforme a flexibilização dos trabalhos voltavam.

No início de 2022, seu pai faleceu e Milena iniciou um tratamento terapêutico após diversas crises durante o ano. Alguns sintomas ainda são presentes nos dias atuais, mas ela continua trabalhando na terapia.

“Fiz todo o tratamento, até que saiu o diagnóstico da doença da ansiedade. Nesse momento eu estava com princípios depressivos decorrentes de tudo. Eu ainda tenho muito receio em falar em público, tenho muito receio em errar. Às vezes eu evito conversar com pessoas da minha área justamente pelo medo de não ter tido um preparo suficiente. O medo se tornou constante, então, é uma coisa que eu trabalho até hoje na minha terapia e ainda mantenho o uso do remédio”, completou Milena.

Para a estudante de B.I. em Humanidades, Júlia Passos, de 21 anos, que sempre foi uma pessoa ativa em sala de aula, seu último ano de Ensino Médio foi completamente disperso.

“No terceiro ano eu meio que não estava tão interessada assim, as aulas online não eram tão interessantes, a dinâmica não era muito legal, obviamente porque todos os professores tiveram que se adaptar de uma hora para outra, mas era desmotivante. Eu não sou muito adepta ao ensinar à distância, gosto muito de coisas presenciais, então, senti falta, senti falta também da minha formatura que não teve", pontuou a estudante.

A estudante de B.I. em Humanidades, Júlia Passos, de 21 anos

Por outro lado, Júlia buscou ir contra os efeitos da pandemia, principalmente o tédio. Ela manteve uma rotina de exercícios físicos e outras atividades que já fazia antes do isolamento.

“Eu não sou uma pessoa de ficar parada, então eu mantive isso nos exercícios. Eu morava com minha mãe e tinha uma regulamentação no prédio de só poder academia tal hora, tinha que marcar horário. Então, tinha tudo isso, mas eu continuava fazendo porque senão eu enlouquecia. Continuava dançando, enfim, continuei fazendo as coisas normais”, comentou a jovem.

Ainda de acordo com Júlia, ela chegou a visitar alguns amigos nesse período, o que ajudou a mantê-la emocionalmente bem. “Se eu tivesse que ter ficado sozinha realmente, sem interação social, física, com ninguém, teria sido muito ruim. Já foi bem ruim no início porque existia um medo maior de alguma coisa acontecer, principalmente com meus pais. Se eu posso falar que existiu medo, alguma ansiedade de acontecer alguma coisa com meus pais. Eu temia mais a meus pais do que a mim mesma”, concluiu.

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