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Lesão no fígado é um dos sintomas do pós-Covid

Publicado segunda-feira, 04 de outubro de 2021 às 06:00 h | Autor: Jane Fernandes
Maria Isabel Schinoni é médica do Serviço de Gastrohepatologia do HUpes/Ufba | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE
Maria Isabel Schinoni é médica do Serviço de Gastrohepatologia do HUpes/Ufba | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE -

Inicialmente caracterizada como uma doença respiratória, a Covid-19 tem sido vista cada vez mais de forma sistêmica, tanto pelos impactos a outros órgãos registrados no curso da doença quanto pelas inúmeras manifestações incluídas na chamada síndrome pós-Covid. No campo hepático, uma das patologias mais graves que tem sido associada à infecção pelo vírus Sars-Cov-2 é a colangiopatia.

Doutora em medicina, professora da Faculdade de Medicina da Ufba e médica do Serviço de Gastrohepatologia do Hupes/Ufba, Maria Isabel Schinoni explica que a colangiopatia é caracterizada pela inflamação dos ductos biliares. Esses ductos são responsáveis por transportar a bílis, líquido que transporta os produtos resultantes da depuração do fígado, para ser excretado no duodeno

“Quando esses ductos estão inflamados e não conseguem fazer a depuração da bílis, a bílis se acumula dentro dos hepatócitos (células do fígado) e, como não pode ir pela via biliar, ela vai para o sangue”, detalha a médica.

Como consequência da entrada dos sais biliares na corrente sanguínea, há um aumento da bilirrubina, resultando em um quadro de icterícia, caracterizado principalmente pela cor amarelada da pele e olhos do paciente. A professora acrescenta que a presença desses produtos de depuração no sangue também pode gerar coceira.

“O que temos visto, cada vez com maior frequência, é que muitos pacientes, sobretudo aquele com Covid grave, acabam tendo um quadro de colangiopatia”, comenta. Maria Isabel esclarece que esse diagnóstico é feito apenas com biópsia hepática e que o sintoma clássico da patologia, a icterícia, pode ser gerada por outras doenças.

Segundo a especialista, vários estudos, principalmente realizados no continente europeu, têm demonstrado uma relação entre a Covid-19 e a colangiopatia, e alguns apontam que o vírus Sars-Cov-2 pode atingir diretamente esses ductos biliares. No entanto, ainda não há clareza sobre o tempo de duração dessa inflamação, que muitas vezes regride com tratamento medicamentoso ou após a retirada de alguns medicamentos.

No entanto, a doutora em medicina destaca que também é necessário observar que o paciente com Covid-19 muito grave, que esteve em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), pode sofrer um processo de isquemia no fígado, ou seja, uma falta de irrigação sanguínea. Essa isquemia seria consequência do estresse fisiológico pelo qual o fígado passa em quadros graves de Covid e outras doenças.

“Independente de ter Covid, aquelas pessoas que estiveram com quadros muito graves na UTI, que, por exemplo, tiveram parada cardíaca ou insuficiência respiratória importante, um quadro agudo no qual o fígado sofreu pela falta de irrigação, também pode levar à colangiopatia”, reforça. Mas tem sido notado um aumento da sua incidência após o início da pandemia de Covid-19.

Hepatite

Maria Isabel conta que o Hupes está participando de um estudo multicêntrico para pesquisar o desenvolvimento de hepatite autoimune a partir da infecção com o vírus causador da Covid-19. “Parece que o vírus pode ser um gatilho para que o organismo não reconheça suas próprias células do sistema defensivo e acabe atingindo elas”, completa, lembrando que o estudo é muito inicial ainda.

A hepatite medicamentosa é outro risco que chamou atenção especial após o início da pandemia, sobretudo por conta do uso de substâncias sem evidências científicas quanto à ação sobre a Covid-19. “A gente tem visto muitas lesões graves no fígado por conta desses medicamentos, pois as doses que estão sendo tomadas são muito superiores as que usamos para outras doenças”, reforça a médica.

Ainda sobre o chamado tratamento precoce, composto por medicamentos como cloroquina, ivermectina, azitromicina, entre outros, a professora ressalta que o fígado pode já estar fragilizado pela ação do vírus e essas substâncias vão agravar essa agressão. “Temos relatos de hepatoxidade grave com azitromicina. Por ivermectina, tivemos casos de serem usadas cinco a dez vezes da dose que utilizamos para tratamento de parasita”, enfatiza.

“Esse tratamento tem trazido para o paciente, muitas vezes, consequências mais graves do que as do próprio vírus”, alerta. Ela relata que é comum a chegada de pacientes que experimentam uma redução da inflamação do fígado após a retirada desses medicamentos, o que evidencia que o dano estava sendo causado por eles.

A especialista ressalta a importância da medicina baseada em evidência e lembra que, ainda em 2020, os estudos já concluíram que não havia efeito dos medicamentos do chamado tratamento precoce contra a Covid-19. Em algumas substâncias, a conclusão foi até mesmo de impacto negativo na saúde do paciente.

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