SAÚDE
"Os jovens de hoje subestimam a importância da infecção por HIV", diz médica
Por Jane Fernandes
Diretora interina do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap) da Secretaria de Saúde do Estado, Leila Amorim é mestre em saúde coletiva e doutora em bioestatística. Marcando o Dezembro Vermelho, ela falou com A TARDE sobre o cenário da infecção com HIV no estado, os avanços na prevenção e tratamento e os passos ainda necessários.
O Ministério da Saúde divulgou que a infecção por HIV está em queda no país. Como está o cenário da Bahia no momento?
Ao longo dos anos, a gente tem visto que existe uma queda, uma queda principalmente nos óbitos, que é um avanço gerado pelo diagnóstico feito mais precocemente, pois hoje em dia há acesso mais fácil aos exames diagnósticos, até à testagem rápida, mesmo a nível de atenção básica. Com diagnóstico mais precoce, a gente acaba tratando mais precocemente e evitando os casos de Aids mesmo, a doença. A gente vem num movimento de queda lenta seguindo mais ou menos na linha do país, mas esse ano de 2020 é atípico por conta da pandemia de Covid, acho que muitos diagnósticos talvez tenham deixado de ser realizados, até porque toda a atenção estava voltada para a Covid, então as próprias pessoas estavam procurando menos os serviços. Aqui no centro de referência, que não fechou em nenhum momento, a gente percebeu um grande fluxo de pessoas que tinha abandonado o tratamento devido à pandemia e retornaram.
Quais estratégias levaram a essa queda?
A gente vai tentar prevenir a transmissão do vírus e tentar prevenir a morte por Aids, com o tratamento. É uma doença de transmissão sexual, que pode ocorrer tanto no sexo vaginal, anal, quanto oral, e a prevenção mais recomendada para todas as ISTs é o preservativo. Mas ao longo do tempo a gente percebeu que não é só o preservativo que vai ajudar realmente a conter a disseminação, então a gente vem utilizando outras estratégias de prevenção, que são o uso de medicamentos para evitar o HIV, como a PrEP (profilaxia pré-exposição), indicada para alguns grupos populacionais: homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, usuários de drogas…. Existe também a profilaxia pós-exposição (PEP), essa consiste na administração de antiretrovirais, medicamentos para HIV, depois da exposição ao risco. Uma pessoa que teve um acidente biológico, se furou com uma agulha, ou teve uma relação que ela considera de risco, nas primeiras 48 horas pode fazer uso para, caso ela tenha se infectado naquele momento, impedir que o vírus entre nas células, se multiplique e provoque a infecção naquele indivíduo. Fora as medidas educacionais, do comportamento sexual, para que a gente consiga parar a transmissibilidade.
No ano passado, o Ministério concentrou esforços para deter o crescimento da infecção entre jovens. Esse perfil foi identificado na Bahia?
De 15 a 24 anos é uma faixa etária que ainda preocupa, principalmente em pessoas do sexo masculino, sobretudo em homens que fazem sexo com homens. Esse é o grupo populacional que mais preocupa nesse momento em relação ao aumento do número de casos. O não uso do preservativo tem contribuído demais e a gente verifica que essa faixa etária tem deixado de usar, tem dado pouca importância a essa questão, talvez pelo fato de que não se fala mais tanto na mídia. Há alguns anos, as pessoas viam outras morrendo de Aids, aí se preocupavam realmente com a doença. Hoje como o tratamento está mais acessível, a mortalidade diminuiu bastante, não é comum ver na mídia óbitos por HIV, acontecem obviamente, mas isso não é tão divulgado. Isso faz com que os jovens subestimem a importância da infecção e consequentemente do uso do preservativo. É preciso lembrar que é uma doença crônica, que não tem cura, e o paciente vai ficar fadado a tomar medicações e ficar fazendo exames pelo resto da vida.
Como está o desempenho da Bahia quanto à transmissão vertical e quais estratégias de controle são adotadas?
As estratégias são a realização dos exames pré-natais com regularidade. Hoje, na primeira consulta pré-natal é necessário que sejam solicitados os exames pré-natais e entre eles sejam incluídos os exames de HIV e de sífilis também. Os exames de ISTs devem ser repetidos pelo menos no terceiro trimestre, mas o ideal é que faça um por trimestre, e também repetir na hora do parto. Por que é importante que a gente conheça o status sorológico, a condição daquela gestante? Porque a gente consegue impedir a transmissão do mãe para o bebê, a transmissão vertical, a partir daí. Se a gente diagnosticar durante a gestação, ela vai iniciar o tratamento o mais rápido possível e os medicamentos vão ter o objetivo de deixar a carga viral indetectável até o parto. Porque o maior risco da transmissão vertical é no momento do parto, não que não possa acontecer antes, mas a gente sabe que a grande chance é no momento do parto, seja por via natural ou por cesariana. No momento do parto ela também vai usar um medicamento, que é o AZT venoso, e o bebê, assim que nasce, independente de exames, já começa a usar esses antiretrovirais de forma preventiva para evitar que ele se infecte. O tratamento profilático normalmente dura 28 dias. No pré-natal, a gestante deve ser acompanhada também pelo infectologista, que vai aumentar ou modificar as medicações com o foco de deixar a carga viral menor possível na hora do parto, se não tiver indetectável, a indicação é fazer cesariana.
Atualmente há fácil acesso ao diagnóstico de HIV? Ainda é comum que aconteçam de maneira tardia?
Isso diminuiu muito, mas ainda hoje existem pacientes que chegam num estado de Aids clínica, tanto a nível ambulatorial quanto nos hospitais. Eles têm risco de vir a óbito, mas também podem, através do tratamento específico da infecção oportunista que ele está apresentando naquele momento e o uso dos retrovirais, conseguir uma recuperação boa. Então, se já não tiver sequelas, porque algumas infecções podem deixar sequelas, ele vai conseguir ter uma qualidade boa de vida. O diagnóstico tardio acontece muito mais pelo estigma, pelo medo de fazer a testagem do que pelo acesso em si, porque hoje os testes rápidos estão cada vez mais presentes em todas as comunidades, nos postos de saúde e existe também o autoteste. A expectativa de vida a partir do diagnóstico vai depender muito da adesão terapêutica e de características hereditárias também. O próprio HIV aumenta o risco de doenças cardiovasculares em geral, por isso é importante controlar o vírus. É um risco aumentado e a gente precisa ficar atento, fazendo exames cardiológicos, cuidando de hipertensão arterial e de hábitos de vida que não são tão saudáveis como sedentarismo e tabagismo.
Nos últimos anos têm se falado em tornar a carga viral indetectável. O que isso significa quanto ao risco de transmissão?
Do ponto de vista da transmissibilidade do HIV, o que os estudos atuais mostram é que se a pessoa está com a carga viral indetectável, a transmissibilidade tende a zero, mas isso precisa ser um dado novo e atual. Às vezes o paciente pode dizer: minha carga viral está indetectável, mas fez exame seis meses atrás, então será que agora ele realmente está indetectável? Para que a transmissão realmente não ocorra ele precisa estar com a carga indetectável naquele momento, só que o exame que detecta isso não é um exame acessível, é um exame caro, biomolecular, e no acompanhamento regular, em pacientes que estão estáveis, ele é feito de seis em seis meses. No paciente que adere bem ao tratamento, em geral não muda, mas não dá segurança para que abra mão de medidas preventivas. Importante lembrar que preservativos não protegem só do HIV, pois tem uma série de outras infecções sexualmente transmissíveis e hoje a sífilis nos preocupa demais.
Qual o nível de segurança da profilaxia pré-exposição? Para quem é recomendada e quais os critérios para ter acesso?
O nível de segurança é dado por grupos populacionais, se sabe que a PrEP é muito mais efetiva em homens, em homens que fazem sexo com homens, oferecendo uma proteção acima de 80%. Já nas mulheres, a resposta é inferior a 50%, em torno de 46%, então a gente vai pesar risco x benefício do uso nas mulheres. Mas se é uma mulher que tem um parceiro soropositivo, com carga viral que não está indetectável, tem indicação de usar PrEP, assim como uma profissional do sexo, então tem alguns grupos específicos que, mesmo em mulheres, a gente orienta usar. É um tratamento relativamente tranquilo quanto a efeitos colaterais, mas é preciso acompanhamento. Na composição da PrEP tem medicamentos que podem afetar a função renal e a parte óssea, no uso prolongado, então realmente a gente precisa estar monitorando. Os grupos prioritários são os gays e homens que fazem sexo com homem, trans, profissionais do sexo e casais sorodiscordantes.
O que cabe à população no controle da infecção por HIV no estado?
Usar preservativo! A gente sempre bate nessa mesma tecla, apesar de que a gente buscou outros métodos porque sabemos que aderir ao preservativo às vezes não é uma coisa tão fácil, mas a melhor proteção contra HIV é o preservativo. Outro ponto é buscar testagem para prevenir a Aids doença, então fazer exames periodicamente, para que em caso de infecção a pessoa possa ser tratada naquele primeiro momento e não deixe a doença acontecer.
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