CIÊNCIA E VIDA
Vapes podem ser mais nocivos do que os cigarros tradicionais
Confira coluna Ciência e Vida do jornal A TARDE
Por Jane Fernandes
Cerca de 65% da população brasileira afirma nunca ter fumado, segundo levantamento do banco de dados YouGov Global Profiles. O percentual reflete o sucesso da política antitabagismo do país, que inclui a proibição de uso em ambientes fechados, e programas de tratamento na rede pública, mas esse desempenho pode estar ameaçado pelo interesse dos jovens pelo cigarro eletrônico, mais conhecidos como vape.
Dados do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) apontam um aumento de 600% no consumo destes dispositivos nos últimos seis anos, a edição 2023 do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis revela que 4 milhões de pessoas já usaram cigarro eletrônico no Brasil.
O crescimento tem acontecido a despeito da proibição da comercialização dos cigarros eletrônicos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em vigor desde 2009.
Embora tenha sido criado para auxiliar no tratamento antitabagista, promovendo uma espécie de desmame gradual da nicotina, o cigarro eletrônico acabou renovando o hábito de fumar. “A sociedade começou a utilizar como recreação, aí os cigarros foram sendo modificados, por diversos fabricantes, por isso se perdeu o controle, e foram sendo adicionadas substâncias, sabores, cores…”, explica o pneumologista Aquiles Camelier, do Hospital Aliança Rede D'Or.
O uso dos cigarros eletrônicos nunca integrou as estratégias de tratamento preconizadas na Política Nacional de Controle do Tabagismo e está em discussão em países que chegaram a considerar essa utilização. Para o médico, o vape acaba expondo a pessoa a uma maior quantidade de nicotina - a substância responsável pela dependência -, e destaca a inadequação de aplicar de forma terapêutica um produto gerador de doenças.
A relação de André Morais*, 24 anos, com o vape ilustra o que geralmente tem ocorrido quando esses dispositivos são buscados para superar o tabagismo, que bem poderia ser chamado de nicotinismo. Usuário de vape desde 2020, ele fumava cigarro tradicional e, cerca de dois meses após o início da pandemia, chegou ao consumo diário de uma carteira e meia, o que o desagradou.
“Optei por comprar um pod, que é o modelo de vape para concentrações maiores de nicotina, e em quatro dias eu zerei o consumo de cigarro, somente com o uso do pod”, recorda. Ele afirma conhecer os impactos do hábito, mas aparentemente subdimensiona os efeitos. “Acredito que o consumo de forma prudente, principalmente em relação à procedência, qualidade e utilização de forma correta do produto reduz muito esses riscos”.
Afirmando não ter percebido nada negativo em relação à sua saúde, ele declara “mantenho minhas condições físicas sem prejuízos, pelo menos até o momento, sem nenhuma complicação e nem prejuízo em qualquer órgão”. Apenas as questões sociais o fazem pensar em parar: “A dependência muitas vezes me causa desconforto e ansiedade em ambientes onde não posso utilizar”.
Falsa impressão
Técnica do Programa Estadual de Controle do Tabagismo da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), Daiane Monique Lira acredita que a percepção reduzida de risco é um dos principais problemas quanto aos vapes. “Vem sendo construída pela indústria do tabaco, para atrair o público jovem”, declara, acrescentando que a adição de cheiros torna os dispositivos mais aceitos socialmente, por não terem o odor do cigarro tradicional.
Segundo o pneumologista Aquiles Camelier, o vape pode ser considerado até mais nocivo à saúde do que o cigarro comum, adicionando novos riscos aos tradicionalmente associados ao tabagismo. Além da nicotina, já se sabe da presença de outras substâncias agressivas nos cigarros eletrônicos, a exemplo de diacetil, ligada ao risco de câncer e outras doenças pulmonares. Metais pesados como níquel e chumbo também são encontrados nestes dispositivos eletrônicos.
O uso de vape/pod está associado a uma doença nova, identificada pela primeira vez em 2019, nos EUA, e batizada de Evali (sigla de e-cigarette and vaping associated lung injury). “É uma inflamação aguda do pulmão, que matou alguns jovens”, alerta Camelier, explicando que o paciente desenvolve insuficiência respiratória, ficando com oxigenação baixa nos tecidos e precisa ser entubado.
“A gente inclusive já teve relato da primeira morte no Brasil, registrada em declaração de óbito com Evali como causa. O CID (Classificação Internacional de Doenças) ainda está sendo atualizado”, complementa Daiane.
A versão eletrônica do cigarro também está associada a diversas outras doenças para as quais o tabagismo é fator de risco importante, ressalta o médico, ao listar infarto, arritmia cardíaca, inflamação periodontal, gengivite, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), AVC (acidente vascular cerebral) e outras doenças neurológicas.
* Nome fictício a pedido do entrevistado
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