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Varíola dos macacos: a doença com casos suspeitos no Brasil

População brasileira acompanha o aumento de casos com temor de uma nova pandemia

Por Daniel Genonadio

01/06/2022 - 6:00 h | Atualizada em 01/06/2022 - 8:01
Mais de 300 casos de varíola dos macacos foram confirmados recentemente ao redor do mundo
Mais de 300 casos de varíola dos macacos foram confirmados recentemente ao redor do mundo -

Após dois anos sofrendo com uma severa pandemia de Covid-19 que vitimou milhões de pessoas, o mundo acompanha de maneira apreensiva o aumento do número de casos da varíola dos macacos, doença causada pelo vírus monkeypox e que já foi registrada em 24 países.

Segundo dados da Global.health Monkeypox, que monitora os números divulgados por cada nação, mais de 500 casos de varíola dos macacos foram confirmados ao redor do mundo, a maioria na Europa. Os registros ocorreram fora da África Central e Ocidental, onde a doença é considerada endêmica, ou seja, com um volume esperado de casos e óbitos, o que denota certo controle sobre o agente infeccioso.

No Brasil, ainda não há registros oficiais, mas o Ministério da Saúde investiga três casos suspeitos no Ceará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Apesar dos casos ultrapassarem barreiras e chegarem a países de maneira inédita, nenhuma morte foi relatada até o momento e a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma não acreditar que o surto fora da África se transforme em uma pandemia.

Em meio a notícias conflitantes sobre a possibilidade um novo surto, o Portal A TARDE conversou com especialistas para esclarecer as diferenças entre a varíola dos macacos e a varíola comum, sua forma de transmissão e como evitar o contágio.

A doença

A varíola dos macacos, pertencente à mesma família de Orthopoxvirus que a varíola comum, apresenta uma letalidade menor quando comparada com a variante que é responsável, de acordo com estimativas, por ter causado de 300 a 500 milhões de mortes no século XX antes de ser completamente erradicada em 1980.

De acordo com especialistas ouvidos pela BBC, a versão da varíola dos macacos que está causando o surto na Europa conta com mortalidade entre 3% e 6% dos casos.

Apesar de parecer um número elevado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) acredita que as chances de uma pandemia originada pelo vírus é baixíssima por conta de seu pequeno potencial de transmissibilidade, quando comparado com outros vírus como o da Covid-19 por exemplo.

“Não é uma doença que deve preocupar o público geral. Não é a Covid nem outra doença que se expande rápido”, afirmou a diretora de Preparação Global para Riscos da OMS, Sylvie Briand na última sexta-feira, 27.

Como a maior parte das infecções virais, o primeiro sintoma da varíola dos macacos é a febre. Em seguida é comum apresentar desconforto corporal, fadiga, dores musculares e dor de garganta, além de inflamações caraterísticas nos linfonodos do pescoço .

"A varíolas dos macacos é diferente da varíola comum. Eu posso dizer que clinicamente a grande diferença perceptível é a questão dos linfonodos. Quem está [infectado], em geral, apresenta íngua e inchaço nos linfonodos na região do pescoço. Na varíola comum, isso não acontece. Além disso, a letalidade dela é bem menor do que a comum", explicou a infectologista, Dra. Clarissa Cerqueira.

Dias após os primeiros sintomas, a doença causa as inconfundíveis pústulas cutâneas (bolinhas na pele), que podem aparecer em pescoço, membros inferiores e superiores.

Transmissão

O surto do vírus na Europa acontece enquanto a população ainda se recupera do trauma e das ondas severas da pandemia de Covid-19, que gerou muito temor pelo seu alto potencial de contaminação. Também por isso, o surgimento da doença em locais onde não era detectada anteriormente ligou o alerta na população mundial.

No entanto, apesar de também ser uma doença transmitida por gotículas, a varíola dos macacos apresenta transmissibilidade menor e necessita de um contato prolongado com uma pessoa contaminada para ocorrer a infecção.

"O vírus não é muito contagioso. Ele precisa de um contato mais próximo e prolongado para ocorrer a transmissão. Pessoas que moram na mesma casa, que tem o contato mais próximo com outra doente, profissionais de saúde que atenderam algum caso e que tiveram contato mais próximo com o paciente. Não é simplesmente uma pessoa passar perto de outra, cruzou o caminho, que vai pegar", explicou Clarissa.

"Estão avaliando a questão da transmissão sexual, em que as pessoas tem um contato próximo com as secreções, com gotículas, com saliva da pessoa", acrescentou a infectologista.

Apesar disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou o uso de máscaras e distanciamento para adiar a chegada desse possível surto para o Brasil. O infectologista Claudilson Bastos, do instituto Couto Maia e da Universidade estadual da Bahia (Uneb) comentou a recomendação.

"É necessário que as pessoas continuem usando máscaras até a gente ter certeza de como é que essa situação irá se propagar. O contato com as lesões também é uma forma de transmissão, então esse contato físico também existe, não só aéreo. O contágio é menor do que com a Covid-19, exige ter uma proximidade maior entre as pessoas. O risco é menor", falou o especialista.

Há décadas, a varíola dos macacos é uma doença endêmica em regiões da África Ocidental e Central
Há décadas, a varíola dos macacos é uma doença endêmica em regiões da África Ocidental e Central | Foto: BRIAN W.J. MAHY | CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION | AFP

Presença na África

A varíola dos macacos é uma doença endêmica em regiões da África Ocidental e Central, principalmente por conta da pobreza e falta de saneamento básico em áreas rurais. No entanto, a doença só voltou à tona e virou tema no noticiário mundial, com declarações constantes da OMS, após o surto em países da Europa e casos nos Estados Unidos.

Com isso, também é possível reacender o debate acerca de um certo "desprezo" dos países desenvolvidos com os acontecimentos do continente africano, que por exemplo, é até o momento, o mais atrasado em relação a vacinação de Covid-19.

"Para a OMS e outras agências internacionais a África passou a ser prioridade quando doenças novas ou raras passaram a surgir por lá, como no caso da AIDS, do Ebola e agora da varíola símia. [Na África], os governos, a maioria ditatoriais, não estão nem aí pra população, que se vira como pode comendo pequenos animais silvestres, caçados livremente nas regiões de mata. E é aí que mora o perigo", falou o historiador Lula Dias, que morou por dois anos na Angola.

Lula, que trabalha como professor em escolas e cursos de Salvador, contou mais sobre as condições de higiene e saneamento básico que encontrou no continente africano e que certamente contribuem para a proliferação de doenças diversas.

"Morávamos numa região privilegiada do país e mesmo assim, não tínhamos água tratada em casa nem coleta de esgoto, coisas básicas para nós aqui no Brasil. Vi vários colegas brasileiros sofrerem com infecções urinárias, intestinais e gastroenterite. Em 2009, 18 professores brasileiros, residentes em seis províncias angolanas diferentes, contraíram cólera. Então, é complicado manter a higiene em um lugar onde a água, que deveria limpar, já vem suja. Coisas simples como lavar as mãos antes das refeições ou escovar os dentes após, fazíamos com água mineral", contou o professor.

E a vacina?

Apesar de estar longe de ser uma novidade, já que é documentada há décadas por conta do seu caráter endêmico em regiões da África, a varíola dos macacos ainda não possui uma vacina para controle da doença.

Porém, de acordo com as principais organizações médicas do mundo, a vacina utilizada para erradicar a varíola comum com sucesso em todo o mundo, possui alta eficácia, 85% de acordo com a OMS, no combate contra os casos originados pelo surto recente.

Porém, por conta da erradicação da doença após a Campanha da Erradicação da Varíola, responsável por vacinar 100% da população nacional e garantir ao Brasil a certificação internacional da erradicação da doença em 1973, o Brasil não aplica o imunizante desde 1979, o que faz com que não exista disponibilidade do mesmo nem na rede privada, nem no Sistema Único de Saúde (SUS).

"A vacina tem uma efetividade que não chega a 100%, mas de qualquer forma é uma proteção que alguns países já estão buscando", disse Claudilson Bastos.

Questionado sobre a possibilidade do Brasil retomar a vacinação contra a varíola, o infectologista demonstrou confiança nas decisões do Ministério da Saúde.

"Acredito que isso venha a ser motivo de discussão no Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde. Se algo vier a acontecer no país, como um aparecimento de casos, será contemplada em um momento oportuno a questão da vacinação. O PNI é exemplo para o mundo", opinou.

Apesar de não ter produção atual, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assegura que possui capacidade instalada para fabricar a vacina de forma emergencial, sendo necessário apenas a garantia de obtenção da tecnologia biológica no exterior, já que a vacina parou de ser produzida no país.

A OMS acredita que as chances de uma transmissão descontrolada são baixas
A OMS acredita que as chances de uma transmissão descontrolada são baixas | Foto: Reprodução | Freepik

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Tags:

brasil infectologistas mundo oms Varíola dos macacos

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