SAÚDE
Zika completa dez anos e expõe cicatrizes da epidemia na Bahia
Apenas no estado foram confirmados 557 casos de microcefalia atrelados ao Zika, entre 2015 e 2025
Por Madson Souza

Você lembra do Zika Vírus? Dez anos após o primeiro caso confirmado da enfermidade no país, famílias seguem lidando com as consequências da epidemia em suas vidas. Apenas na Bahia foram confirmados 557 casos de microcefalia atrelados ao Zika, entre 2015 e 2025.
Para essas famílias, a dificuldade para encontrar tratamentos para essas crianças e a necessidade de cuidados constantes são consequências que persistem mesmo com o passar do tempo. Esse público pode receber indenização de R$60 mil até dezembro, por meio do INSS, após portaria do governo Lula, publicada na última terça-feira.
A realidade dessas famílias é muitas vezes com crianças que não andam, não falam, que vivem na cadeira de rodas, dependentes de cuidador, que não desfraldaram, com baixa visão, audição, que tem dificuldade de se alimentar e às vezes até de respirar, conta a presidente da Associação de Microcefalia com Acolhimento e Empatia (AMAE), Eulina Farias, 44, e mãe de Deividy Farias, 9, que sofre com microcefalia. Mesmo com essa série de questões, Eulina afirma que a questão que mais aflige essas famílias é externa.
“Temos grande dificuldade de encontrar lugares para fazer a terapia das crianças. Muitas estão sem fazer fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudióloga, porque não encontram lugar. Muitos lugares deram alta e as mães ficaram sem saber pra onde ir. Temos também instituições com filas imensas”, afirma. Ela ressalta que essas crianças precisam muito desses atendimentos, além de outras questões como a necessidade de cirurgia de quadril, cirurgia ortopédica, de pé e de mão.
Entre tantos desafios há também a preocupação de criar condições para uma melhor qualidade de vida para essas crianças. A maquiadora Jéssica de Sá Valdinucci, 29, mãe de Aila Valdinucci, 9, portadora de microcefalia, conta que quando sua filha nasceu em 2015, todos os dias iam para atendimentos, consultas, investigações por ser uma condição ainda pouco compreendida pelos médicos. Hoje, a preocupação da mamãe é lutar por uma vida mais sadia para sua filha, para além das questões de saúde.
“Hoje conhecendo mais todas as dificuldades, entendo que para além da deficiência dela, ela também é uma criança e que precisa estar no meio social, ter momentos de lazer, ter os prazeres da vida, brincar, conhecer outras crianças, sair. Demos uma diminuída nos tratamentos que eram antes de segunda a sexta, para dias pontuais, para que ela conseguisse ser criança como ela merece ser e também se estruturar para que tenha uma boa qualidade de vida”, explica Jéssica.
Quando tudo começou
Se o cenário hoje é de adaptação e reivindicação por pautas, em 2015 a síndrome congênita do Zika - condição que afeta bebês de mães que tiveram a enfermidade durante a gestação -, que se manifesta principalmente por meio da microcefalia, era motivo de grande temor. “Foi um susto que tivemos. Descobri com seis meses de gestação. Já vinha fazendo exames, o médico vinha dando sinais de que tinha alguma coisa e quando estourou na imprensa reconhecemos que a situação era semelhante e aí veio a confirmação. Foi assustador estar vivendo aquilo na gestação”, conta Joana Passos, 44, mãe de Gabriela, que vai fazer 10 anos em 2025 e tem microcefalia.
Responsável pela identificação do primeiro caso de vírus Zika no país, o virologista e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Gúbio Soares, relembra a descoberta feita em conjunto com a pesquisadora Silvia Sardi. O primeiro alerta veio de Camaçari, onde várias pessoas apresentaram manchas no corpo e dores. “Recebemos 25 amostras de sangue e, com análise manual, conseguimos identificar o vírus Zika”, contou. Até então não havia qualquer suspeita de que o vírus pudesse causar microcefalia.
O maior número de confirmações de casos de microcefalia atrelados ao Zika na Bahia ocorreu entre 2015 (162) e 2016 (332), mas não por isso a doença está erradicada. Mesmo sem casos confirmados no estado desde o ano passado, a pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz), Glória Teixeira, indica cuidados que as gestantes devem tomar para evitar o vírus.
“A única coisa, além do que já se faz para evitar a dengue, é que as mulheres gestantes usem roupas de manga comprida e passem repelentes várias vezes ao dia durante a gestação para evitar serem picadas pelo mosquito (Aedes aegypti). Esses cuidados também para mulheres em idade fértil que tenham planos de engravidar”, recomenda.
Indenização
Famílias com crianças de até 10 anos que nasceram com deficiência por conta do vírus da Zika durante a gestação poderão receber indenização de R$60 mil até dezembro. A decisão é fruto de portaria do governo Lula, publicada na última terça-feira, que determina que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) realize o pagamento até dezembro.
Para ter acesso ao direito é preciso fazer o pedido até 31 de outubro ao INSS, que deve ser realizado principalmente por meio do aplicativo Meu INSS. A relação entre a condição e a contaminação da mãe vai ser avaliada pela Previdência Social. O pagamento será feito em parcela única.
Antes da portaria ser apresentada havia um outro projeto de suporte às famílias com crianças vítimas de microcefalia, que foi aprovado pelo Congresso. O texto do PL 6064/2023 prevê pagamento de pensão mensal vitalícia, além de indenização de R$50 mil por família. A medida foi vetada pelo presidente Lula, que deu preferência à portaria já citada.
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