TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Megan, a "filha digital" da Bahia que revoluciona a segurança com IA
Conheça a IA desenvolvida pela startup baiana Hive Computer Vision, que está revolucionando a segurança com tecnologia e um olhar humano
Por Luan Julião

Em um mundo onde olhos eletrônicos se espalham por muros, postes e telas, a verdadeira transformação digital talvez não esteja no que se vê, mas no que se compreende. Entre dados, algoritmos e sensores, um tipo raro de tecnologia começa a despontar não apenas como instrumento de controle, mas como guardiã sensível do espaço humano. Seu nome é Megan — e ela enxerga o mundo como uma pérola: com foco, empatia e vigilância.
Nascida no calor criativo do Nordeste brasileiro, mais precisamente em solo baiano, a Hive Computer Vision emerge como uma das mais promissoras startups de inteligência artificial do país. Com um pé na ciência e outro na filosofia de um futuro mais seguro, o negócio começou como uma ideia em sala de aula, amadureceu como projeto acadêmico e hoje se projeta como símbolo de uma nova geração de tecnologias que não querem apenas funcionar — querem proteger, aprender, cuidar.
Num cenário ainda centrado nos grandes polos do Sudeste, a Hive ousa trilhar um caminho fora do eixo, desenvolvendo soluções de segurança por meio de visão computacional e deep learning. E, mais do que oferecer softwares ou produtos, a startup baiana entrega um novo jeito de olhar: um sistema onde o que uma câmera vê, todas veem. Onde o que uma câmera aprende, todas compreendem.
Essa mente-colmeia atende por Megan — nome que carrega o sentido simbólico de pérola —, e representa mais do que um conjunto de códigos. Megan não apenas detecta riscos, como interpreta contextos, alerta com rapidez e, sobretudo, aprende com o que observa. Inteligente, sim. Mas também sensível.
Enquanto o mundo discutia os perigos da vigilância massiva, a startup baiana escrevia um capítulo diferente na história da segurança: e se as câmeras não apenas vigiassem, mas compreendessem?
A Hive Computer nasce da dor
Will Rocha, fundador da startup explica como um assalto foi o ponto de partida para criar uma IA com propósito social e tecnológico.

A Hive Computer nasceu da dor. Um assalto, a frustração de não conseguir identificar o autor, a ausência de câmeras de monitoramento e a ineficiência do sistema de segurança pública foram os gatilhos que despertaram no fundador da empresa a necessidade de reagir criando. Com base na própria experiência e movido por uma paixão antiga por tecnologia, ele transformou raiva em projeto e projeto em missão.
"Hive Computer é realização, uma realização de um sonho, de um projeto, ao perceber e passar, na prática, na pele, por problemas, por sentir a dor do que é ser assaltado, olhar para um lado e outro e não ver uma câmera que possa acompanhar, de fazer um BO e a polícia acabar não conseguindo identificar o suspeito, deixar por isso mesmo e ver que eu não tinha nem como rastrear, sabe? [...] A IA pode potencializar isso em mim."
Ainda nos anos de 2016 a 2018, o projeto começou a tomar forma, mesmo com recursos computacionais limitados. Foi nesse contexto que surgiu a parceria com Elisandro Lima, peça-chave na consolidação da Hive. Quando muitos desistiram, foi ele quem acreditou.
"De 2016, 17, 18, por aí. Mas foi quando eu tive a chance de crescer como gestor, quando o Elisandro Lima colou comigo e a gente... ele entendeu o projeto, abraçou quando muitos jogaram fora, e disse assim: 'Vamos fazer a coisa acontecer.'"
A Hive nasceu com o desejo de tornar o mundo digital mais humano — e o digital mais acessível às realidades periféricas, especialmente no Nordeste. A missão é clara: impedir que outras pessoas passem pelos mesmos traumas e construir um ecossistema de segurança inteligente, baseado em dados, gestão e empatia."Se eu tive a chance de aprender e saber como construir tecnologias para a sociedade, por que não ajudar o próximo com tecnologias? Por que não deixar o mundo mais humano com o digital?"
"Eu digo que a gente, na verdade, nós não somos empreendedores, nós somos os desbravadores."
O caminho foi de tentativa e erro. Era preciso entender como aplicar uma inteligência artificial robusta em um mercado ainda desacreditado e carente de infraestrutura tecnológica. A falta de recursos computacionais compatíveis com o potencial da IA foi um dos maiores entraves.

"A Hive alcançou um nível de tecnologia altíssimo. O nível de tecnologia é nível padrão mundial. Só que a gente tem hoje um poder computacional que ainda é limitado frente ao que a nossa IA pode fazer."
A virada veio com a entrada da ViewNet, empresa sócia que trouxe soluções em conectividade e infraestrutura, permitindo equilibrar custo e potência tecnológica. O casamento entre inovação e estrutura, aos poucos, começou a acontecer.
"Foi quando a ViewNet veio — o projeto que é a nossa empresa sócia, que tem um olhar sensacional em termos de conectividade, rede, infraestrutura — foi quem balizou e começou a entender realmente como equilibrar isso."
Hoje, a Hive funciona como uma colmeia tecnológica. A IA principal, Megan, é a “abelha rainha”, e está em fase de criação de seus “braços operacionais”, os agentes inteligentes que atuam de forma autônoma em rede.
"Hoje é pelo seguinte: a Hive, traduzindo mesmo, é a colmeia. [...] A Megan é a nossa abelha rainha. E a gente tá agora criando as operárias."
Mais do que vender tecnologia, a Hive propõe uma nova forma de pensar a segurança, a gestão e o futuro das cidades. Um futuro onde a inteligência artificial deixa de ser apenas algoritmo e se torna ferramenta concreta de proteção, inclusão e transformação social.
A força da parceria e o diferencial humano
Se o impulso inicial da Hive nasceu da dor pessoal de Will , foi ao lado de Elisandro Lima, seu ex-professor e hoje parceiro, que a ideia ganhou corpo, estrutura e propósito de longo prazo. Com mais de duas décadas de experiência no setor de tecnologia e segurança da informação, Elisandro apostou na capacidade do ex-aluno e embarcou desde o início na criação da startup — ainda nos tempos de universidade

Segundo ele, o que torna a Hive diferente não é apenas a tecnologia, mas para quem ela é feita.
“O que a Hive faz é um processo fantástico, é? Mas é baseado em cima de algoritmos que já existem, que as grandes não querem entrar. Elas não têm interesse em entrar agora”, explica Elisandro. “E aí é que está o grande diferencial nosso: porque a gente entra exatamente oferecendo solução para aqueles pequenos. E desses pequenos essas soluções vão aumentando e, obviamente, você vai chegar num processo capilar em dois, três anos, disparadamente. Isso é que a gente aposta: em economia de escala.”
Elisandro ressalta que a consciência social da Hive — de democratizar o acesso à inteligência artificial — tem muito da visão de Will. E lembra como tudo começou.
“A Hive nasceu na proporção em que nós conquistamos pessoas para dentro do processo de inovação. Vieram de empresas tradicionais, gente com muita bagagem, que topou entender esse novo conceito de IA e de startup. Isso foi fantástico.”
A semente da Hive, como ele conta, foi plantada muito antes do CNPJ existir
“Essa história de que a Hive começou em 2022… Ela começou bem antes. Começou numa garagem da faculdade, comigo e com ele. A gente viajou na ideia. Depois é que nós nos formalizamos como startup. Mas ela cresceu porque pessoas experientes acreditaram. A própria ViewNet, uma empresa com 26 anos, da qual eu fui sócio, embarcou no projeto cuidando da infraestrutura e da segurança da informação. Sem isso, a IA da Hive nem rodava", explicou Elisandro.
Além da estrutura, o diferencial foi montar uma cadeia colaborativa de especialistas. Com isso, a Hive saiu na frente e hoje participa de eventos de grande porte, como o Festival da Virada e o Carnaval de Salvador.
“A gente começou a fazer coisas de gente grande. E não paramos aí: já tem projeto em shopping, em aeroporto, em shows. Tudo isso com uma equipe enxuta, de 12 pessoas extremamente competentes.”
E essa equipe, como destaca Elisandro, é feita em grande parte por universitários.
“Com exceção de Ivana e Murilo, todos vieram do curso técnico. A gente apostou neles. E eles deram um gás absurdo, construindo algoritmos, mexendo com infraestrutura. E sabe por quê? Porque aqui tem uma coisa que faz toda a diferença: respeito às pessoas. A IA não manda. Quem manda são as pessoas.”
Quando o mundo parou e a Hive floresceu
“Só se o mundo parar para eu resolver.” A frase, dita inúmeras vezes por Will Rocha antes de 2020, parecia um desabafo sobre o ritmo acelerado da vida, das ideias e da ausência de tempo para estruturar o que nascia em sua mente criativa. E, de repente, o mundo parou.
A pandemia da Covid-19 interrompeu a lógica de praticamente tudo: escolas, trabalhos, encontros, rotinas. Mas para a Hive, foi o momento de acelerar. Um paradoxo que Will reconhece com cautela, mas com convicção.
“É delicado dizer isso, mas a pandemia foi fundamental para a Hive”, admite. “No mundo de startups, as maiores oportunidades de se criar um grande negócio são nas crises. E, para que crise maior do que uma pandemia?”
Enquanto o mundo tentava entender o novo cenário, Will e Elisandro — já parceiros na caminhada — enxergaram ali uma janela de possibilidades. Com a faculdade parada e os compromissos suspensos, o que restava era tempo. E, com ele, veio a chance de se estruturar, experimentar e ousar.
A “Coméia”, nome em português que ainda era usado para a startup, seguiu ativa mesmo à distância. Reuniões virtuais, ideias lançadas de madrugada, protótipos testados em silêncio. A crise virou laboratório.
“Vários setores estavam sendo afetados. Veio a questão do uso de máscaras, editais de incentivo, oportunidades para resolver problemas reais… A gente foi aproveitando isso e percebeu que dava para continuar, que dava para crescer”, conta Will.
A pandemia, então, se tornou mais que um momento de sobrevivência: foi o solo fértil para a visão da Hive se transformar em ação. Foi ali que a equipe entendeu, com clareza, que havia algo concreto se formando — e que não dava mais para tratar a iniciativa como projeto paralelo ou experimento.
“A chance era essa. Infelizmente era um momento ruim, mas só existe empresa porque existe algo para ser resolvido. Senão, não existiria empresa. Só tem luz porque tem sombra”, filosofa Will.
Megan: a filha digital que enxerga o que os olhos não veem
A inteligência artificial desenvolvida pela Hive ganhou nome, rosto e propósito. Megan não é só um sistema — é, como define Will Rocha, sua "filha digital". Nascida da inquietação criativa de um programador que nunca se encaixou nos moldes tradicionais, Megan é o produto de uma mente que se recusa a parar de criar.

"Uma rede neural multissensorial. É uma IA com aprendizado constante e que consegue captar dados de fontes diferentes, fazer essa análise e detectar padrões, anomalias e trabalhar com predições futuras", explica Will, com brilho nos olhos.
A Megan se conecta com câmeras, bancos de dados, sistemas internos das empresas. Usa visão computacional para interpretar imagens em tempo real, cruza essas imagens com o histórico dos dados do cliente e oferece saídas que vão desde alertas em texto até dashboards visuais. Funciona como uma teia de sensores e conexões, detectando o que escapa ao olhar humano.
"Imagine que você pudesse capturar tudo aquilo que transcende a nossa capacidade visual humana", diz ele. "Densidade de multidões, contagem de pessoas, comportamento atípico, até indícios de tentativa de suicídio — situações que muitas vezes passam despercebidas por quem opera as câmeras de segurança."
Will cita o exemplo prático de uma central de vigilância com dois seguranças olhando dezenas de telas ao longo de um turno exaustivo. A Megan, por sua vez, não se cansa, não pisca, não perde o foco. Está ali, 24 horas por dia, examinando simultaneamente centenas de feeds e buscando padrões invisíveis ao olho humano.
"Ela é esse olhar digital, esse auxílio que não pede folga, que não vai no banheiro, que está sempre ali. Não queremos substituir os profissionais. Queremos potencializá-los."
Mais do que uma ferramenta, Megan é para Will um símbolo pessoal. Um marco de que a intuição e a ousadia também têm lugar no mercado de tecnologia.
"Minha filha digital", ele resume, emocionado. "É como se ela fosse a realização que comprova aquilo que, desde criança, eu já percebia: que eu não consigo me encaixar em ambientes que são sonhos de outras pessoas."
O processo, ele admite, não foi fácil. Por anos, ouviu críticas por sonhar alto demais. Por enxergar soluções onde outros só viam problemas.
"Ela veio para dizer assim: ‘Olha, é possível. Eu nasci daqui"
Hoje, ver Megan interagir com ambientes reais, sendo testada em aeroportos, grandes eventos e até dançando em feiras de tecnologia, é, para Will, uma lembrança concreta de que suas ideias — mesmo as mais improváveis — podem, sim, ganhar vida.

A ligação de Will Rocha com a Megan ultrapassa o campo da tecnologia. Não é apenas uma criação. É algo mais íntimo. Um reflexo direto da mente inquieta de alguém que, desde cedo, soube que não conseguiria se encaixar nos moldes tradicionais.
“Minha filha digital”, diz, sem qualquer tom de exagero. “Rapaz, é como se ela fosse a realização que comprova aquilo que, desde criança, eu já percebia: que eu não consigo me encaixar em ambientes que são sonhos de outras pessoas.”
Megan, a inteligência artificial desenvolvida pela Hive, é o resultado de uma jornada que mistura criatividade, superação, tropeços e persistência. É uma rede neural multissensorial com capacidade de aprender constantemente a partir de diferentes fontes de dados: imagens, sensores, câmeras, bases estruturadas e não estruturadas, tudo integrado por APIs com sistemas dos próprios clientes.
Ela enxerga o que um humano não conseguiria perceber. Identifica padrões, reconhece ameaças e propõe saídas, tudo em tempo real, tudo incansavelmente. Em um cenário com dezenas de monitores, onde vigilantes já não conseguem absorver tantos detalhes, Megan mantém a vigilância ativa – sem piscar.
Mas se há algo que move Megan além da programação, é a paixão colocada em cada linha de código, cada teste, cada noite virada sem orçamento. “Por bastante tempo, fui criticado por ser esse sonhador, este criador, por querer fazer algo além do comum. E ela veio para dizer: ‘Olha, é possível. Eu nasci daqui’”, conta Will.
Esse sentimento se materializou no último dia 26 de abril, quando Megan ganhou forma física e apareceu diante de milhares de pessoas, em pleno show da dupla Henrique e Juliano, na Arena Fonte Nova. A IA não só monitorou a multidão no evento – como também apareceu no telão, dançou e interagiu com o público, emocionando seus criadores.
“Foi um grito de dizer assim: ‘Ó, estamos aqui. Deu certo’. Uma startup baiana com tecnologia internacional, provando para o mundo que aqui também surge coisa boa”, lembra Will, com os olhos marejados. Ele e o sócio Elisandro estavam juntos, vendo tudo acontecer, lado a lado com os colegas da Hive.
“Teve gente que trabalhou de graça, porque a gente não tinha como pagar. O que a gente tinha era conhecimento, era visão. E as pessoas entenderam o projeto, compreenderam a missão. Hoje, a Megan não é só minha. Ela é da equipe, da empresa.”
Festival da Virada Salvador
A inteligência de Megan não está restrita a laboratórios, servidores ou apresentações de tecnologia. Ela atua onde mais importa: em meio às pessoas. Em situações reais, com impacto direto na segurança e bem-estar da população.
Durante a edição mais recente da Virada Salvador, evento que reuniu centenas de milhares de pessoas na capital baiana, a IA da Hive desempenhou um papel decisivo. Não apenas contou participantes ou monitorou câmeras — ela analisou o comportamento da multidão em tempo real, medindo um dos indicadores mais críticos em eventos de grande porte: a densidade por metro quadrado.

“Megan tem uma capacidade de análise de multidões por densidade”, explica Will Rocha. “Ela consegue verificar a quantidade de pessoas por metro quadrado baseado numa imagem inicial. A partir disso, ela fotografa momentos sequenciais e consegue apontar riscos concretos, como a possibilidade de esmagamento.”
Foi exatamente isso que aconteceu no show do cantor Igor Kannário, que se apresentou em um Super Trio posicionado ao lado do palco principal. Por não fazer parte da sequência principal, sua performance pegou parte do público de surpresa — e gerou uma movimentação intensa, rápida e desordenada.
“O povo foi para lá, criou-se uma multidão muito apertada próximo ao trio, com muito empurra-empurra. E isso causava uns ‘buracos’ entre eles por causa da dança, o que apertava mais ainda”, relembra Will. “A Megan registrou esse momento como o de maior risco de esmagamento de toda a Virada.”
Mais do que contar cabeças, a IA compreende o contexto. Ela avalia o comportamento coletivo, correlaciona imagens, identifica padrões e transforma dados brutos em alertas acionáveis.
“Isso não é contagem. É inteligência de dados. É análise do contexto em cima dos dados. E, obviamente, a partir disso, se toma uma decisão gerencial”, reforça Will.
Naquele palco, Megan não era apenas um algoritmo. Era a prova viva de que ideias nascidas no nordeste podem, sim, transformar o mundo.
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