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Projetos inovadores sofrem com corte de verbas e investimento

Apesar de decréscimos no orçamento, instituições seguem apostando em iniciativas inovadoras

Publicado quarta-feira, 31 de agosto de 2022 às 06:00 h | Atualizado em 31/08/2022, 08:32 | Autor: Lais Rocha
No final de maio deste ano, cerca de R$ 3,6 bi foram bloqueados no orçamento do MEC
No final de maio deste ano, cerca de R$ 3,6 bi foram bloqueados no orçamento do MEC -

Vital para o progresso da sociedade desde que o homem cunhou a primeira ferramenta de osso e pedra no tempo das cavernas, o desenvolvimento tecnológico, em conciliação com o espírito inovador, implica em inúmeras melhorias no nosso cotidiano (veja o vídeo ao fim da matéria).

Impactando em áreas como saúde, acessibilidade, desenvolvimento industrial e energético, os avanços alcançados através do investimento e da pesquisa na área contribuem para o progresso coletivo da humanidade e na melhoria do processo educacional de milhões de jovens e adultos no país.

Em 2022, no final do mês de maio, o governo federal anunciou mais um bloqueio no orçamento do Ministério da Educação (MEC), equivalente a R$3,6 bilhões. Dos valores bloqueados, 50% atingem o ensino superior, seguido da educação básica 28%, acompanhado pela educação profissional e administração/encargos, com 11% cada.

A onda de sucessivos cortes do governo Bolsonaro (PL) na gestão da Ciência e Tecnologia, com mais uma medida provisória editada nesta segunda-feira, 29, que permite o corte de verbas na área, além da cultura, e o redirecionamento destas para pagar outras despesas, inclusive emendas parlamentares, podem limitar ainda mais o investimento e a manutenção de programas que invistam na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico no país.

Em entrevista ao Portal A TARDE, o professor Ives Lima, diretor do IFBA - Campus Salvador, disse que conviver com esses cortes têm sido uma grande ginástica para os gestores, e que, diferente dos anos anteriores, em 2022 o edital referente aos projetos de pesquisa, inovação e extensão certamente será afetado.

“O corte orçamentário impacta a nossa manutenção. Com isso, eu quero dizer o custeio de energia, de água e claro que isso afeta diretamente o nosso investimento em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e programas que levam à inovação”, disse.

Estudante no Laboratório de Mecânica, IFBA campus - Salvador
Estudante no Laboratório de Mecânica, IFBA campus - Salvador |  Foto: Henrique Soares | IFBA

O IFBA é uma instituição multicampi, com capilaridade em todo o estado, e, somente no campus do Barbalho, situado em Salvador, possui 45 grupos de pesquisa. 

O diretor de pesquisa, pós-graduação e inovação da instituição, professor Eduardo Marinho, ressalta a cultura mais que centenária da entidade e sua característica de verticalização, aplicada no modelo educacional dos institutos federais. Este formato insere os estudantes no ambiente de pesquisa desde o ensino médio e faz com que os alunos egressos possuam uma formação profissional e científica com qualidade reconhecida pela sociedade e pelo mercado de trabalho.

“Eu fui incentivado e hoje incentivamos que os alunos saibam que a ciência tem uma aplicabilidade real, que não é somente algo para a indústria ou algo para o emprego. Nós conseguimos gerar produtos de fácil acesso para populações que precisam, desenvolvendo ferramentas básicas para ajudar no dia a dia”, disse.

Mercado e inovação 

Outro agente importante no cenário de inovação do estado da Bahia, é o Senai-Cimatec. Uma iniciativa da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) juntamente com o poder público, busca trazer para todo o Nordeste a mais alta tecnologia disponível no mundo. 

Com a crescente demanda por alimentos que se adequem às restrições nutricionais, ou que possam suplementar a dieta em um dia a dia corrido, ajudando no aumento da imunidade e no fortalecimento do organismo, um setor peculiar de inovação ganha força: Alimentos funcionais.

Pesquisas no setor alimentício tem ganhado força
Pesquisas no setor alimentício tem ganhado força |  Foto: Nalini Vasconcelos / SENAI CIMATEC
 

A professora e pesquisadora do Senai-Cimatec, Tatiana Nery, falou sobre o poder que a alimentação potencializada tem na manutenção da saúde do indivíduo e como o mercado está de olho nisso. 

“A ideia desse curso, é formar profissionais das mais diversas áreas de conhecimento, além de capacitar empresários do mercado para fomentar a produção e a inovação deste setor, que tem crescido a cada ano que passa”, explicou Tatiana Nery.

Um outro aspecto do setor da saúde, que atravessa inúmeras transformações tecnológicas é a área de gestão. Para isso, o Senai - Cimatec desenvolveu o MBA Executivo em Gestão e Tecnologias da Saúde, com o objetivo de capacitar profissionais preparados para lidar com as novas tecnologias aplicadas ao gerenciamento de dados e recursos.

“Como a gente sabe, hoje o segmento de tecnologias da saúde trouxe à tona várias ferramentas, cuja inserção no fluxo de processos se fez necessária. Então, esse curso foi desenhado para direcionar os profissionais do mercado da saúde, possibilitando o conhecimento em inteligência artificial, integração, ciência e análise de dados, seja em hospitais, em clínicas ou em qualquer outro segmento do setor de saúde”, disse a professora e pesquisadora do Senai-Cimatec, Josiane Dantas.

Tecnologia a serviço da inclusão

Com o foco na aplicação prática da robótica, o grupo de pesquisa em Sistema de Automação e Mecatrônica - GSAM do IFBA, se dedica à robótica competitiva, educacional e no auxílio às pessoas com deficiência, seja esta total ou parcial. Como um exemplo de projeto inovador em acessibilidade, o professor Marcos Portella nos contou sobre a sua primeira pesquisa no GSAM, quando adaptou um ponto de ônibus para deficientes visuais, garantindo que os usuários pudessem perceber o veículo como qualquer outro cidadão.

“Eu pude ter contato com os saberes que eu não via em sala de aula de uma forma mais prática e efetiva. Hoje eu trabalho levando um pouco da minha história pra que outros alunos e alunas também tenham esse contato”,  define Marcos Portella, anteriormente estudante e hoje docente do IFBA.

O professor ainda enumera outros projetos de inclusão como pisos táteis,  bengalas automáticas, e robôs auto-educacionais voltados para o ensino de programação à população autista.

Portella ressalta que “o IFBA agrega estudantes de todos os estratos sociais, e tem a missão de incentivar que todo mundo seja empoderado através da robótica. E que, quem sabe, no futuro possam surgir novos Marcos”.

Os seguidos cortes orçamentários implicam na abertura de editais, que, por sua vez, comprometem a permanência dos alunos já integrados à comunidade científica. Entretanto, mesmo com as adversidades, são inúmeros os projetos desenvolvidos e mantidos pelo IFBA. 

Um exemplo disso é o espaço colaborativo EDUMaker, fruto de um edital da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec - MEC), vencido pelo campus de Salvador. Conforme explicou o professor Davi Rego, numa primeira etapa, o IFBA foi contemplado com recursos que permitiram a compra de alguns equipamentos para construir o laboratório. Neste momento, ainda segundo Davi, a unidade situada no Barbalho, aguarda o valor de cerca de R$200 mil, referente à segunda etapa, para a aquisição de novas ferramentas como computadores, impressoras 3D, máquina de corte a laser, entre outros equipamentos que possibilitam, inclusive, que a instituição ofereça cursos para a comunidade externa.

Atividade no Laboratório de Mecânica, IFBA campus - Salvador
Atividade no Laboratório de Mecânica, IFBA campus - Salvador |  Foto: Henrique Soares | IFBA
 

Infraestrutura como estratégia para o desenvolvimento 

Uma pesquisa do Fundo Monetário Internacional, publicada em outubro de 2021, apresentou dados indicando que um aumento permanente de 10% no estoque da pesquisa básica nacional pode aumentar a produtividade de um país em cerca de 0,3% anuais, e estimou que caso esses investimentos tivessem sido realizados entre 1960 e 2018, a renda per capita seria hoje cerca de 12% maior.

A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado da Bahia (Secti-BA), firmou convênios para a transformação digital de 300 micro e pequenas empresas, dos setores de comércio e serviço, ao longo de todo interior da Bahia.

Além disso, outras ações estruturantes foram realizadas para construir a infraestrutura adequada ao desenvolvimento tecnológico em nosso estado. Sendo elas, um convênio de R$1,5 milhão junto ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), fomentando a incubação de até 40 startups, além do apoio a universidades como UESC, UEFS e UFRB, que, juntas, criaram cerca de 14 startups. 

Um equipamento fundamental para fomentar o crescimento de projetos inovadores, é o Parque Tecnológico da Bahia. Este ambiente abriga centros de pesquisa, instituições públicas e privadas, incubadoras e empresas de base tecnológica, que atualmente somam 35 laboratórios voltados para projetos de inovação. Um deles é o Espaço Inovar, que recebeu R$2,5 milhões e servirá como local de partida para o desenvolvimento, demonstração e avaliação de soluções inovadoras que tornem possível alcançar a visão de Cidades Inteligentes e tragam benefícios para o cidadão. 

Crise

Por conta do corte de verbas sequencial promovido pelo governo, o IFBA fechará 2022 com uma estimativa de R$ 6,3 milhões a menos no seu orçamento. A expectativa é de que por conta do déficit, as 22 unidades da instituição no estado acabem suspendendo suas atividades presenciais no mês de setembro, o que atingirá mais de 30 mil alunos de 175 cursos.

No total, as seis universidades e dois institutos federais estimam perdas de R$ 37,3 milhões e os números podem ser ainda maiores devido à portaria editada ontem por Bolsonaro.

E mesmo sem esses decréscimos, as unidades de ensino federal já encontram grandes dificuldades por conta da diminuição no recurso destinado para as universidades por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA).

Segundo levantamento da Pró-reitoria de Planejamento e Orçamento da UFBA, o recurso destinado para este ano, de R$ 147,2 milhões, é 11,9% menor que a verba de 2016, uma diferença de quase R$ 20 milhões. Considerando a inflação acumulada, que chega a 36,2%, a perda representa R$ 80 milhões. Já no IFBA, a expectativa é de que em 2023 a diminuição dos recursos seja de 14%.

Em julho, alunos e servidores de 4 unidades do IFBA, Salvador, Santo Antônio de Jesus, Eunápolis e Porto Seguro, fizeram uma manifestação para protestar contra o corte de verbas do governo. 

Apesar do momento difícil, as instituições seguem em funcionamento e avaliando medidas para que não seja preciso paralisar as aulas neste momento de retomada pós-pandemia.

“A UFBA não vai parar, vai continuar funcionando da forma que for possível, com restrições nos contratos. E continuará resistindo, lutando, mantendo as portas abertas, contra a restrição orçamentária e também contra o obscurantismo que leva a esse tipo de ação contrária ao interesse do ensino superior e a um projeto de nação com conhecimento e com liberdade”, afirma o professor João Carlos Sales.

Confira o vídeo da matéria abaixo:

 

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