MINAS GERAIS
ETs, bruxas e lendas: cidade mineira se consolida como destino místico no Brasil
Conheça São Tomé das Letras, interior onde tudo tem algum significado e conexão com o universo

Situada na Serra da Mantiqueira, na região sul de Minas Gerais, São Tomé das Letras se destaca como um dos seis destinos mais procurados do estado, com atributos que lhe conferem um turismo singular. Reconhecida como uma das cidades mais místicas do Brasil, ela oferece atrações variadas, combinando um estilo de vida alternativo com a tradição local. Essa atmosfera, repleta de enigmas e encantos, cativa seus visitantes, transformando-os em entusiastas do que vamos chamar de “experiência imersiva”.
Tudo começa nos primórdios, desde a sua geologia. A cidade, privilegiada pela sua localização a cerca de 1.400 metros de altitude, com energia e atmosfera únicas, foi construída sobre uma grande rocha de quartzito e a conexão com o misticismo remonta ao seu mito de fundação.
Uma das narrativas lendárias relata que João Antão, um homem escravizado foragido, buscou refúgio em uma gruta na montanha. Lá, ele teria recebido a visita de um indivíduo trajando vestes brancas, e, após esse evento, uma estátua de São Tomé foi descoberta no local. Essa caverna, conhecida como Gruta São Tomé, fica próxima à praça da Matriz e abriga pinturas rupestres, as "letras", que deram nome à cidade.
O Halloween é comemorado internacionalmente nesta sexta-feira, 31. Misticamente, ou não, o portal A TARDE foi convidado na última semana para conhecer o local onde tudo tem algum significado e conexão com o universo. Adicional à lenda de sua origem, o município também é associado a diversas outras histórias ligadas ao sobrenatural. Uma dessas crenças é que a cidade constitui um dos sete centros energéticos do planeta.

Há também o enigma envolvendo a Gruta do Carimbado, que, segundo o folclore, oferece um caminho até Machu Picchu. Relatos de visitantes ainda mencionam aparições de seres como ETs, OVNIs, fadas, duendes e gnomos, além de bruxas, marcas fortes que carimbam o estereótipo de STL.
Chico Taquara, uma figura folclórica do município, contribui para a aura mágica e misteriosa de São Tomé. Este eremita viveu em algumas das grutas da cidade e, conforme os relatos, realizou curas consideradas milagrosas. Ele é lembrado e homenageado em vários locais com esculturas e na praça que leva seu nome.
E como falar de Halloween, sem falar delas, correto? Acontece que o estereótipo da bruxa ser atrelada a uma figura ruim já caiu por terra, desde os tempos das histórias da Carochinha [valorizem essa tentativa de fazer um trocadilho]. De forma resumida, são diversos os tipos de bruxas existentes, não só em STL.
Para contextualizar rapidamente, bruxaria é algo que se faz, como rituais ou feitiços, e não é necessariamente um sistema de crenças em si. Portanto, quem deseja, não se faz necessário ter nenhuma religião específica para se autodenominar bruxa ou para praticar bruxaria. Existem, no entanto, muitas que usam a bruxaria como parte de sua prática religiosa. Então, cabe a cada uma determinar qual caminho melhor se encaixa em sua própria jornada espiritual.

E claro, ir a São Tomé das Letras e não conhecer uma delas em sua pura vida real, pode ter certeza que a experiência não foi completa. Por lá, encontramos Bethy Santana (@bethy_mistic), bruxa, terapeuta holística e espiritualista, que também trabalha com medicinas da floresta. Natural de São Paulo, mora em São Thomé há 12 anos com sua gata, Brisa. Além de feiticeira, ela faz trabalhos espirituais e leitura de cartas. "Me considero uma bruxa natural, porque eu estudo bastante sobre misticismo, espiritualidade e ajudo pessoas", define.
A influência do misticismo no cotidiano de São Tomé das Letras
A conexão profunda com o universo, que atrai milhares de visitantes a São Tomé das Letras, não se restringe aos pontos turísticos; ela molda a vida dos moradores que se dedicam aos saberes místicos. Em resposta sobre como sente a energia da cidade, Bethy detalha sua trajetória: "Eu conheci São Tomé em 1994. Todo mundo falava que era um lugar mágico, um lugar místico, que tinha aparição de extraterrestre, de naves”.
Após uma primeira visita marcante, ela se mudou em 2007, mas logo compreendeu a seletividade do local. "São Tomé, ele escolhe quem vai ficar aqui e não é fácil morar aqui". Apesar das provações iniciais, como um tornozelo quebrado ao subir a Pirâmide, ela afirma que, ao retornar definitivamente em 2013, "tudo se abriu”, e hoje considera a cidade seu lugar no mundo, pois "a energia de São Tomé é única porque aqui você sente assim um clima de magia, de liberdade".
Ao harmonizar a tradição local com o estilo de vida alternativo, a moradora descreve um ambiente de profunda liberdade. Ela explica que o misticismo é vivido no cotidiano, não apenas na alta temporada turística. "Realmente, aqui tem um estilo de vida mais alternativo. Tudo é mais liberal”, enfatizando que "aqui você pode ser quem você é, você pode andar como você quiser," o que atrai os visitantes que fogem do "sistema" das metrópoles. Essa atmosfera de 'mistério de liberdade' transforma a cidade em algo "fora do normal, do habitual", onde a natureza exuberante se une à cultura alternativa, incluindo o artesanato e as vestimentas indianas.

A forte presença de relatos sobre OVNIs e ETs é percebida como intrínseca ao clima da cidade. Embora a moradora declare que nunca teve um "contato direto", ela garante. "Eu sinto a energia, tá? Eu sinto que meu chamado aqui tem a ver com tudo isso". Ela relata uma profecia recebida em 1994, que afirmava que ela iria morar ali. Sobre a natureza desses fenômenos, ela sugere que a expansão de consciência provocada por práticas como o uso de medicinas da floresta pode levar a "certos contatos com essas [energias] extraterrestres," reforçando que o local atrai quem está aberto a essas manifestações.
Questionada sobre a comunidade de bruxas, ela confirma a existência de outras praticantes, explicando que "cada uma fica um pouco na sua”, mas que todas compartilham a crença nas forças da natureza.
"Eu creio que todas somos bruxas, basta você buscar. Porque o que é uma bruxa? Uma bruxa que acredita nas forças da natureza, trabalhando com ervas e rituais como o Samhain - festival que marca o final da colheita e o início do período mais escuro do ano, sendo considerado o Ano Novo em tradições como a bruxaria moderna e a Wicca”. Para ela, essa prática é sua realidade diária, não se restringindo ao Dia das Bruxas. Quanto às fadas, duendes e gnomos, ela os define como elementos protetores da natureza, afirmando que a capacidade de vê-los "depende dela acreditar, dela ficar na conexão”.

Para aqueles que buscam uma conexão autêntica, a profissional sugere que o autoconhecimento guia a busca mais do que a previsão pura, embora leia o Baralho Cigano com o Tarot de Marseille e ofereça uma consulta completa com numerologia. "O que importa para para eles na realidade é achar alguém de confiança".
A verdadeira "experiência imersiva" é alcançada através de práticas mais longas ou contato direto com a natureza. "Só de você chegar aqui, subir para o alto da montanha, meditar lá na pirâmide... você já entra numa sintonia diferente".
O conselho final para o recém-chegado místico é simples, mas profundo: priorizar o contato com a natureza e a energia da cidade, pois "se ela ficar conectada realmente com a energia de São Tomé, por si só, a cidade vai proporcionar essa experiência mística”.
Atrativos
A face da magia na rocha: a Pedra da Bruxa
Localizada no coração do Parque Municipal Antônio Rosa, a Pedra da Bruxa é um dos pontos que mais mobiliza a curiosidade em São Tomé das Letras. Esta notável formação rochosa, cuja silhueta evoca o perfil de uma bruxa, atrai anualmente centenas de visitantes de variadas culturas e crenças. A própria denominação do local impulsiona a visita, embora os frequentadores sejam alertados sobre os cuidados necessários ao se aproximar do topo, onde o vento forte sugere que a "bruxa oculta" pode, metaforicamente ou não, testar o equilíbrio dos curiosos.

A narrativa mística da cidade ganha eco também nas memórias dos pioneiros, como conta João Guimarães, secretário de Cultura da cidade. "Nos anos 40, os primeiros turistas que vinham para ir nas cachoeiras, toda a área, o Antônio Rosa, descendente de escravo que deu nome ao parque, acompanhava esses visitantes".
Guimarães complementa sobre Rosa, que era um ótimo contador de histórias. “Contava muito bem, [as pessoas] se hipnotizavam, passavam horas conversando com ele. E ele tinha o talento de olhar dentro dos seus olhos, saber o que você estava passando e falar o que você precisava fazer”.
Cruzeiro e Pirâmide
Os atrativos do Parque Municipal Antônio Rosa no alto da serra oferecem aos visitantes paisagens espetaculares, sendo o Cruzeiro e a Pirâmide pontos centrais para quem busca contemplar a natureza e a energia peculiar de São Thomé das Letras. Ambos os locais, próximos um do outro, são notórios por serem excelentes pontos para assistir ao pôr do sol, momento em que a área se enche de turistas ao final da tarde.

O Cruzeiro é uma estrutura de madeira com aproximadamente quatro metros de altura, fincada a uma altitude de 1.380m. Este marco é um dos atrativos mais populares e visitados da cidade, oferecendo uma vista panorâmica que complementa a experiência mística do local.
Já a Pirâmide de São Thomé das Letras não possui origem antiga; trata-se de uma casa de quartzito construída na década de 1970 pelo escrivão Tomé Galvão Costa, apelidado de Bijuca, para servir como sua moradia. Sua arquitetura incomum fez com que a residência se transformasse em um ponto turístico célebre, sendo frequentemente associada a atividades espirituais devido ao seu formato e ao misticismo inerente à cidade.
Igreja de São Tomé
A história da Igreja de São Tomé das Letras, localizada ao lado da Gruta São Tomé, está intrinsecamente ligada ao mito de fundação da cidade e à figura do eremita Padre Francisco Alves Torres. De acordo com Edson Pereira, chefe do Departamento de Cultura, a lenda principal é a do escravizado João Mantão, que, após fugir, foi instruído por um "senhor de vestes brancas" a pedir a construção de uma igreja dedicada a São Tomé. Pereira afirma que esse "homem de vestes brancas" seria o próprio Padre Francisco Alves Torres, um fugitivo do Marquês de Pombal que, em 1770, solicitou à diocese de Mariana a permissão para erguer a ermida.

A estrutura da igreja reflete essa história. "A gente acredita que a ermida de São Tomé compreende a capela maior da igreja, ou seja, do arcebispo, para cá," pois os restos do primeiro altar mor foram encontrados atrás do altar atual. A construção da parte inicial estava pronta em 1772, quando o padre foi nomeado capelão. Posteriormente, em 1785, iniciou-se a construção da nave, resultando em um edifício com estilo barroco externamente e rococó internamente, com elementos artísticos notáveis de Joaquim José da Natividade.
Sobre a arte no teto da igreja, Edson Pereira destaca o trabalho de Joaquim José da Natividade, observando que, diferentemente de suas obras marcadas por cores fortes, lá o artista optou majoritariamente pelo branco e pelo marmorizado nos locais de destaque, conferindo à igreja "mais suave, mais delicada".

Ele aponta detalhes fascinantes, como a ilusão de ótica intencional no leão de São Marcos, que parece fitar o observador de qualquer ângulo, e a presença do touro de São Lucas, o único evangelista retratado segurando o livro, cujo capítulo X remete ao envio dos 72 discípulos, um elo que o responsável pela pintura parece ter estabelecido entre as cenas do teto.
Afinal, São Thomé com H ou sem?
A grafia do nome da cidade revela uma interessante disputa histórica e burocrática. De acordo com João Guimarães, Secretário de Cultura, a forma preferida e “mais charmosa” é com 'TH', mas a oficialidade atual segue outra regra. Ele detalha que "historicamente com TH. Mas legalmente é sem o H. Os documentos oficiais a gente escreve sem H”.
Essa confusão surge das datas de criação dos marcos administrativos. O secretário explica que, quando o distrito foi fundado em 1840, a grafia utilizada era "São Tomé com H". Posteriormente, em 1963, quando se criou o município, a forma passou a ser escrita sem a consoante.
A divergência causou problemas práticos, como o desvio de correspondências. Guimarães relata. "Tava vindo carta de São Tomé, que existe um São Tomé no Rio Grande do Norte, para cá”. Para resolver o erro logístico, a câmara municipal tentou implantar o 'H', mas, como aponta o secretário, "a câmara não tinha autoridade para isso com relação ao correio na cidade".
Noite
Aproveite para encerrar o dia de visita no centro da cidade. O local oferece diversas opções de lojas, restaurantes, cafés, conveniências, entre outros atrativos para todos os gostos e bolsos. As festas também são muito frequentes, e a cidade atrai visitantes só pela sua atmosfera. Nas lojas, é possível achar os mais variados tipos de souvenir, em sua maioria, artesanais. Nos restaurantes encontramos as possíveis combinações mineiras de dar água na boca.

De todo modo, São Tomé das Letras é um destino completo e imperdível. Na próxima matéria, a equipe do portal A TARDE vivencia a parte de natureza da cidade mística, onde fenômenos naturais se encontram em cachoeiras e grutas.
*Jornalista viajou a convite do governo de Minas Gerais, através da secretaria de cultura do estado.
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