VESTIBULAR
Lista de aprovados: memórias do caderno de vestibular do A TARDE
Por Shagaly Ferreira* | Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE
Os primeiros nomes dos aprovados já apareciam nas páginas do A TARDE na década de 1940. Eduardo de Carvalho, Hélio da Rocha, Noemi de Oliveira e mais 37 novos universitários faziam parte da lista de ingressantes da Faculdade de Direito na época. Nos anos seguintes, o Jornal marcaria a vida de outros tantos estudantes, que somavam seus sonhos à expectativa de ver seus nomes nas páginas do impresso.
Inicialmente, a listagem aparecia de forma mais tímida, em meio às notícias cotidianas de polícia e de cidades. Com o tempo, as publicações foram ganhando robustez, merecendo cadernos especiais que se dedicavam a revelar turmas e mais turmas de aprovados em instituições privadas e públicas, especialmente as da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que angustiava milhares de candidatos com suas primeira e segunda fases de vestibular.
Além dos nomes dos novos universitários, os cadernos exibiam matérias em suplementos especiais, que tinham como foco temas ligados ao certame, como por exemplo, os cursos mais concorridos, as dificuldades na escrita da redação e até mesmo a multiplicação de cursinhos pré-vestibulares, considerada ‘temerosa’ na década de 1970.
Os jornais chegavam às bancas durante a tarde, divulgando informações que as instituições de ensino liberavam pela manhã. Com a grande responsabilidade de, em muitos casos, ser o único meio de comunicação para uma parcela da população, os impressos traziam, nas edições especiais, dados sobre os procedimentos para matrícula, incluindo datas, horários e documentos necessários.
“Não conseguia falar de tanta emoção!”
As publicações do caderno de vestibular do A TARDE, mais do que um espaço de prestação de serviço à comunidade pré-universitária, passou a marcar simbolicamente a trajetória de jovens que iniciavam, naquele momento, os passos para as responsabilidades da vida adulta.
Com a professora e revisora de Língua Portuguesa, Ana Maria Carmo, 35, não foi diferente. Ingressa no curso de Letras Vernáculas da Ufba em 2004, ela estabeleceu com o Jornal uma relação marcante para a sua formação como leitora ainda criança, com a participação de seu avô, antes mesmo de ter o nome impresso na lista de aprovados.
“O A TARDE ocupa um lugar especial em meu coração. Na época, era o único jornal que lembro de ter em casa. Recordo-me que meu avô comprava um exemplar todo dia. Conversávamos sempre, e ele me incentivava a prestar vestibular. Com nostalgia, lembro de meu avô lendo uma parte do jornal e eu outra. Infelizmente, quando fui aprovada, ele não estava mais comigo”, relembrou emocionada.
Moradora da Fazenda Grande do Retiro, Ana Maria, então candidata a uma das vagas na Federal, havia estudado em uma escola pública no bairro de Nazaré. Em 2003, passou na tão temida primeira fase do vestibular, mas acabou perdendo na segunda, na qual as questões eram discursivas. No ano seguinte, soube que havia sido aprovada através do jornal comprado pela mãe e até hoje guardado.
“Os meninos atualmente não sabem como era a expectativa de comprar o jornal para saber o resultado. Não tinha internet e só havia um canal de informação. Gritei, chorei e não conseguia falar de tanta emoção. Ver seu nome naquela parte do jornal significava que seus momentos de estresses, privações e leituras tinham valido a pena”, pontuou.
Marquei meu nome e guardei o jornal como se aquele já fosse o meu diploma
“Se não fosse o Jornal, teria perdido a matrícula no curso”
A concorrida vaga de Direito era uma das mais disputadas da Universidade Católica do Salvador (Ucsal), quando despertou o interesse de Juliana Wanderley, 34. A menina havia saído de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, para fazer cursinho na capital, em busca da sonhada aprovação, que veio em 2003.
“Meu irmão, que já estudava na Ucsal, foi procurar meu nome no mural dos aprovados e não achou. Então, uma amiga comprou o Jornal A TARDE pra buscar o nome dela e lá encontrou o meu. Na época, celular era artigo de luxo e eu não possuía. Foi então que ela ligou pra minha casa em Santo Amaro e informou a meus pais que eu tinha passado”, explicou.
Os recortes do impresso guardados até hoje não só servem como lembrança das alegrias vividas naquela época, como também simbolizam a importância de uma publicação que foi essencial para o seu ingresso efetivo no curso. Por muito pouco, a advogada não deixou sua matrícula escapar.
“Se não fosse a minha amiga ter visto meu nome no jornal, muito provavelmente eu teria perdido a matrícula no curso. A apreensão nos estudos e o corre-corre no dia das provas eram suavizados quando acabava a espera pela lista de aprovados publicada no Jornal A TARDE. Era uma sensação maravilhosa!”, rememorou.
“Fui a primeira da família a entrar na faculdade”
O A TARDE marcou também histórias de jovens universitários que viviam em contextos nos quais a universidade parecia um sonho distante. Em 2007, entre os aprovados no curso de Língua Estrangeira Moderna - Inglês da Ufba, estava o nome de Aline Santos, 30, primeira da família a ingressar em um curso superior.
“Fui a primeira pessoa da família a entrar na faculdade. Na época, eu não conhecia nada do mundo acadêmico, não sabia nem o que esperar do ambiente universitário. Como não tinha dinheiro para pagar um curso de idiomas, entrar na universidade para estudar Inglês era, pra mim, a opção que poderia garantir um futuro”, pontuou.
Na preparação para as provas, Aline participou de um cursinho gratuito durante a tarde, enquanto frequentava o terceiro ano do ensino médio pela manhã, em uma escola pública de São Caetano. Assim como no caso de Ana Maria, na sua primeira tentativa, em 2006, a jovem passou na primeira fase, mas não na segunda. A emoção da aprovação nas duas etapas só viria no ano seguinte.
“Um amigo deu ao meu pai o jornal com o resultado. A emoção de ver meu nome ali tornou tudo muito mais real. Era como se aquilo que antes era só uma expectativa, se concretizasse a partir daquele momento. A filha de uma dona de casa e de um operador de máquinas entrou na universidade. Marquei meu nome e guardei o jornal como se aquele já fosse o meu diploma”.
Sete anos depois de formada, Aline, além de ser professora de Inglês, também é atriz. Nas duas profissões, ela percebe a importância do A TARDE como formador da sua trajetória na sala e nos palcos. As páginas especiais que, por décadas, pontuaram um dos momentos de maior ansiedade e vitória para um jovem pré-vestibulando, continuam marcando a vida dessas pessoas no decorrer dos anos, para além da lista de aprovados.
“O A TARDE alimentou dois sonhos meus: meu nome entre os aprovados na Ufba e meu ingresso nas artes cênicas. Em 2015, uma peça de humor da qual participei estava lá, anunciada no Caderno 2, para me lembrar que podemos sonhar várias vezes, sonhos completamente diferentes, e realizá-los. Minhas duas profissões, que amo e respeito tanto, registradas, impressas. Lembranças marcantes que irão me acompanhar para sempre!”, completou, Aline.
*sob a supervisão da jornalista Carol Góis.
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