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Matemafobia

Entre as diversas ansiedades e fobias existentes, falta realmente incluir em português o medo de matemática

Publicado quinta-feira, 14 de março de 2024 às 09:00 h | Autor: Marcio Luis Ferreira Nascimento*
Prompt design com DALL-E por Marcio Nascimento (2024), inspirada na obra “O Grito” (1893) do pintor norueguês Edvard Munch (1863 - 1944).
Prompt design com DALL-E por Marcio Nascimento (2024), inspirada na obra “O Grito” (1893) do pintor norueguês Edvard Munch (1863 - 1944). -

Quem tem medo de matemática?

Ela não é um bicho de sete cabeças, mas para algumas pessoas, o simples sussurro de seu nome pode causar desconforto. Inclusive, há um momento especial para celebrá-la: todo dia 14 de março é o Dia Internacional da Matemática.

Embora existam termos em algumas poucas línguas, como em italiano, no Brasil e em países como Inglaterra ou França costuma-se tratar de ansiedade matemática a emoção ou ainda o sentimento que alguns têm apenas de ouvir, ou ainda de lembrar assuntos que envolvam a Rainha das Ciências. Há pessoas, e muitas ainda em tenra idade, que desenvolvem ansiedade ao tratar de manipular números estando ainda nos bancos escolares. Vale lembrar que ansiedade não é doença, mas ainda assim pode ser tratada de modo a atenuar eventual sofrimento se este se tornar um distúrbio ou transtorno.

Entre as diversas ansiedades, medos e fobias existentes, falta realmente incluir em português o medo de matemática. Fobia é o termo que, em grego, está vinculado ao temor. Tem gente com temor de barata, e a isto se chama catsaridafobia, algo bem maior que o medo comum.

De fato, em alguns países é reconhecido um tipo particular de fobia vinculado a matemática, mais precisamente ao infinito ou ainda a eternidade – e chama-se apeirofobia, capaz de causar transtorno de ansiedade ou mesmo ataques de pânico.

O termo matemafobia foi cunhado em inglês em 1954 pela religiosa e química americana Mary Fides Gough, batizada Agnes Cecelia Gough (1903 - 1989). Para a autora, como qualquer fobia, seu tratamento precisa levar em conta suas causas.

Persiste o mito de que a matemática trata de assuntos esotéricos. Frequentemente é associada a práticas enfadonhas de receitas sem sentido. Boa parte dos livros de matemática passam essa impressão errônea de que basta apenas seguir roteiros e instruções. Ao dificultar a compreensão, eliminando o processo de descoberta e invenção, começam a criar uma impressão nada agradável de princípios matemáticos as vezes com uma história de séculos, envolvendo avanços e retrocessos de centenas de pessoas, algumas destas, brilhantes.

Em termos comparativos, a história de humanidade se repete no ambiente de uma sala de aula de matemática. Boa parte dos erros dos(as) discentes repetem desacertos que a humanidade levou séculos para vencer. No entanto, errar faz parte do aprendizado.

A insegurança, e mesmo o temor da matemática pode e deve ser tratada com carinho e compreensão. Há sentimentos envolvidos no processo de aprendizagem que precisam de especial atenção quando se trata de números e formas. Um ambiente competitivo do tipo quem responde mais rápido a um problema matemático, como o resultado do produto de dois números de uma tabuada, nem sempre é algo a ser ressaltado, seja em sala de aula ou em casa, pois podem estimular reforços negativos para quem ainda precisa se acostumar. Manipular pela primeira vez porcentagens, frações ou algoritmos requer atenção, paciência e prática.

Caminhos alternativos podem ser apresentados ao se ilustrar certos padrões, mostrando que a matemática está em todo lugar – basta apenas prestar atenção. Tomando a música como primeiro exemplo, ela produz diversos e curiosos padrões sonoros. Já em artes plásticas, exemplos de figuras geométricas poderiam ser realçados antes de se apresentar temas e tópicos. Métodos de dedução e indução poderiam ser apresentados como formas de pensar problemas não muito diferentes de um detetive ou cientista. Mesmo jogos e brincadeiras poderiam ser melhor aproveitados no ambiente de aprendizagem matemático.

Não à toa, um movimento contrário a matemática mostrou-se mais intenso com o surgimento de negacionistas e terraplanistas. Há também quem associe analfabetismo, incluindo o de matemática, a uma doença, outra tolice infundada.

Muitas das vezes o(a) docente de matemática precisa literalmente lutar contra um histórico muitas das vezes familiar, onde pais, mães, irmã(o)s e demais parentes interferem ao opinar desfavoravelmente, dando os próprios exemplos – quase sempre contrários a um bom desenvolvimento intelectual em formação matemática da criança ou jovem. Não é possível acreditar que existam pessoas ruins de matemática. Além de pernicioso, falacioso e vil, passa a impressão de que nada mais precisa ser feito, que tudo é assim mesmo. De modo diverso, é preciso encorajá-las.

Urge buscar por diversidade no aprendizado de matemática, até porque sua natureza é plural. Há matemáticas ao invés de uma. E isto somente será possível com usos e práticas inteligentes e criativas. Ao brincar, pode-se explorar, e perceber melhor aspectos que num primeiro momento ficam desapercebidos.

O uso excessivo de exemplos em detrimento de melhores explicações também dificulta o aprendizado, em parte porque a maioria das palavras e termos matemáticos está em grego, latim ou árabe, e nem todas são possíveis de traduzir. Pelo fato de não existirem significados precisos para cateto, equação ou logaritmo, apenas as suas propriedades, docentes de matemática sentem-se confortáveis ao explicar um elefante descrevendo-o como algo com uma tromba, orelhas enormes, patas grandes e um rabicho, o que é muito pouco. Ressaltar mais do que meras características em matemática é necessário em sala de aula. Crianças e jovens em geral são curiosos, e estar preparado(a) para responder tais questionamentos é algo salutar, próprio de grandes profissionais.

No entanto, mais importante do que decorar a tabuada é perceber o que há por trás de propriedades, ressaltando aspectos interessantes. Inverter a ordem de um produto entre dois números sempre resulta em algo que os matemáticos chamam de comutação. Mas se alguém inverter a ordem de pôr uma meia e depois um sapato (ou tênis), o que acontece?

Igualmente, o que seria mais importante do que resolver uma equação? Perceber que quase sempre há mais de uma maneira de tratá-la. Ou ainda que o infinito matemático, aquele que pode causar ansiedade a alguns (a apeirofobia, citada no início), tem proximidade e similaridade com a poesia e o mistério. Por fim, é importante ressaltar que matemática não se trata de memorização.

O pensar matemático faz parte do mundo das ideias, que são abstratas, mas serve de ferramenta para compreender o mundo. Nomes são abstrações, assim como números. Compreender algo de matemática em nada difere de apreciar um belo quadro, uma música, uma escultura, um filme ou um bom livro. A matemática, assim como as artes, precisa ser melhor explicada do que apenas descrita. E se faltar a(o) docente o significado de cateto, equação, ou de logaritmo, o que fazer? Pesquisar. E quando não for suficiente, interpretar.

Até mesmo a prática em matemática tem paralelo com as artes. Não é possível a um músico ou pintor dominar um instrumento ou a paleta de cores sem muitos exercícios. No entanto, diverso do fazer artístico, o fazer matemático necessita de mais ilustrações e explicações do que meros exemplos.

O que move as pessoas as se apaixonarem por arte e cultura é o amor. Começar a perceber que a matemática pode ser vista como apenas mais uma manifestação da humanidade pode ser uma nova estratégia de ensino que pode quebrar este falso ciclo determinista e sua aura “divina”, a diferenciar entre aqueles(as) poucos(as) que a compreendem. Somente o amor pode vencer a ignorância, o medo e a ansiedade.

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia

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