INGRESSOS A R$ 10
Filme brasileiro silencioso ganha sessão com música ao vivo
“Amazonas, O Maior Rio do Mundo” foi achado recentemente na Europa e será exibido em Salvador
Por Rafael Carvalho | Especial para A TARDE
Silvino Santos é um dos pioneiros do cinema brasileiro, nome fundamental da nossa produção no período silencioso. Apesar de ter nascido em Portugal, foi no Brasil que ele desenvolveu uma série de documentários, em especial filmes de viagem para áreas recônditas do país a fim de registrar e desvelar um Brasil profundo. No Paiz das Amazonas (1922) é certamente seu filme mais conhecido, filmado no norte do Brasil, destacando a geografia, os modos de vida e as populações indígenas.
Antes disso, porém, ele havia rodado, em 1918, Amazonas, O Maior Rio do Mundo, filme que desde então foi dado como desaparecido – não há registros de que ele tivesse sequer sido exibido no país à época. Foi somente no ano passado que uma cópia do possível filme foi encontrada no Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca.
Atestada sua veracidade pela Cinemateca Brasileira, o filme passou a circular em sessões especiais no Brasil a partir do final do ano passado. Na manhã do próximo domingo, às 10h30, o público baiano terá oportunidade de assistir ao raro filme na sessão especial do Cine Glauber Rocha, com acompanhamento musical ao vivo executado pelo Quarteto de Flautas da Bahia.
A iniciativa é um trabalho conjunto dos Cineclubes Glauber Rocha e do Nanook, este ligado ao Laboratório de Análise Fílmica, da UFBA. A sessão custa R$ 10, sujeita à lotação da sala.
“A gente tem pouquíssimos filmes preservados no Brasil dessa época e a grande maioria deles são filmes do Sudeste. Então a descoberta e circulação de Amazonas, O Maior Rio do Mundo tem uma importância enorme porque é um exemplo da filmografia do Norte que não foi preservada”, afirmou Laura Bezerra, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), especialista em memória e preservação no audiovisual.
Bezerra estará presente na sessão, juntamente com Francisco Gabriel Rêgo, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), especialista em documentários indígenas. Eles irão conduzir uma conversa com o público ao final, mediada por Adolfo Gomes, crítico e um dos integrantes do Cineclube Glauber Rocha, e Morgana Gama, pesquisadora representante do Cineclube Nanook.
Esforço conjunto
O “desaparecimento” de Amazonas, O Maior Rio do Mundo se explica pela precariedade do campo cinematográfico brasileiro na época. E também pela trapaça de Propércio Saraiva, sócio de Silvino que roubou o filme e levou-o para distribuir na Europa, à revelia do real diretor.
Quem afirma isso é Rodrigo Archângelo, pesquisador do Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira, responsável por atestar a veracidade da obra e a autoria de Silvino Santos no filme descoberto.
“O que fica muito claro assistindo aos filmes de Silvino é o cuidado técnico da linguagem. A narrativa dele é muito mais que uma visita guiada dos lugares, como era comum. No Silvino, o movimento de câmera e as transições de cena são muito sofisticados para a época. Percebemos essa sofisticação da linguagem no Amazonas, O Maior Rio do Mundo que é o primeiro longa-metragem dele”, afirmou Archângelo.
O processo de recuperação patrimonial do filme, no entanto, começa um pouco antes, em Praga. Um dos curadores do Festival de Cinema Mudo de Pordenone, na Itália, ao fazer uma pesquisa no acervo do Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca, suspeita que o filme possa ser a obra perdida de Silvino Santos e não o longa “As Maravilhas do Rio Amazonas”, como estava catalogado, inclusive, como um filme norte-americano.
Ele entra em contato com o professor Sávio Stoco, pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista na obra de Silvino; e o Arquivo Nacional de Praga aciona a Cinemateca Brasileira, a fim de iniciar um trabalho conjunto para esclarecer a autoria do filme. Archângelo destacou a importância dessa triangulação para que esse tipo de descoberta aconteça, envolvendo a comunicação entre os acervos de filme, a presença de uma curadoria especializada no circuito cultural e o mundo acadêmico.
Depois disso, iniciou-se um trabalho braçal feito na Cinemateca Brasileira: “Eu tive que fazer uma busca no acervo de tudo que tínhamos do Silvino Santos, são 45 obras dele. Fomos fazendo o cotejamento com esse material. Eu decupei o filme achado em 496 planos. Comecei a ver que eram planos inéditos e seguiam um roteiro muito presente em No Paiz das Amazonas, filme posterior do diretor, que seguia quase o mesmo roteiro. E tinham também algumas cenas que eram iguais às de No Paiz das Amazonas, provando que ele reutilizou essas imagens. Daí ficou claro que estávamos diante do filme perdido do Silvino”, completou o pesquisador.
Música ao vivo
Agora já devidamente recuperado para o acervo brasileiro, o filme começa a ser visto no Brasil, depois de estrear no Festival de Pordenone ano passado. Em Salvador, a exibição ganha o acompanhamento musical do Quarteto de Flautas da Bahia, formado pelos músicos Lucas Robatto, João Liberato, Leandro Oliveira e Rafael Dias.
Eles iniciaram um processo autoral de criação da trilha sonora, em parceria com os compositores Paulo Pitta e Kedson Silva. “Inicialmente, os dois compositores trouxeram algumas ideias principais que se juntaram à nossa experiência em assistir ao filme. Daí fomos definindo pontos que são interessantes, com texturas ou efeitos específicos. Depois, elaboramos a trilha, assistindo ao filme para testar possibilidades”, afirmou Liberato que é também especialista na criação de trilha sonora para o cinema.
Ele destaca ainda o caráter experimental que essa trilha sonora apresenta: “A proposta do quarteto se aproxima da improvisação da música com o filme que vai estar sendo rodado, buscando dialogar com essas imagens. Cada vez que o quarteto tocar essa trilha sonora, vai ser uma peça diferente. O que temos são estratégias distintas para cada trecho do filme. Não é algo completamente definido, mas uma improvisação dentro de uma estrutura pré-estabelecida”.
Robatto, por sua vez, pontua a construção contemporânea da música, mesmo em se tratando de um filme antigo. “Nós não estamos preocupados em representar os símbolos amazônicos, nem completar os sons que estão faltando no filme. Estamos colocando outros sons no filme. Há dois elementos marcantes nessa trilha: o conteúdo emocional que queremos reforçar; e o destaque para a estética de uma música de vanguarda contemporânea”.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes