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ANÁLISE

“Planeta dos Macacos: O Reinado” tem potencial, mas falta ousadia

Wes Ball comanda um filme com boas ideias, mas que fica sob a sombra dos seus antecessores

Por Edvaldo Sales

10/05/2024 - 7:00 h | Atualizada em 10/05/2024 - 8:58
“Planeta dos Macacos: O Reinado” mostra a jornada do jovem Noa (Owen Teague)
“Planeta dos Macacos: O Reinado” mostra a jornada do jovem Noa (Owen Teague) -

Lançado em 1968 e alicerçado no terror nuclear, “Planeta dos Macacos”, dirigido por Franklin J. Schaffner, segue até hoje impecável e faz jus ao título de um dos maiores clássicos da ficção científica de todos os tempos. Algumas continuações foram feitas, mas nenhuma se compara ao primeiro. Em 2001, foi a vez do Tim Burton empregar a sua visão na franquia com um longa que dividiu opiniões. No ano de 2011, “Planeta dos Macacos: A Origem” estreou e deu início a uma trilogia - composta também por “O Confronto” (2014) e “A Guerra” (2017) - que é considerada uma das melhores já feitas e que colocou na mesa o debate sobre manipulação genética, especismo, genocídio, entre outros.

“Planeta dos Macacos: O Reinado”, que tem na cadeira de diretor o Wes Ball, chega como um novo capítulo dessa história e com a difícil missão de fazer seus personagens e as suas motivações não serem ofuscadas pelo o que veio antes. Agora, várias gerações depois da de César (Andy Serkis), o jovem símio Noa (Owen Teague) parte em uma jornada rumo a um território desconhecido após a sua vila ser destruída durante uma invasão cometida por outros da sua espécie liderados pelo tirano Proximus César (Kevin Durand) e que resultou no sequestro da sua família e em uma perda enorme para o protagonista. Nesse cenário, os macacos são os seres dominantes e os humanos - que não falam mais e não têm intelecto - são caçados.

Presente durante todo o tempo, seja em citações, objetos ou atitudes, o legado do César é referenciado sempre que possível no novo filme. Essa decisão dos roteiristas Josh Friedman, Rick Jaffa e Amanda Silver é acertada, pois mostra o quanto a liderança e os ensinamentos do macaco continuam a guiar as atitudes de outros séculos depois da sua morte, como é o caso do orangotango Raka (Peter Macon). Carismático, dócil e engraçado, ele é membro de algo que chamam de ordem de César e carrega consigo a essência das regras do grade líder: “macaco não mata macaco”; e “macacos juntos fortes”.

A interpretação de Raka sobre o legado de César fica ainda melhor quando comparada com a de Proximus, que, por sua vez, pega as palavras daquele que se tornou um símbolo e as usa em prol de um objetivo que vai contra o que foi pregado originalmente. São visões diferentes sobre a mesma coisa, pois a tirania de um se sobrepôs ao cerne da mensagem, a qual passou a ser usada em um discurso de subjugação - inclusive dos seus semelhantes. Seria interessante se existisse um aprofundamento no “embate” dessas visões díspares, mas não é o que acontece, pois o texto deixa na superficialidade.

“Planeta dos Macacos: O Reinado” apresenta ideias interessantes. Uma delas é a relação do clã do Noa com as águias, que é apresentado nos primeiros minutos do filme e ganha mais relevância em momentos importantes para a história. Apesar de não ser novidade, se destaca também o uso de algumas etapas da jornada do herói - como o chamado à aventura, a travessia do primeiro limiar e o encontro com o mentor -, que reflete também no visual do longa, principalmente quando o protagonista precisa atravessar um túnel que é o limite entre o mundo que ele conhece e aquele para o qual ele deve ir. A cena é bem enquadrada e deixa um clima de tensão no ar.

Clã do protagonista tem uma relação interessante com as águias
Clã do protagonista tem uma relação interessante com as águias | Foto: Divulgação

Outro acerto do filme de Wes Ball são os personagens. Noa vem com um grande potencial para se tornar um protagonista capaz de sustentar novas produções dentro da franquia. Ele é determinado, ainda não é um líder propriamente dito, mas acompanhar a sua lapidação torna a experiência mais engajante. A interação dele com o simpático e desajeitado Anaya (Travis Jeffrey) e a destemida Soona (Lydia Peckham) seria beneficiada com mais tempo de tela, mas, ainda assim, rende bons momentos.

Já a relação entre Noa, Raka e a humana Nova/Mae (Freya Allan), que é gradativamente construída no filme, resulta em uma dinâmica bacana, porém semelhante à que já foi feita em “Planeta dos Macacos: A Guerra”. Fica claro que o longa está em busca de um novo César. Até aí, tudo bem, dá para fazer isso de maneiras criativas. Mas repetir uma interação que deu muito certo antes é arriscado, principalmente quando é fácil identificar. Raka cumpre um papel semelhante ao da Maurice (Karin Konoval) na trilogia. Ambos os personagens são muito inteligentes, leais, têm um senso de proteção e cuidado muito forte e aconselham aquele que vai se tornar um líder, aqui o Noa, e antes, o César. Além disso, Raka, assim como Maurice, é responsável por convencer o protagonista a acolher a humana.

Apesar disso, algumas cenas do trio são bem escritas e tem um mistério no ar que se deve à presença da Nova/Mae, a qual é apresentada inicialmente como uma jovem frágil e perdida naquele mundo, mas que vai se mostrando cada vez mais determinada e inconformada com a realidade na qual ela está inserida. Isso a torna pouco confiável e cria um bom contraste com o Noa, o qual, por mais que não esteja em uma situação confortável, vive em uma época na qual é mais favorável para ele, um macaco, do que para um humano.

Relação entre Noa, Raka e a humana Nova/Mae rende bons momentos
Relação entre Noa, Raka e a humana Nova/Mae rende bons momentos | Foto: Divulgação

“Planeta dos Macacos: O Reinado” tem uma vilão com um visual imponente e que é apresentado de maneira espetacular. Entretanto, mesmo com um discurso inicial que chama atenção, Proximus César não consegue ser tão marcante e ameaçador como o Koba (Toby Kebbell), por exemplo, que compartilhou de uma motivação parecida em “O Confronto”. Uma pena, já que muito do que envolve o império do líder tirânico é visualmente bem resolvido.

Enche os olhos também o trabalho de performance capture, que se tornou parte essencial da sétima arte. De “O Senhor dos Anéis”, “Avatar” a “Piratas do Caribe”, a união da atuação com a tecnologia de captura de movimento revolucionou Hollywood nos últimos anos. A trilogia “Planeta dos Macacos” também foi essencial para a popularização da técnica com o César. Em “O Reinado”, o resultado não deixa a desejar. Sentimentos como tristeza, raiva, medo e felicidade são facilmente identificados nas expressões dos personagens captadas pelo diretor Wes Ball.

O trabalho da carreira dele é a adaptação da distopia “Maze Runner” para as telonas. É possível perceber que ele adquiriu experiência para criar sequências de ação que envolvem correria e urgência em locais abertos e também fechados. Isso é exemplificado em uma cena de perseguição que acontece em um campo verde e outra que se desenrola dentro de um cofre gigante que está inundando e só resta uma saída. Ball repete a parceria com o diretor de fotografia Gyula Pados e o resultado não poderia ser melhor. A dupla sabe dar vida a frames que facilmente podem ser impressos e pendurados na parede. Esses momentos poderiam ser elevados se a trilha sonora ajudasse, porém é uma das mais fracas da franquia - Michael Giacchino fez falta.

Mais um ponto alto é o design de produção. Um dos tropos mais legais de filmes e séries que abordam o pós-apocalipse são as cidades abandonadas em que a vegetação começa a tomar o seu lugar. “The Walking Dead” e “The Last of Us” fizeram isso muito bem - “Planeta dos Macacos: O Reinado” também. Em sua jornada, o Noa passa por cenários antes urbanizados totalmente abandonados com o verde das plantas ocupando todos os espaços. Essa escolha reforça ainda mais a passagem dos anos naquele universo e enriquece a narrativa.

“Planeta dos Macacos: O Reinado” usa tropo interessante de filmes e séries que abordam o pós-apocalipse
“Planeta dos Macacos: O Reinado” usa tropo interessante de filmes e séries que abordam o pós-apocalipse | Foto: Divulgação

Repleto de referências ao clássico de 1968 que funcionam em sua maioria - destaque para uma piada sobre macacos caindo do céu e para o fato de uma parte considerável do longa se passar em uma praia -, “Planeta dos Macacos: O Reinado” tem potencial para reacender o desejo do público pelo confronto físico e de ideias entre símios e humanos. O gancho para isso acontecer foi deixado, mas se faz necessário que as próximos filmes, caso eles aconteçam, saiam um pouco da sombra dos seus antecessores e se permitam ousar mais.

Assista ao trailer:

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