ANÁLISE
“Planeta dos Macacos: O Reinado” tem potencial, mas falta ousadia
Wes Ball comanda um filme com boas ideias, mas que fica sob a sombra dos seus antecessores
Por Edvaldo Sales

Lançado em 1968 e alicerçado no terror nuclear, “Planeta dos Macacos”, dirigido por Franklin J. Schaffner, segue até hoje impecável e faz jus ao título de um dos maiores clássicos da ficção científica de todos os tempos. Algumas continuações foram feitas, mas nenhuma se compara ao primeiro. Em 2001, foi a vez do Tim Burton empregar a sua visão na franquia com um longa que dividiu opiniões. No ano de 2011, “Planeta dos Macacos: A Origem” estreou e deu início a uma trilogia - composta também por “O Confronto” (2014) e “A Guerra” (2017) - que é considerada uma das melhores já feitas e que colocou na mesa o debate sobre manipulação genética, especismo, genocídio, entre outros.
“Planeta dos Macacos: O Reinado”, que tem na cadeira de diretor o Wes Ball, chega como um novo capítulo dessa história e com a difícil missão de fazer seus personagens e as suas motivações não serem ofuscadas pelo o que veio antes. Agora, várias gerações depois da de César (Andy Serkis), o jovem símio Noa (Owen Teague) parte em uma jornada rumo a um território desconhecido após a sua vila ser destruída durante uma invasão cometida por outros da sua espécie liderados pelo tirano Proximus César (Kevin Durand) e que resultou no sequestro da sua família e em uma perda enorme para o protagonista. Nesse cenário, os macacos são os seres dominantes e os humanos - que não falam mais e não têm intelecto - são caçados.
Presente durante todo o tempo, seja em citações, objetos ou atitudes, o legado do César é referenciado sempre que possível no novo filme. Essa decisão dos roteiristas Josh Friedman, Rick Jaffa e Amanda Silver é acertada, pois mostra o quanto a liderança e os ensinamentos do macaco continuam a guiar as atitudes de outros séculos depois da sua morte, como é o caso do orangotango Raka (Peter Macon). Carismático, dócil e engraçado, ele é membro de algo que chamam de ordem de César e carrega consigo a essência das regras do grade líder: “macaco não mata macaco”; e “macacos juntos fortes”.
A interpretação de Raka sobre o legado de César fica ainda melhor quando comparada com a de Proximus, que, por sua vez, pega as palavras daquele que se tornou um símbolo e as usa em prol de um objetivo que vai contra o que foi pregado originalmente. São visões diferentes sobre a mesma coisa, pois a tirania de um se sobrepôs ao cerne da mensagem, a qual passou a ser usada em um discurso de subjugação - inclusive dos seus semelhantes. Seria interessante se existisse um aprofundamento no “embate” dessas visões díspares, mas não é o que acontece, pois o texto deixa na superficialidade.
“Planeta dos Macacos: O Reinado” apresenta ideias interessantes. Uma delas é a relação do clã do Noa com as águias, que é apresentado nos primeiros minutos do filme e ganha mais relevância em momentos importantes para a história. Apesar de não ser novidade, se destaca também o uso de algumas etapas da jornada do herói - como o chamado à aventura, a travessia do primeiro limiar e o encontro com o mentor -, que reflete também no visual do longa, principalmente quando o protagonista precisa atravessar um túnel que é o limite entre o mundo que ele conhece e aquele para o qual ele deve ir. A cena é bem enquadrada e deixa um clima de tensão no ar.
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Outro acerto do filme de Wes Ball são os personagens. Noa vem com um grande potencial para se tornar um protagonista capaz de sustentar novas produções dentro da franquia. Ele é determinado, ainda não é um líder propriamente dito, mas acompanhar a sua lapidação torna a experiência mais engajante. A interação dele com o simpático e desajeitado Anaya (Travis Jeffrey) e a destemida Soona (Lydia Peckham) seria beneficiada com mais tempo de tela, mas, ainda assim, rende bons momentos.
Já a relação entre Noa, Raka e a humana Nova/Mae (Freya Allan), que é gradativamente construída no filme, resulta em uma dinâmica bacana, porém semelhante à que já foi feita em “Planeta dos Macacos: A Guerra”. Fica claro que o longa está em busca de um novo César. Até aí, tudo bem, dá para fazer isso de maneiras criativas. Mas repetir uma interação que deu muito certo antes é arriscado, principalmente quando é fácil identificar. Raka cumpre um papel semelhante ao da Maurice (Karin Konoval) na trilogia. Ambos os personagens são muito inteligentes, leais, têm um senso de proteção e cuidado muito forte e aconselham aquele que vai se tornar um líder, aqui o Noa, e antes, o César. Além disso, Raka, assim como Maurice, é responsável por convencer o protagonista a acolher a humana.
Apesar disso, algumas cenas do trio são bem escritas e tem um mistério no ar que se deve à presença da Nova/Mae, a qual é apresentada inicialmente como uma jovem frágil e perdida naquele mundo, mas que vai se mostrando cada vez mais determinada e inconformada com a realidade na qual ela está inserida. Isso a torna pouco confiável e cria um bom contraste com o Noa, o qual, por mais que não esteja em uma situação confortável, vive em uma época na qual é mais favorável para ele, um macaco, do que para um humano.
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“Planeta dos Macacos: O Reinado” tem uma vilão com um visual imponente e que é apresentado de maneira espetacular. Entretanto, mesmo com um discurso inicial que chama atenção, Proximus César não consegue ser tão marcante e ameaçador como o Koba (Toby Kebbell), por exemplo, que compartilhou de uma motivação parecida em “O Confronto”. Uma pena, já que muito do que envolve o império do líder tirânico é visualmente bem resolvido.
Enche os olhos também o trabalho de performance capture, que se tornou parte essencial da sétima arte. De “O Senhor dos Anéis”, “Avatar” a “Piratas do Caribe”, a união da atuação com a tecnologia de captura de movimento revolucionou Hollywood nos últimos anos. A trilogia “Planeta dos Macacos” também foi essencial para a popularização da técnica com o César. Em “O Reinado”, o resultado não deixa a desejar. Sentimentos como tristeza, raiva, medo e felicidade são facilmente identificados nas expressões dos personagens captadas pelo diretor Wes Ball.
O trabalho da carreira dele é a adaptação da distopia “Maze Runner” para as telonas. É possível perceber que ele adquiriu experiência para criar sequências de ação que envolvem correria e urgência em locais abertos e também fechados. Isso é exemplificado em uma cena de perseguição que acontece em um campo verde e outra que se desenrola dentro de um cofre gigante que está inundando e só resta uma saída. Ball repete a parceria com o diretor de fotografia Gyula Pados e o resultado não poderia ser melhor. A dupla sabe dar vida a frames que facilmente podem ser impressos e pendurados na parede. Esses momentos poderiam ser elevados se a trilha sonora ajudasse, porém é uma das mais fracas da franquia - Michael Giacchino fez falta.
Mais um ponto alto é o design de produção. Um dos tropos mais legais de filmes e séries que abordam o pós-apocalipse são as cidades abandonadas em que a vegetação começa a tomar o seu lugar. “The Walking Dead” e “The Last of Us” fizeram isso muito bem - “Planeta dos Macacos: O Reinado” também. Em sua jornada, o Noa passa por cenários antes urbanizados totalmente abandonados com o verde das plantas ocupando todos os espaços. Essa escolha reforça ainda mais a passagem dos anos naquele universo e enriquece a narrativa.
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Repleto de referências ao clássico de 1968 que funcionam em sua maioria - destaque para uma piada sobre macacos caindo do céu e para o fato de uma parte considerável do longa se passar em uma praia -, “Planeta dos Macacos: O Reinado” tem potencial para reacender o desejo do público pelo confronto físico e de ideias entre símios e humanos. O gancho para isso acontecer foi deixado, mas se faz necessário que as próximos filmes, caso eles aconteçam, saiam um pouco da sombra dos seus antecessores e se permitam ousar mais.
Assista ao trailer:
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