"Futebol é uma linguagem poderosa', diz Eryk Rocha | A TARDE
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"Futebol é uma linguagem poderosa', diz Eryk Rocha

Publicado terça-feira, 28 de julho de 2015 às 09:11 h | Autor: Rafael Carvalho | Especial para A TARDE
Eryk Rocha
Eryk Rocha -

Num campo de várzea no subúrbio do Rio de Janeiro, perto do Maracanã, palco da final da última Copa do Mundo, outro campeonato acontece. Os times Juventude e Geração disputam o título de campeão dentre os 14 times formados nas comunidades vizinhas. O cineasta Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha, leva sua câmera para o espaço do futebol amador, celebração de uma das maiores paixões nacionais. Faz um filme sensorial, observando com interesse e respeito a garra de quem joga e a vibração de quem torce. O documentário Campo de Jogo entrou em cartaz no Brasil na última semana e o diretor Eryk Rocha conversou com A TARDE sobre ele e futebol.

Como você travou contato com esse campeonato amador e como surgiu a ideia do filme?
Campo de Jogo nasce das minhas memórias. Frequento estádios e jogo bola desde os cinco anos. O filme une três paixões da minha vida: o futebol, o cinema e o Brasil. O desejo era deslocar o olhar para o futebol popular, de várzea, de pelada (ou como se diz na Bahia, o baba). Então descobrimos o Campo do Sampaio, Zona Norte do Rio, cercado de comunidades e a poucos quilômetros do Maracanã. Percebi que esse campo era uma síntese de muitos campos espalhados pelo Brasil.

O filme faz um contraponto ao mundo espetacularizado e multimidiatizado da Copa do Mundo, ao mesmo tempo em que o futebol profissional e a FIFA vivem uma fase complicada. Como você avalia essa situação?
O futebol brasileiro vive uma crise aguda e profunda dentro e fora das quatro linhas. O futebol, que é nosso patrimônio cultural e tem uma essência popular em toda sua dimensão, está se elitizando, foi cooptado pelo mercado e pela publicidade. Algumas empresas privadas se apropriaram desse bem público (o que não é novidade no Brasil) e vivemos um momento muito ruim. Por outro lado acho que nós nos distanciamos das nossas matrizes e da nossa força originária. Importamos o que há de pior do futebol europeu e, paradoxalmente, os europeus absorveram e se inspiraram no que há de melhor das matrizes do nosso futebol. Um exemplo vivo disso foram as duas últimas campeãs do mundo: Espanha e Alemanha.

Apesar disso, o futebol ainda exerce um fascínio muito grande em crianças e jovens no país.
Nesses campos espalhados pelo Brasil das favelas, da periferia, é onde surgiram muitos dos nossos maiores craques. Nesse caldeirão, nessas matrizes culturais, corporais, é onde estão a substância principal, original, singular do futebol brasileiro. Lamentavelmente muitos desses campos estão ameaçados de serem extintos, entre outros motivos, pela especulação imobiliária. Querem fazer com esses campos de terra a mesma coisa que fizeram com o futebol midiático oficial. A privatização do imaginário e do gesto.

Outros documentários seus perpassam pela questão da identidade (pessoal, brasileira e latino-americana). O amor pelo futebol é também um traço dessa identidade nacional?
No Brasil, o futebol não é só um esporte ou um jogo, é uma linguagem poderosa de expressão da nossa cultura, faz parte da formação do nosso povo. Então a crise e falta de imaginação no futebol brasileiro refletem a falta de imaginação e de um projeto de país (inclusive da política institucional de direita ou esquerda). Apesar de toda essa situação, o futebol tem algo de muito especifico e mágico que está no DNA do brasileiro, é quase "uma forma de se movimentar no mundo". A força, a paixão e a invenção humana que transbordam.

Os personagens do filme transmitem muita garra e força de vontade, além daquele ser um evento para toda a comunidade, que está ali muito perto e tem presença muito forte no filme. Como foi se aproximar desse universo?
Esses campos são talvez um dos últimos espaços de resistência do povo, são pontos de celebração e encontro da comunidade. Palco democrático onde o futebol e o ritual se fundem. Esse campo de jogo é também um campo de afeto, campo de batalha e de êxtases. Campo-terreiro. Isso representa muito para essas comunidades do entorno. Ali tem muitas igrejas, mas também a presença do tráfico. Não tem bibliotecas, salas de cinema, de teatro, de concertos (como aliás parte significativa do país). O próprio baile funk foi reprimido pela policia do estado. Então esse "campo" é um espaço potente e fértil, área de lazer, de respiro. A bola talvez seja a coisa mais democrática da cultura brasileira.

Quais são seus próximos projetos? 
Em novembro iremos lançar Campo de Jogo na França e em dezembro no Estados Unidos. Fora isso, estou preparando meu novo filme, Breves Miragens de Sol, um longa-metragem de ficção que será todo filmado no Rio de janeiro. É a história de um taxista que vive na noite e testemunha essa grande transformação que está sofrendo a cidade. Também estou codirigindo uma série de TV com Paula Gaitán, minha mãe. Será exibido no Canal Brasil e se chama Os Resistentes. Fala de artistas, pensadores, ativistas, que marcaram, influenciaram, atravessaram várias gerações e ainda estão vivos em pleno movimento.

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