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Lars Von Trier lança continuação de minissérie que fez para a TV

“The Kingdom Exodus” chega ao streaming no próximo mês e reprisa o clima de horror e obsessões

Publicado sexta-feira, 28 de outubro de 2022 às 15:45 h | Atualizado em 28/10/2022, 15:50 | Autor: Rafael Carvalho | Crítico de cinema
Mostra de Cinema de São Paulo exibiu os dois primeiros episódios dessa nova temporada, intitulada “The Kingdom Exodus”
Mostra de Cinema de São Paulo exibiu os dois primeiros episódios dessa nova temporada, intitulada “The Kingdom Exodus” -

Lars Von Trier é sinônimo de polêmica e controvérsia. Desde há um bom tempo que seus filmes investem em situações chocantes e/ou degradantes (os últimos foram “A Casa que Jack Construiu” e “Ninfomaníaca”, obras das quais é difícil sair indiferente). Agora, ele retoma um antigo projeto ao levar adiante a terceira temporada da série “O Reino” que ele criou para a TV dinamarquesa nos anos 1990. 

A Mostra de Cinema de São Paulo exibiu os dois primeiros episódios dessa nova temporada, intitulada “The Kingdom Exodus”, que promete mais três outros episódios para completar um novo ciclo envolvendo o macabro hospital fundado em cima de um portal que se abre para outro mundo. A série será lançada na plataforma de streaming MUBI a partir do dia 27 de novembro – além de relançar as versões restauradas das duas temporadas anteriores no início do decorrer do próximo mês.

Essa é uma das incursões pelo gênero do horror mais evidentes feita pelo cineasta dinamarquês em toda sua carreira. A retomada da série é uma surpresa até mesmo para os fãs do diretor que não esperavam uma terceira temporada do projeto, mas podem ficar contentes pela manutenção da mesma atmosfera de estranheza, ainda que misturada com boas pitadas de ironia e senso de humor. 

Para aqueles que nunca viram as temporadas anteriores (são apenas quatro episódios em cada uma), “The Kingdom Exodus” é fácil de acompanhar, uma vez que a trama segue o padrão: eventos estranhos e sobrenaturais começam a surgir nas dependências do hospital. Mas para além do destaque ao horror, o que não falta na série são personagens interessantes, excêntricos na sua maioria, com suas manias, falhas de caráter e obsessões. 

Mais de vinte anos após o lançamento da segunda temporada, e depois de um amadurecimento como cineasta ao construir uma carreira sólida (ainda que irregular) com diversos filmes, vale notar que Von Trier, no processo de adaptação da série aos novos tempos, manteve-se fiel não só à atmosfera da trama original, mas também a sua composição visual. Estão lá a fotografia granulada e de tom alaranjado e a câmera na mão tremulando, ambas sinalizando que algo não vai bem naquele lugar.

A trama começa com a sonâmbula Sra. Karin acordando à noite e se dirigindo ao famigerado hospital que, desde os eventos horripilantes do passado, continua funcionando plenamente. Ela entra no local e é como se se transportasse para um mundo misterioso, cercado por muita dor e morte. Os dois primeiros episódios apresentam o melhor da série (tom macabro, mais o humor evidente do cineasta) e prometem revelar muito mais sobre o passado daquele lugar.     

Os fantasmas da família

Apresentados na Mostra, outros dois filmes também lidam com o universo do fantástico e do horror, cada qual a sua maneira. O longa português “Alma Viva” e a produção costa-riquenha “Domingo e a Neblina” são belos exemplos disso, ambos calcados em dramas familiares que revelam a conexão de seus personagens com as forças do além.

No primeiro caso, a cineasta franco-portuguesa Cristèle Alves Meira nos apresenta uma pequena vila no interior de Portugal onde vive uma senhora conhecida por seus dons de cura e relações com o mundo dos espíritos. A mulher é avó da protagonista do filme, a pequena Salomé (Lua Michel), que vive na França, mas passa as férias na casa da avó para estar próxima às raízes maternas.

As duas são realmente muito próximas, e Salomé parece aprender e reproduzir muito bem as rezas e os rituais que a avó pratica. No local, os vizinhos se dividem em reverenciá-la como dona de saberes ancestrais, já outros facilmente a taxam de bruxa. Uma tragédia faz com que os dons de Salomé aflorem ainda mais, na tentativa de levar adiante os ensinamentos da avó.

Já no filme latino-americano, os dramas políticos se insinuam mais. Seu Domingo (Carlos Ureña) é um velho viúvo dono de uma propriedade cobiçada por uma empreiteira que quer construir uma rodovia no local. Em meio à floresta, uma estranha névoa toma conta do lugar como uma presença que se impõe, misteriosa e aparentemente inofensiva. 

O filme do diretor Ariel Escalante Meza começa com esse tom denuncista ao colocar em evidência a especulação fundiária, especialmente sobre aqueles que possuem tão pouco, e envereda pelo suspense na medida em que Domingo passa a ser cada vez mais ameaçado pelos poderosos que nunca revelam a sua cara, mas passa a intimidar não apenas o senhor, como outros moradores da região.  

Só no desfecho do filme é que a dimensão da fantasia se instaura de fato e, assim como na obra franco-portuguesa, as conexões de família se mostram muito importantes como modo de reforçar a resistência dos personagens, seja em relação à posse da terra, seja em respeito às forças ancestrais.

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