Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > a tarde + > CINEINSITE
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

DIA DO CINEMA NACIONAL

Sem cota de tela, filmes brasileiros perdem espaço nos cinemas

Cineinsite A TARDE conversou com os cineastas Lula Oliveira e Karen Suzane sobre dificuldades de distribuição

Por Kian Shaikhzadeh*

19/06/2023 - 7:00 h | Atualizada em 06/07/2023 - 16:50
“Turma Da Mônica: Lições” foi o filme brasileiro de maior alcance em 2022, ano em que as exibições nacionais nos cinemas não chegaram a 5%
“Turma Da Mônica: Lições” foi o filme brasileiro de maior alcance em 2022, ano em que as exibições nacionais nos cinemas não chegaram a 5% -

Era 19 de junho de 1898. O italiano Affonso Segretto navegava rumo ao Rio de Janeiro e filmava o seu documentário “Vista da Baía de Guanabara”. Nascia aí o primeiro filme brasileiro, e a data, então, foi escolhida como o Dia do Cinema Nacional.

>>> Três filmes em cartaz para celebrar o Dia do Cinema Nacional

Nesta segunda-feira, celebremos clássicos nacionais e sucessos de bilheteria, títulos já consagrados como “O Auto da Compadecida”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Cidade de Deus”, “Minha Mãe é uma Peça” e “Central do Brasil”. Mas celebremos, ainda, aqueles filmes pouco conhecidos, que nos fazem repetir “você tem que assistir”: “Mato Seco em Chamas”, “Café com Canela”, “A Última Floresta”, “Marte Um”, “Bicicletas de Nhanderu”, “Trampolim do Forte”, o soteropolitano “Tropykaos” e incontáveis outras obras que constroem uma história de 125 anos do cinema no Brasil.

Mas em meio a uma trajetória centenária, porque tantos filmes nacionais, com comprovada qualidade técnica e narrativa, não chegam ao grande público? Uma pergunta antiga na história do cinema brasileiro e que não tem resposta fácil.

Esta angústia já ocupava a mente de Carmen Santos, diretora e produtora de sucessos de bilheteria dos anos 1930 e que trabalhou na elaboração de políticas públicas para o cinema nacional na época. Era também um dilema de realizadores do Cinema Novo, nos anos 1960, que viam seus filmes alcançarem renome na Europa, mas pouca aderência com as massas no Brasil. E segue como um desafio constante para os profissionais do audiovisual que se aventuram na arte de fazer filmes neste país.

Com a intenção de aumentar a visibilidade do que é produzido nacionalmente e proteger a distribuição dessas obras em salas de cinema, em setembro de 2001, foi estabelecida a Medida Provisória (MP) 2.228-1, que estabelecia uma cota de tela para títulos nacionais pelas redes exibidoras. O mecanismo, no entanto, está suspenso no Brasil desde setembro de 2021, quando o artigo que a regulamenta venceu e não foi renovado pelo governo Jair Bolsonaro.

Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), cabe ao presidente da república legitimar o decreto que estabelece, por exemplo, o número de dias para o cumprimento da cota, a diversidade de títulos que devem ser exibidos e o limite de ocupação máxima de salas de um mesmo complexo pela mesma obra.

Sem o mecanismo, a situação não é nada favorável aos brasileiros. De acordo com um informe da Ancine, a presença dos filmes brasileiros nos cinemas do país em 2022 foi de apenas 4,2%. A porcentagem baixa está longe de refletir o que foi filmado naquele ano: foram 173 filmes brasileiros lançados, sendo a grande maioria, realizada através de financiamento de editais públicos, mas que não conseguiram o devido espaço nas grandes telas.

Autora de “A Mulher que Eu Era” e outros cinco curta-metragens autorais, a cineasta mineira Karen Suzane diz que a discrepância entre produção e exibição nos cinemas dá a impressão de que não estão sendo feitos novos filmes no Brasil. “É uma coisa que poucas pessoas de fato questionam”, diz. “Mas é algo que a gente sente falta, porque a gente faz um filme e queremos que esse filme seja visto, que seja discutido”.

Neste ano, a Ancine anunciou investimentos de mais de R$ 1 bilhão, que incluem aportes a 250 projetos cinematográficos. Mas se esses filmes continuarem sem ter espaço no mercado, o resultado não será benéfico, é o que aponta o cineasta soteropolitano Lula Oliveira, que foi Presidente da Associação Baiana de Cinema e Vídeo, Chefe da Representação do Ministério da Cultura (2012) e Coordenador de Difusão e Formulação da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (2016).

“O povo está pagando os filmes, mas não está recebendo-os de volta", afirma. "Esses filmes brasileiros pertencem ao povo brasileiro. São feitos através de impostos públicos, com recursos públicos. Então, é como se você estivesse pagando um produto e não levando pra casa”, completa o especialista.

Brasil longe das telonas

Na busca por grandes números, o mesmo informe da Ancine estima que um público de mais de 95 milhões usufruiu das salas de cinema do Brasil em 2022. O número é expressivo e cabe se perguntar, seria esse um espaço em que o Brasil pode se reconhecer em filmes?

A negativa é clara: em 2022, enquanto os cinco títulos de maior bilheteria (todos estadunidenses) chegaram a ocupar 2.800 das salas de cinema em uma única semana, quase 90% do que se chama “parque exibidor”, nenhum título brasileiro chegou a ocupar mil salas. O filme brasileiro de maior alcance no ano foi “Turma Da Mônica: Lições”, de Daniel Rezende, com uma ocupação máxima semanal de 864 salas.

Enquanto uma medida para se contrapor a estatísticas como essas, a política de cota de tela é, para Lula Oliveira, a garantia de um espaço de exibição de filmes brasileiros dentro de uma estrutura de exibição que prioriza os filmes americanos.

“Não é saudável para a sociedade você não ter uma diversidade de filmes para se dispor e poder escolher porque, sem perceber, você é obrigado a ver aquele filme. O mercado tá dizendo: assista o filme que eu escolho pra você ver — você acha que escolhe, mas quem escolhe sou eu para você”, ressalta ele.

Cineasta soteropolitano Lula Oliveira diz que Brasil precisa operacionalizar cinema além do circuito comercial
Cineasta soteropolitano Lula Oliveira diz que Brasil precisa operacionalizar cinema além do circuito comercial | Foto: Denisse Salazar | Ag. A TARDE

A aplicação efetiva das cotas de tela trouxe resultados em outros países. Se hoje os doramas coreanos alcançaram grandes níveis de popularidade, o mérito é do mecanismo que se instalou na Coreia do Sul a partir dos anos 1960. Criada com o intuito de reduzir o impacto cultural ocidental, a lei de cota de tela passou a exigir um mínimo de 30 dias anuais de filmes coreanos nas salas de exibição. Alterações adicionais aconteceram em 1973, levando o mínimo para 121 dias, e em 1985, elevando a 146 o número. Esse movimento criou as condições necessárias para que o cinema sul-coreano se desenvolvesse de forma robusta, tornando-se um polo influente na produção global. Outros países como Argentina, Bolívia, China, Egito, Espanha, e México adotam políticas similares.

Desde a suspensão das cotas de tela no ano de 2021, em maio, a Ancine publicou a sua Agenda Regulatória para o biênio 2023/2024. No documento, que traz as prioridades definidas pela diretoria da agência, consta a proposta de renovação da cota de tela para filmes brasileiros nas salas de cinema, bem como, a cota de conteúdo nacional no serviço de TV por assinatura.

Ao O Globo, Joelma Gonzaga, titular da Secretaria do Audiovisual do Governo Lula, citou a pandemia como um dos maiores empecilhos para a visibilidade e disse que o Estado precisa intervir para que os filmes brasileiros não caiam no esquecimento.

“A pandemia deu uma dilacerada geral. Temos discutido como se dará essa volta da cota de tela e que tipo de ampliação fazer. É outra batalha prioritária da SAv junto com a Ancine. (Os filmes) acabam à margem, perdidos dentro dos grandes lançamentos. Se o Estado não intervir, isso não vai mudar. Os filmes brasileiros não chegam à população brasileira”, afirmou.

O Cineinsite A TARDE tentou contato com a direção da Ancine e aguarda posicionamento sobre o tema.

O povo está pagando os filmes, mas não está recebendo-os de volta [...] Esses filmes brasileiros pertencem ao povo brasileiro

Lula Oliveira - cineasta soteropolitano

Alternativas

No entanto, "para além da cota de tela", reflete Lula Oliveira, "é necessário pensar e operacionalizar uma estrutura de exibição de filmes que também consiga sair dessa estrutura das salas comerciais e chegue em espaços culturais com qualidade de projeção para a sociedade brasileira. Que ela possa assistir aos filmes nos seus próprios bairros.” E ele questiona: “não existem salas na periferia da cidade de Salvador, não existem salas no interior da Bahia e do Brasil. Como é que o povo vai ao cinema?”.

“Você não tem políticas e estrutura para fazer com que as pessoas consumam esses filmes nas escolas públicas municipais, estaduais, na própria universidade. O que é que fomenta os filmes brasileiros dentro da universidade, dentro das escolas públicas? Também não chega na sociedade brasileira porque não tem política de canal público de TV, a gente não vê política de um streaming que leve os filmes para sociedade brasileira, onde essas pessoas possam acessar”, complementa.

Para alcançar visibilidade e relevância social, o primeiro caminho que a maioria dos cineastas encontram é o circuito de festivais de cinema. Com o seu poder de revelar talentos e premiar obras, esse modelo de apresentar filmes de curta e longa duração se estabeleceu como norma para alcançar sucesso comercial: se um filme é premiado no festival de Roterdã, Cannes ou Tiradentes, por exemplo, ele pode ser contemplado com diversos benefícios e possíveis acordos de distribuição comercial.

Mas para Karen Suzane, “a distribuição do curta ainda é um processo muito cruel pros realizadores”. “É comum inscrever um filme em 300 festivais e passar em cinco, oito, ou 12 destes. Por vezes, um filme alcança a marca dos 30, mas não é uma tarefa fácil”, lamenta.

“A produção tem uma demanda reprimida”, comenta Lula Oliveira. “Tem muitos filmes que estão buscando espaço em festivais e não conseguem não por falta de qualidade, mas falta de janela e espaço nos festivais.”

Quanto ao lado financeiro, são outras as dificuldades. Suzane revela que são poucos os festivais de cinema que arcam com o licenciamento [valor para exibir o filme] e despesas de passagem e estadia do produtor.

E encontramos ainda outras questões. “É um espaço de seletos filmes para um seleto público. Ele não é um espaço da massa, do povo”, comenta Lula.

A gente faz um filme e queremos que esse filme seja visto, que seja discutido

Karen Suzane - cineasta

De qualquer forma, “estudar distribuição é importantíssimo para quem quer fazer longa-metragem, principalmente o primeiro longa-metragem”, lembra Karen Suzane. Ela, que esteve recentemente na Holanda para discutir o financiamento de “Quatro Meninas”, seu primeiro longa-metragem que foi selecionado pela Hubert Bals Fund, um dos mais importantes fundos internacionais de apoio ao desenvolvimento de filmes independentes, para desenvolvimento de roteiro, ressalta que no exterior se começa a produzir já pensando na distribuição.

“Seu filme vai ganhando selos, selos de festivais importantes, de curadores importantes, que vão te dando uma certa relevância no mercado”, diz ela, ao citar sua experiência em um dos maiores encontros de cinema do mundo, o Festival de Cinema Internacional de Roterdã, na Holanda.

“É preciso pensar: para quem é esse filme? Por que ele é relevante? Onde ele tem que passar para ser relevante?”. Mas isso com cautela. “É aquela coisa, eu tento me desprender destes aspectos e fazer o meu filme do meu jeito. Porque se não você também não tá fazendo o filme, você tá fazendo uma coisa para um festival. Meu processo é esse. E pensar que a distribuição faz parte do roteiro”, enfatiza

Cineasta mineira Karen Suzane ressalta que é preciso estudar a distribuição na hora de conceber o roteiro do filme
Cineasta mineira Karen Suzane ressalta que é preciso estudar a distribuição na hora de conceber o roteiro do filme | Foto: Divulgação

“O que faz o cinema é o público", lembra Oliveira. "É o público que vai desejar novos filmes e é o público que vai fazer com que esses filmes reflitam sua própria vivência, sua própria existência e faça com que a sociedade possa, também, criticamente se ver e se transformar, que é uma dinâmica muito silenciosa, mas assim que se dá a transformação numa perspectiva cultural, é o acesso à arte, a exposições, teatro, cinema, podemos trazer essa reflexão para um campo mais amplo."

Um século já se foi desde que um italiano fez o primeiro filme brasileiro. E junto com todas as conquistas já alcançadas, é possível ainda levar o cinema nacional a um próximo estágio em que este se relacione mais fortemente com a população do seu próprio país e, quem sabe, como a Coreia do Sul, alcançar relevância global? Talento é o que não falta.

*Sob supervisão de Bianca Carneiro

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Tags:

a matriarca Cinema Baiano Cota de Tela Dia do Cinema Nacional Distribuição de Filmes Karen Suzane Lula Oliveira

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
“Turma Da Mônica: Lições” foi o filme brasileiro de maior alcance em 2022, ano em que as exibições nacionais nos cinemas não chegaram a 5%
Play

Websérie explora cultura ancestral de aldeia Xukuru-Kariri

“Turma Da Mônica: Lições” foi o filme brasileiro de maior alcance em 2022, ano em que as exibições nacionais nos cinemas não chegaram a 5%
Play

Filme do Mamonas Assassinas está disponível; saiba onde assistir

“Turma Da Mônica: Lições” foi o filme brasileiro de maior alcance em 2022, ano em que as exibições nacionais nos cinemas não chegaram a 5%
Play

Última temporada de "Dom" chega ao Prime: "Intensa e visceral"

“Turma Da Mônica: Lições” foi o filme brasileiro de maior alcance em 2022, ano em que as exibições nacionais nos cinemas não chegaram a 5%
Play

Aviões do Forró rouba a cena no Festival de Cannes; assista

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA