A TARDE BAIRROS
Pescadores, o bem do MAR
Apesar das dificuldades crescentes, Itapuã tem uma característica que facilita a pescaria
Por Divo Araújo
Itapuã sempre teve a pesca como parte da sua essência. Esse vínculo começou muito antes dos portugueses chegarem por aqui. Os Tupinambás, que viviam na Aldeia de Itapuã, já eram mestres na arte de pescar. Depois, veio a pesca da baleia, trazida por portugueses e espanhóis, que fez sucesso pelo dinheiro que movimentava. Mais tarde, ex-escravizados mantiveram viva essa conexão da localidade com o mar. Com o passar do tempo, a atividade foi mudando, mas o elo entre Itapuã e a pesca nunca se quebrou. Mas, hoje, como vivem os pescadores de lá?
A resposta para essa pergunta não é animadora, segundo Arivaldo de Sousa Santana, o Ari Pescador, 56 anos, presidente da Colônia de Pescadores de Itapuã. “A situação não é das melhores”, lamenta. Ele aponta problemas como a sobrepesca, causada por pescadores sem licença profissional, e a falta de fiscalização das práticas predatórias. A pesca, que já foi o motor econômico da comunidade, segundo ele, enfrenta agora desafios como poluição, mudanças climáticas e desorganização nas políticas públicas.
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Ari Pescador, que cresceu vendo a luta dos pescadores pela preservação do território, destaca que Itapuã conta hoje com cerca de 720 pescadores associados à colônia. Grande parte deles não é de Itapuã, como explica Ari. “A gente representa também muita gente de Buraquinho, do Rio Vermelho, Boca do Rio, Gamboa, São Joaquim e até do Subúrbio também”, afirma ele, atribuindo o número de inscritos na colônia à gestão. “Quem respeita o pescador é o próprio pescador.” De acordo com Ari, a renovação hoje é quase inexistente. “Os jovens não querem mais pescar, porque não dá dinheiro. A gente só se sustenta”, lamenta. “A grande maioria dos pescadores aqui da Colônia está na faixa de 40 a 55 anos. Tem pouquíssimos abaixo dos 30 anos”, diz ele.
História e saudosismo
Quem já viu muitas mudanças na vida dos pescadores de Itapuã é Ulisses dos Santos, 83 anos, que começou na atividade aos 12. “Eu cheguei muito novo na pesca por necessidade”, conta Seu Ulisses, olhando para o mar da Rua K. “Eu fui criado pelo meu avô e avó. Mas, quando tinha 12 anos, meu avô morreu e eu precisava sustentar a casa”, diz. Quem o colocou na pesca foi um tio conhecido por Né, mestre de um barco chamado Flor do Bonfim. “Depois que comecei a pescar, não quis mais saber de estudar, de nada, só de partir para o mar.”
Seu Ulisses viu muita coisa durante suas décadas no mar e também tem saudades de como a atividade era praticada no passado. “Antes, os pescadores eram uma irmandade, um ajudando o outro. Era uma maçonaria”, conta. “Eu ajudei a criar os filhos de meus colegas e eles ajudaram a criar meus filhos. Se eu fosse pro mar e você não, quando eu chegasse, mandava peixe lá para sua casa. Mas virou ganância. A turma de hoje só faz um desfazer do outro”, critica.
Sobre a oferta de peixes no mar, Seu Ulisses também acredita que ficou mais difícil achar peixe no mar. “Qualquer lugar ali perto daquelas pedras, você ancorava e já estava pegando peixes”, diz ele, apontando para os recifes da Rua K. “Agora, para encontrar, você tem que correr duas milhas para fora da costa.” Ele atribui a dificuldade para achar os peixes também à pesca predatória. “O que arrasou com a pesca aqui foi uma coisa chamada mergulho com compressor. A gente pegava a lagosta aqui com laço. Fazia um laço como se lançava cachorro antigamente para botar na carrocinha”, lembra.
Apesar das dificuldades crescentes, Itapuã tem uma característica que facilita a pescaria, mesmo que precise navegar por algumas milhas, como apontou Seu Ulisses. “A plataforma continental em Itapuã é a mais estreita do Brasil”, conta o biólogo e pescador Roberto Pantaleão, coordenador de pesca artesanal da Bahia Pesca, órgão do governo do estado. “Se você sair de Itapuã em seis milhas, está na quebra do talude, que é onde chegam os peixes oceânicos. Em Santa Catarina, por exemplo, para você chegar nessa quebra, você tem que andar 80 milhas, quase 150 quilômetros”, explica ele.
Defeso ajuda
Apesar do saudosismo de Ari e Seu Ulisses, Pantaleão diz que a vida do pescador no passado era ainda mais difícil. “Quando comecei a pescar profissional, na década de 70, o pescador não tinha nenhum tipo de direito. Ele não conseguia nem se aposentar. Hoje ele já consegue, com um salário, como um trabalhador rural”, explica. Outro ponto que melhorou a vida do pescador, avalia Pantaleão, é que hoje existem mecanismos de salvaguarda da atividade em períodos nos quais não se pode pescar, por exemplo, camarão e lagosta. É o chamado defeso. “Muita gente acha que o defeso é um benefício social. Na verdade, não é. O defeso é um mecanismo de preservação ambiental. Mas acaba ajudando o pescador.”
O presidente da Colônia de Pesca de Itapuã, Ari Pescador, admite que o defeso é um mecanismo que ajuda muito a categoria. “Muitos pescadores não estavam inscritos na colônia porque achavam que não ia resolver nada. Mas, depois que viram os outros recebendo benefícios como o defeso, decidiram se inscrever”, conta. Além da aposentadoria por idade e do defeso, os pescadores hoje têm direito a auxílio-acidente, auxílio-maternidade e auxílio-doença.
Ari reclama do atraso no pagamento do Defeso por parte do governo do Estado. “Muitas vezes, o Defeso deveria ser pago em abril ou maio, e só recebemos em janeiro do ano seguinte”, diz ele. Já Seu Ulisses lamenta a falta de reconhecimento aos pescadores que ajudaram a construir Itapuã. “Antes, Itapuã só tinha a Rua de Cima, a de Baixo e a do Meio. Hoje, tem muitas ruas e deram muitos nomes. Mas procure ver se tem alguma rua com o nome de pescador aqui. Nenhum foi homenageado.”
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