SONS DO TERREIRO MUNDO
Raízes sagradas: blocos afro e afoxés celebram relação com o candomblé
Projeto Sons do Terreiro Mundo, do A TARDE Play, ouviu os blocos afros e afoxés de Salvador
Por Edvaldo Sales*
A ancestralidade está diretamente ligada aos blocos afros e afoxés que abrilhantam o carnaval de Salvador. É uma conexão direta e natural, até porque, o primeiro desses blocos surgiu em um terreiro de candomblé. O Ilê Aiyê, o qual celebra seu 50º aniversário neste ano, foi criado em novembro de 1974 por Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, no terreiro Ilê Axé Jitolu, de Hilda Jitolu, que fica sediado na ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade.
>>> Blocos afro e afoxés celebram décadas de resistência em 2024
>>> Pioneirismo e tradição no carnaval de Salvador
>>> Blocos afro foram fundamentais para valorizar locais marginalizados
Ouvidora geral do Estado da Bahia e diretora do Ilê Aiyê, Arany Santana, afirma que o “terreiro foi um grande celeiro que deu margem a essa explosão de blocos afros e de afoxés”. “Os afoxés antecederam os blocos afros, porque todo afoxé, obrigatoriamente, nasce de um terreiro de candomblé. Todo e qualquer afoxé. Mas o bloco afro não, ele é mais contemporâneo, ele só tem 50 anos”, pontua, em entrevista ao projeto Sons do Terreiro Mundo, do A TARDE Play.
O bloco afro já é uma escola que, ao vislumbrar o afoxés, recria uma modalidade nova que não é obrigatório que as pessoas sejam de terreiro. Ele sofistica tudo. A indumentária, a dança, os amarrados, as cantigas, se criam novas músicas, e as músicas se reportam à Mãe África, à cultura africana.
Nesse sentido, o percussionista e pesquisador Gabi Guedes enfatiza que a música afro vem abrindo portas há séculos. “Até hoje é assim. Os toques que se apresentam nas festas populares, nas festas de largo, nos carnavais, toda essa formação rítmica vem dos terreiros, desde a época do Pixinguinha. As batidas vêm dos terreiros. As pessoas sempre pesquisaram sobre o samba, que vem do candomblé também”.
Prestes a completar 75 anos de existência, o Afoxé Filhos de Gandhy também tem uma relação muito forte com a ancestralidade. “O Filhos de Gandhy tem muito a ver com o candomblé porque quem compõe o bloco são todos de axé. O bloco é o candomblé. O candomblé tem uma irmandade muito forte com esse bloco. Entre os elementos que evidenciam a relação do gandhy com o candomblé tem água de cheiro, a alfazema, o milho branco, a pipoca, a pomba da paz. Tudo que tem no candomblé tem no Gandhy”, diz o Babalorixá Pai Toinho.
“É raro ser de um bloco afro e não ser do axé”
Integrantes do maior balé afro do mundo, o Malê Debalê, o bailarino Agnaldo Fonseca e a dançarina Juliete Ribeiro destacaram a importância do candomblé para o grupo. “Os blocos afros têm compromissos políticos, de resistência negra, de ocupar espaços dentro dos seus referenciais estéticos e, principalmente, de religiosidade”, inicia Fonseca.
Segundo ele, “por mais que seja um lugar profano, de rua, a ancestralidade está ali presente. Quando a gente fala de rua, fala dessas encruzilhadas. Os terreiros são de extrema importância porque é preciso nos prepararmos. Todas as nossas insurgências negras vieram pelo corpo”.
“Os espaços de axé foram as primeiras organizações negras de potencialização, porque quando chegamos aqui na condição de escravizados o único lugar que o negro se segurou foi a nas suas heranças ancestrais africanas. Foram elas que mantiveram eles para resistir como estamos resistindo até hoje. Os espaços de terreiro são de extrema importância para manter firme essa fé”, conclui.
Já para Juliete Ribeiro, “não há como falar dos blocos afros se não tiver ligado a um terreiro de candomblé, porque as danças partem desse locais, essa ancestralidade, onde a gente trabalha os arquétipos e as simbologias dos orixás”.
[...] A gente não sai para mostrar o nosso trabalho sem antes ir no axé fazer todo o preparo. A gente não pode ir para uma festa de rua de peito aberto. É raro ser de um bloco afro e não ser do axé. É coligado, não tem como separar
Outro bloco que faz questão de enaltecer suas raízes é Olodum, que, conforme o presidente Marcelo Gentil, “tem um envolvimento enorme com a religiosidade afro-brasileira”.
O papel do Olodum enquanto bloco afro é dar a sua contribuição para manter viva e reconhecida a religiosidade afro-brasileira, que é a religiosidade a qual eu pertenço.
Legado da ancestralidade
Fundada em 13 de dezembro de 1993, em Salvador, pelo mestre de bateria Neguinho do Samba (1945-2009), que também criou o samba-reggae e marcou, em definitivo, a Bahia no mapa mundial da música, a Didá é a primeira banda de percussão formada só por mulheres negras do Brasil. Para a diretora de projetos da banda e primeira maestrina feminina de samba-reggae, Adriana Portela, os tambores do grupo “ecoam os sons de matriz africana”.
“Para além de ser uma banda feminina, nós também herdamos esse legado da ancestralidade. Não se pode dizer que não tem um paralelo entre os tambores de samba-reggae e os tambores do terreiro de candomblé. Nós usamos células de matriz africana dentro do nosso ritmo samba-reggae. Não há como não participar dessa conexão”, completa.
Artista plástico e criador do Cortejo Afro, Alberto Pitta, destaca que o candomblé não é importante apenas para o cortejo, mas sim para os blocos afros. “O Ilê Aiyê foi fundado dentro de um terreiro de candomblé. A partir disso, várias comunidades começaram a fundar seus blocos afros e seus afoxés e, naturalmente, feitos por pessoas ligadas aos terreiros de candomblé. Daí isso vira uma tradição. Todo afoxé e bloco afro tinha a sua mãe de santo”.
Ou seja, o candomblé legitima o carnaval negro e baiano.
*Sob supervisão de Bianca Carneiro
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes