EDUCAÇÃO
Costa Azul abriga, lado a lado, dois polos de excelência na educação
Colégios público e privado são referências em educação de qualidade em Salvador
Por Divo Araújo

O Costa Azul tem uma característica única: abriga, lado a lado, duas escolas que ilustram as diversas faces da educação brasileira. De um lado, o Colégio Estadual Thales de Azevedo, símbolo de resistência e engajamento social.
Do outro, o Colégio Cândido Portinari, referência entre as particulares pela proposta humanista e desempenho acadêmico. Com cerca de 1.200 alunos cada, as instituições, apesar das diferenças de história e método, compartilham o compromisso com a formação integral dos estudantes.
Dos dois, o primeiro colégio a chegar ao Costa Azul foi o Cândido Portinari. Em 1993, iniciou suas atividades na Rua do Canal, na Pituba, e, já no ano seguinte, mudou-se para a sede atual.
Segundo o diretor Aleci Silva, o prédio foi o primeiro de Salvador projetado exclusivamente para funcionar como escola, com rampas, acessibilidade e salas planejadas para as necessidades pedagógicas.
“Na época, era comum adaptar casas para virarem escolas. Aqui, desde o primeiro dia, tudo foi concebido para o ensino”.
Três anos depois, em 1997, foi a vez da Thales de Azevedo abrir as portas. A professora de História Tamara de Menezes conta que a construção da escola fez parte do projeto de revitalização do Parque Costa Azul, que incluía também a biblioteca pública Thales de Azevedo.
“A escola foi uma conquista junto com a requalificação da área”, lembra.
Segundo Tamara, desde o início o Thales de Azevedo se destacou na rede pública pela estrutura diferenciada e proposta pedagógica.
“Temos teatro para 150 pessoas, sala de dança, sala de música, quadra e anfiteatro. Tudo integrado ao projeto educacional, oferecendo uma formação que vai além do português e da matemática, proporcionando uma educação completa”, ressalta.
DNAs das escolas
Para Aleci Silva, o Portinari se destaca pela proposta humanista e pelo cuidado individualizado com cada aluno. “Conhecemos cada estudante pelo nome, compreendendo suas particularidades”, explica.

Esse acompanhamento e o foco no desenvolvimento socioemocional fazem parte do DNA da escola que, mesmo crescendo, preserva o compromisso de tratar cada aluno como indivíduo, valorizando a formação integral.
A proposta do Thales de Azevedo também vai além da formação acadêmica tradicional e busca preparar os alunos para a vida.
“Não oferecemos apenas uma educação pragmática para passar nos grandes vestibulares, mas formamos cidadãos, capacitando-os para o mundo do trabalho e para a participação ativa na sociedade”, destaca Tamara.
Essa visão, diz ela, amplia o papel da escola para além das disciplinas básicas, promovendo uma educação que desenvolve competências sociais, culturais e éticas essenciais.
Para a diretora do Thales, Elisângela Lopes Marques, a intencionalidade educativa está profundamente enraizada no DNA do colégio, que desde sempre problematiza questões sociais e promove debates sobre desigualdade e direitos humanos.
“A escola sempre integrou essas pautas, desde trabalhos emblemáticos como o projeto ‘Brasil País Desenvolvido’, em 2008, até a recente implementação da Lei 1639, que ampliou a curricularização para incluir debates sobre raça, opressões, homofobia, capacitismo e outras formas de discriminação”, explica.
A professora Emmanuelle Andrade, coordenadora de novos alunos que atua no Portinari há 29 anos, destaca o compromisso em manter viva a identidade do colégio.
“Os fundadores deixaram um grande legado dentro da comunidade e hoje a gente tenta sustentar essa filosofia”, conta.
Apesar das mudanças e do crescimento da instituição, essa herança permanece intacta, acrescentou ela, sustentada por uma equipe comprometida com a proposta humanista que marcou o início da escola.
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Segundo o diretor Aleci Silva, a integração do Portinari à Rede Inspira, hoje a segunda maior rede de educação do país, ampliou as possibilidades da escola sem que sua identidade fosse perdida.
“A Rede Inspira valoriza e respeita a cultura e o DNA de cada escola, mesmo que as propostas pedagógicas sejam diferentes entre as unidades”, explicou ele. A rede, fundada por educadores, reúne 105 escolas em 19 estados brasileiros, e tem na Bahia um de seus principais polos.
Capital humano
Outra característica que aproxima as duas unidades de ensino é o investimento no capital humano. “Há um forte sentimento de pertencimento entre todos os envolvidos — corpo docente, funcionários e estudantes — que mantém vivo o legado da escola.
Esse alinhamento cria um ambiente de cooperação e engajamento que reforça a identidade do Thales como uma instituição de referência na rede pública”, diz a professora Tamara.
Elisângela Lopes observa que o ensino oferecido pelo Thales está diretamente ligado ao nível de qualificação do corpo docente.
Segundo ela, professores com especialização, mestrado e até doutorado não apenas dominam o conteúdo, mas também ampliam o olhar dos estudantes para além do senso comum.
“Quando o professor investe na sua carreira acadêmica e volta para a sala de aula, ele faz entregas intencionais, comprometidas com a formação integral do aluno”, enfatiza.
Já os professores do Portinari incorporaram as Olimpíadas do Conhecimento à rotina pedagógica de forma entusiasmada, transformando-as em um projeto coletivo.
Mais do que apenas preparar os alunos para as competições, eles estimulam a curiosidade, o estudo autônomo e o gosto por desafios intelectuais. Esse engajamento se reflete nos resultados: em 2024, a escola conquistou um número recorde de medalhas, obtendo destaque nacional.
Relação com o bairro
Se os colégios têm muito em comum, a forma como se relacionam com o bairro apresenta características distintas. O Portinari aproveita o Parque Costa Azul como uma extensão da sala de aula.
Atividades com as famílias e projetos de educação financeira reforçam a conexão com o cotidiano do bairro. Cerca de 40% dos alunos moram em bairros próximos como Costa Azul, Stiep e Imbuí.
Segundo Patrícia Almeida, gerente de marketing do Portinari, o projeto de educação financeira é um exemplo de integração com a comunidade.
“Do primeiro ao quinto ano, os alunos visitam o supermercado GBarbosa, aqui no bairro, para viver uma experiência prática de compras.
Eles observam preços, leem rótulos, fazem cálculos, entendem a importância do troco e passam pelo caixa. É sensacional, porque nesse momento eles deixam de apenas acompanhar a família para assumir o papel de responsáveis pelas decisões de compra”, explica.
A relação dos alunos do Thales com o Costa Azul é diferente. Mesmo para aqueles que não residem no bairro, o local se torna um ponto de referência no dia a dia.
Pela posição estratégica, muitos estudantes conciliam a rotina escolar com estágios, empregos ou cursos preparatórios, aproveitando a facilidade de acesso e a proximidade com serviços e oportunidades da região.
Para Tamara de Menezes, isso se deve tanto ao perfil diverso do corpo estudantil quanto à localização estratégica da escola.
“Muitos alunos dessa escola não são do Costa Azul, mas a gente também tem alunos que moram aqui nas redondezas, nos bairros mais próximos. E isso é mais uma prova de como o Thales tem um projeto educacional de excelência, porque a gente tem alunos de vários lugares que vêm para cá”, destacou.
Mesmo assim, a escola enfrenta um desafio comum na rede pública: a evasão no ensino médio. “Ainda que a escola ofereça diversos atrativos e um espaço seguro, existem questões que vão além de nós”, afirmou.
Segundo Tamara, a vulnerabilidade econômica de grande parte dos estudantes impacta diretamente na permanência deles.
Nesse cenário, iniciativas como o programa Pé de Meia têm sido essenciais: “É um projeto que nos auxilia a garantir ou reduzir e minimizar a evasão desses alunos”, completou.
Entre pontes e muros
Os estudantes do Portinari demonstram uma forte conexão afetiva tanto com a escola quanto com o bairro onde ela está inserida.
Manuela Barcellano, 17 anos, aluna do terceiro ano, conta que os alunos aproveitam os horários livres para explorar e conhecer o bairro, reforçando o sentimento de pertencimento.
Mas, apesar da proximidade geográfica, a relação com os alunos do Thales de Azevedo, ainda é marcada por certa distância, embora haja respeito mútuo entre os estudantes.
Davi Mariano, estudante do terceiro ano do Portinari, destaca essa relação distante entre os alunos do seu colégio e os do Thales de Azevedo, que ficam praticamente , “parede com parede”.
“A gente acaba segregando duas instituições. Mesmo sendo vizinhos, não há muita interação entre o Thales e o Portinari, até por diferenças de locomoção e estrutura. Não existe uma rivalidade, mas também não se cria amizade, não existe essa troca entre os dois colégios”.
A relação dos estudantes do Thales também é marcada pelo sentimento de pertencimento. Filipe Celestino Farias, 16 anos, valoriza os projetos de extensão do colégio, que envolvem parcerias com universidades, órgãos governamentais e outras instituições, ampliando sua formação cultural, acadêmica e profissional.

Apesar da convivência diária com o Portinari, ele observa pouca interação entre as duas escolas. Para Filipe, o Thales se diferencia pelo engajamento político que estimula nos alunos, além das ações sociais e culturais.
Apesar de serem referências em suas respectivas redes e vizinhos, Thales de Azevedo e Portinari mantêm uma distância que vai além dos muros das instituições.
Alunos e professores das duas escolas raramente interagem ou desenvolvem projetos em conjunto, refletindo uma desconexão que contrasta com a proximidade física e o potencial para trocas enriquecedoras.
Esse cenário evidencia desafios ainda presentes na integração entre as redes pública e privada, mesmo em contextos em que ambas buscam contribuir para a formação integral dos estudantes.
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