ANÁLISE
Abordagem policial de jovens negros incita debate sobre questão racial
Especialistas destacam impacto do racismo estrutural em caso de filhos de diplomatas
Por Madson Souza
O caso dos três adolescentes negros filhos de diplomatas que foram abordados pela Polícia Militar, no Rio de Janeiro, na última quarta-feira, chamou atenção no país. Enquanto os outros dois jovens brancos não foram alvos da ação, os três adolescentes tiveram armas apontadas em sua direção.
Foram registrados 70 casos de racismo e intolerância religiosa no Centro de Referência Nelson Mandela (CRNM), vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), no primeiro semestre deste ano.
“Acho muito importante que se diga que esse tipo de abordagem que esses jovens negros sofreram agora no Rio de Janeiro teve repercussão porque eles são filhos de diplomatas de outros países e isso gera uma tensão, um constrangimento internacional para o Brasil. Mas esse tipo de abordagem acontece todos os dias com muitos jovens negros, Brasil afora, nos bairros periféricos e isso é naturalizado pela sociedade brasileira”, afirma a promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, Lívia Sant’Anna Vaz.
“Nós somos enxergados e, principalmente, os nossos jovens negros como potenciais riscos sociais. São corpos ameaçadores, pessoas que são consideradas ameaças à sociedade”, afirma a advogada e presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB Bahia, Camila Carneiro.
Por isso que a discussão sobre o que é uma “atitude suspeita” é urgente, de acordo com especialistas da área. “Qual a atitude suspeita daqueles garotos? É um debate que vem sendo traçado pelos tribunais, principalmente pelo Superior Tribunal de Justiça e precisa ser reforçado. A gente sabe que quando esse tipo de concepção fica em aberto, o racismo acaba interferindo na subjetividade da atividade dos agentes e das instituições”, afirma Lívia Sant’Anna.
A solução é pelo viés da educação, de acordo com a titular da Sepromi, Ângela Guimarães. “É preciso educar as pessoas e as instituições, fazer campanhas de conscientização permanente para que, de fato, a gente confronte esses estereótipos racistas, os perfilamentos raciais das instituições, os vieses inconscientes. A saída é uma educação antirracista e crítica em todas as instituições. É um compromisso de toda a sociedade”.
Foram 46 casos de racismo, 18 de intolerância religiosa e 6 ocorrências correlatas dos 70 registros feitos no Centro de Referência Nelson Mandela (CRNM), vinculado a Sepromi, no primeiro semestre de 2024 no estado. No mesmo período de 2023, foram 80 ocorrências (52 de racismo, 22 de intolerância religiosa e 6 correlatas).
Vale ressaltar que há subnotificação das ocorrências, como explica a gestora. “Esses números representam a realidade de quem conhece os instrumentos e mecanismos de denúncia e que se sente à vontade para denunciar. A gente sabe que não há uma só uma única fonte de entrada de denúncias e muitas pessoas não denunciam. Mas vemos um crescimento de consciência da população e que elas têm procurado denunciar”.
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