Mães em condições de saúde especiais dão lição sobre amor e família | A TARDE
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Mães em condições de saúde especiais dão lição sobre amor e família

Mulheres mostram que é possível zelar por elas mesmas e pelas pessoas que amam

Publicado domingo, 28 de abril de 2024 às 06:00 h | Autor: Priscila Dórea
Ana Carolina Sousa Coimbra e o filho Christian
Ana Carolina Sousa Coimbra e o filho Christian -

A maternidade exige tempo, paciência, desprendimento para tornar o bebê prioridade… Mas e quando essa mãe precisa, também, lidar com as exigências da condição de seu próprio corpo? “Tenho epilepsia, então quando soube que estava grávida fiquei com muito medo. Hoje, digo com todas as letras: sou uma mãe guerreira e faço tudo pelo meu filho”, afirma Ana Carolina Sousa Coimbra, mãe do Christian, de 10 anos. Epiléptica desde bebê, Ana Carolina mantém um cuidado redobrado consigo e também com o filho, que é autista.

Com 36 anos e fazendo uso de medicamento contínuo desde a infância, Ana Carolina conta que optou pela cesárea com medo de ter uma crise durante o parto. “Já tive crises quando estava sozinha com o Christian, por isso preciso me manter atenta a nós dois. Uma grande preocupação pra mim hoje é o bullying, que sofri muito na infância e tenho medo do mesmo acontecer com ele, pois muitas pessoas confundem o autista com a criança em si, e esquecem que é uma criança pequena ali”, desabafa ela.

Apesar da epilepsia, Ana Carolina leva uma vida relativamente comum. Antes de Christian nascer, inclusive, ela trabalhava em uma empresa de transporte, mas por causa das demandas diárias dele, passou a cuidar do filho de forma integral. “E muita gente me ajuda. Os profissionais da AMA (Associação de Amigos do Autista da Bahia) e do CRE-TEA (Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista) são essenciais na minha rede de apoio emocional. Assim como a minha família. Consigo sentir quando uma crise vai acontecer e geralmente ligo para meu irmão mais velho nessas horas, que vem correndo em meu socorro”, conta.

Ter uma rede de apoio forte quando o nosso corpo não nos atende como antes é o que faz total diferença no bem viver, afirma Laurides Farias - a Lau -, que desde 2016 convive com o diagnóstico de HTLV, vírus da família do HIV que infecta células que defendem o organismo. Os primeiros sintomas de Lau apareceram em 2019, com a dificuldade de locomoção sendo o principal deles. Na época, ela entrou num quadro grave de depressão e foi sua rede de apoio que a manteve firme.

“Sem todo o suporte que tive da minha família, vizinhos, da associação HTLV Viva e de uma equipe médica interdisciplinar, acho que eu não teria evoluído tanto”, afirma Lau. E tal rede de apoio sólida, aponta a psicóloga clínica de terapia cognitivo comportamental, Paula Regina Nascimento de Carvalho, cria um sistema resiliente de suporte para essas mães, pois esse apoio junto ao acompanhamento psicológico são cruciais para as mães com deficiência (PCD).

“Isso proporciona a assistência prática que precisam no dia a dia nas tarefas domésticas, cuidados com os filhos e transporte, permitindo que elas cuidem melhor das crianças e de si mesmas”, explica a psicóloga. No caso de Lau, uma das pessoas que mais sentiu o peso de sua nova condição foi sua neta, Camille Victoria, com cinco anos na época. Acostumada a ir com a avó para todo canto, a dificuldade de locomoção de Lau trouxe mudanças, mas até hoje ela é quem cuida da neta enquanto a filha, Valesca, vai trabalhar.

“Sempre que eu estava abatida, sem querer comer e sem controle da bexiga, por exemplo, ao ponto de fazer xixi na sala e cair no choro, era Camille que vinha até mim e dizia: não fica assim minha avó, vai melhorar. E ela é assim até hoje. É quem mais me incentiva e até me tornei mais vaidosa por causa dela”, afirma a avó orgulhosa da jovem Camille, que hoje está com 9 anos.

  • Laurides Farias e Camille Victoria
    Laurides Farias e Camille Victoria |
  •  Dona Maria das Graças Bispo, Kauê Gabriel Novais e Joice Machado
    Dona Maria das Graças Bispo, Kauê Gabriel Novais e Joice Machado |
  • Dona Maria das Graças Bispo, Kauê Gabriel Novais e Joice Machado
    Dona Maria das Graças Bispo, Kauê Gabriel Novais e Joice Machado |
  • Laurides Farias e Camille Victoria
    Laurides Farias e Camille Victoria |
  • Ana Carolina Sousa Coimbra e o filho Christian
    Ana Carolina Sousa Coimbra e o filho Christian |

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Outro questão central para essas mães é a segurança, explica a psicóloga Paula Regina, especialmente para as com limitações motoras ou cognitivas, pois precisam garantir que suas condições não comprometam a segurança de seus filhos. “Além disso, o estigma e a discriminação ainda são desafios enfrentados por mães PCD, que muitas vezes são julgadas pela sociedade sobre à sua capacidade de serem mães competentes”, aponta.

E claro, se manter em atividade, seja encontrando novas formas de continuar com antigas práticas e/ou encontrar novas. Lau, por exemplo - que ano passado foi Rainha das Pretas -, era cuidadora de idosos, e hoje trabalha na Associação HTLV Vida (@htplvida) orientando e acolhendo quem chega. Ela também participa do Parapraia Salvador (@parapraia) - grupo que promove banho de mar assistido, esporte e lazer adaptados para PCDs -, assim como a aposentada Maria das Graças Bispo Machado, de 71 anos.

Também com um diagnóstico de HTLV e mobilidade prejudicada, Maria das Graças - com cinco filhos (um já falecido), dez netos e cinco bisnetos -, hoje é artesã, mas ressalta que apesar de sua condição, faz quase tudo dentro de casa “lavo, cozinho e brinco com os meus bisnetos também”, conta. “Me tornei mãe bem nova e tivemos dificuldades, mas sempre tive o cuidado de fazer o possível por eles. Ser mãe é muito gratificante, e ser vó e bisa é melhor ainda, porque a gente tem muito para ensinar para todos eles”, afirma.

Maria das Graças, que encontra na grande família a força para seguir sendo a mãezona de todos, ainda frequenta as atividades da HTLV Viva onde, assim como Lau, luta pela visibilidade daqueles com o diagnóstico igual ao seu. Tais espaços, aponta o advogado Anderson Alberto Dórea e Dórea, possibilitam que essas mulheres, a partir do contato com outras histórias de vida, criem um senso de identificação que torna a jornada menos solitária e cansativa.

Hoje, a legislação brasileira é abrangente, com a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que já estabelece e promove condições de igualdade, direitos e liberdades fundamentais. “No entanto, acredito que é necessário implementar políticas públicas e ações voltadas para disseminar conhecimento na sociedade, a fim de tornar essa inclusão mais efetiva”, explica.

Mãe atípica e advogada, Michele Pereira explica que essa rede de apoio da justiça garante que PCDs sejam tratadas de acordo com as leis de inclusão e direitos humanos. “Isso inclui a defesa contra discriminação, abusos, negligência, violência e outras formas de violação de direitos. Além disso, diversos estados e municípios têm desenvolvido leis específicas para garantir direitos e benefícios às pessoas com deficiência”, pontua.

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Durante muitas e muitas décadas, as pessoas com qualquer tipo de deficiência foram sendo colocadas à margem da sociedade, Hoje, ainda que pouco a pouco, isso tem mudado. Há um esforço contínuo, inclusive, para garantir o acesso das pessoas com deficiência à educação inclusiva em todos os níveis, explica a mãe atípica e advogada, Michele Pereira, presidente da Comissão de Apoio às Pessoas com Deficiência da OAB/BA e da Comissão de Celeridade Processual da OAB/BA - ambas da Subseção Feira de Santana.

“Um esforço que vai desde a educação infantil até o ensino superior. Entretanto, ainda não estamos em um mundo ideal, pois de fato há muito o que ser feito. Infelizmente, todos os dias encontramos notícias sobre violações de direitos, discriminação, capacitismo, maus tratos e agressões físicas, verbais e psicológicas”, lista a advogada. O caminho para diminuir essas violações, reitera Michele Pereira, é promover ações de conscientização e campanhas de combate à discriminação e ao preconceito contra pessoas com deficiência.

Além disso, é importante reforçar também a conscientização e educação da sociedade sobre a diversidade das experiências de maternidade, salienta a a psicóloga clínica de terapia cognitivo comportamental, Paula Regina Nascimento de Carvalho. “Muitas vezes, a percepção pública de mães com deficiência é limitada por estereótipos e preconceitos, o que pode levar a discriminação e exclusão social. A sociedade pode aprender a valorizar as habilidades e a resiliência dessas mães, em vez de focar apenas em suas limitações”, argumenta.

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