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SALVADOR

Mulheres encaram desafios para conciliar maternidade e formação

Apesar da legislação, público sofre com falta de estímulo para seguir o ensino superior

Por Priscila Dórea

29/07/2024 - 6:20 h
As irmãs Tácia e Raísa Muniz, com os filhos Odé Bakari (camisa listrada) e Nilo: duas ‘mães acadêmicas’
As irmãs Tácia e Raísa Muniz, com os filhos Odé Bakari (camisa listrada) e Nilo: duas ‘mães acadêmicas’ -

Com direitos assegurados desde 1975, caso engravidem enquanto cursam o ensino superior, diversas mulheres ainda enfrentam dificuldades para conciliar estudo, maternidade e trabalho. Leis como, a de nº 14.925/2024, sancionada no último dia 17 – que prevê um acréscimo de 180 dias na formação de estudantes com filhos recém-nascidos ou recém adotados –, são um importante avanço, mas insuficientes para garantir a permanência e formação com excelência dessas estudantes, que recorrem à assistência estudantil e a força de coletivos criados, principalmente, por elas mesmas.

“Ser mãe na universidade é muito difícil. Duas, três vezes mais difícil, porque o tempo é reduzido e a rotina muda muito”, afirma a estudante de museologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Tácia Muniz, de 25 anos, mãe de Odé Bakari (2), que nasceu quando Tácia ainda era aluna do EAD da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) – ela se transferiu para a Ufba pouco depois do nascimento de Odé. “Toda a minha rede de apoio estava em Salvador, onde hoje moro com o meu filho e o meu companheiro”, conta.

Foi nos quatro meses de vida do filho que Tácia voltou a trabalhar: ela congelava o leite e o pai ficava com o filho até ela chegar em casa, e ele poder ir para as aulas do curso de geografia.

“Dos seis meses até um ano e três meses de Odé recebemos R$ 330 da assistência estudantil da Ufba, o que ajudava demais na compra de fralda, remédio e alimentação. Então, ele entrou na creche da Ufba, onde passa o dia até hoje, o que facilita muito nossas vidas. Ainda é complicado conciliar tudo, mas tentamos ter finais de semana de qualidade com ele”, explica Tácia, que trabalha no Zumví Arquivo Afro Fotográfico.

“Acredito que a universidade coloca um distanciamento muito grande desse corpo materno. São pouquíssimas bolsas e oportunidades de auxílio para as mães, há exemplo das vagas para equipamentos como a creche. E isso, de certa forma, me afasta da universidade”, explica a produtora cultural e artista, Raísa Muniz, de 31 anos, mãe de Nico Francisco, de quatro anos. Raísa – que é irmã de Tácia – se formou em geografia pela Ufba em 2017, e migrou para o bacharelado interdisciplinar de Artes, e então veio a pandemia e a gravidez.

Ela então precisou interromper a segunda graduação para se concentrar no bebê. “Não consegui conciliar duas, três, quatro coisas. Preciso trabalhar para cuidar do meu filho, mas tenho vontade de fazer mestrado, por exemplo. Para mim, estar em sala de aula é muito importante para manter a mente ativa e ser reconhecida enquanto pensadora”, afirma Raísa, que é artista e produtora cultural.

Luta de movimentos

Quanto à Lei nº 14.925/2024, Raísa não exita em ser direta: “Ela é super importante, mas atrasadíssima, esses são direitos que todas nós devíamos ter garantidos. Além disso, as universidades precisam se engajar mais e reconhecer o papel das mulheres no desenvolvimento da ciência”, aponta.

Para a pedagoga, mestra e doutora em educação Fernanda Souza, professora do curso de pedagogia no Centro de Formação de Professores(as) da UFRB, a nova lei precisa ser compreendida como uma luta dos movimentos de mulheres, em um momento histórico de grandes desafios políticos.

“Ela faz parte da Política Nacional de Permanência Materna nas Instituições de Ensino Superior. Há, inclusive, um grupo de trabalho designado pelo MEC (Ministério da Educação) para debater as condições de permanência materno-estudantil no ensino superior”, explica.

O governo federal, aponta a professora, “se mostra bastante comprometido e sensível com a permanência das mulheres mães acadêmicas, e a lei é um avanço para mulheres e suas crias, mas precisa ser acompanhada de outras políticas”. E quem bem conhece essa realidade é a própria Fernanda Souza, que se tornou mãe durante o mestrado, em 2008, e sem bolsa de pós-graduação, ela conciliava a gestação com o trabalho na educação básica e a pesquisa, sempre viajando entre universidades. “Foi um período muito exaustivo. Acho que não me recuperei do esgotamento e do cansaço até hoje”, assume.

A professora recorda de uma vez que uma pessoa perguntou para seu filho mais velho se a mãe não o levava para a igreja. “Ele não sabia rezar, mas respondeu a ela: minha mãe só me leva na USP”, conta Fernanda.

Rede de apoio vinda da universidade? Não. Todo apoio que a professora recebeu veio da família, pessoas negras e não negras, “que cuidavam de mim coletivamente”, afirma. Hoje, como professora e mãe de Francisco e Gonçalo, ela tem observado de perto isso mudar na UFRB com o Coletivo Lobas.

Foi em dezembro de 2023, em uma assembleia proposta pelo diretório acadêmico de Pedagogia, com a participação do Colegiado e Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso, que as estudantes apresentaram um manifesto com suas reivindicações, formalizando um pedido de apoio ao curso e à universidade: nascia o Coletivo Lobas. Que, entre suas prioridades, busca acolher as mães, criar estratégias para o acolhimento das crianças, reestruturar os espaços do brincar na universidade e, claro, discutir sobre a indissociabilidade entre educação e cuidado em uma dimensão coletiva.

Hoje, o Lobas reúne 60 mães (entre estudantes, docentes e servidoras), 71 crianças, e uma das lideranças do coletivo, a estudante de pedagogia Edivânia Ribeiro, 27, mãe de Pedro Gabriel (7) e Akin (2). Edvânia explica que muitas mulheres já vivenciaram situações de assédio dentro da sala de aula. “Dividimos muitas histórias em nossos encontros e entendemos o que a outra passa. Mas o primeiro passo nós já demos, que foi nos aquilombar e nos fortalecer, agora temos força para externar isso e procurar melhorar a nossa vivência e a de nossos filhos no meio acadêmico”, enfatiza.

Exercício domiciliar

Doutora em educação, Gabriela Souza Rêgo Pimentel, pró-reitora de ensino de graduação da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) – onde a resolução de nº 1607 prevê o exercício domiciliar para estudantes gestantes e puérperas –, salienta que, além de ter essa atualização da Lei aprovada, é necessário criar “mecanismos dessa política no contexto da prática, no contexto da universidade”. “É importante também que as instituições organizem seus espaços acadêmicos para atender essa legislação”, enfatiza.

Estudante de pedagogia da Uneb, Andressa Almeida Sampaio, 21, descobriu que estava grávida de Mayla – que faz três meses amanhã – no 4º semestre do curso. “Pensei seriamente em trancar o curso, pois sabia que não seria fácil conciliar essa nova fase da minha vida (maternidade) e os estudos”, afirma.

Mas ela se matriculou para o 5º semestre, e frequentou as aulas até a 39ª semana de gestação, quando entrou de licença e começou a receber as atividades domiciliares. “Foi bastante complicado, mas com o apoio dos meus colegas e professores consegui finalizar mais um semestre”, lembra.

A auxiliar de serviços gerais de 36 anos, Thamirys Ramos Souza, também é estudante da Uneb, onde cursa letras, no Campus XVIII, em Eunápolis, e já passou por uma série de dificuldades tentando conciliar a sua formação acadêmica com a criação dos filhos: Nicollas (12), Anna Sophia (9), e as gêmeas Anna clara e Anna Júlia (5 meses). “Entendo que a presença de uma criança em sala de aula incomoda e às vezes até constrange, mas é a realidade de uma mulher que deseja estudar e ter uma carreira”, explica.

As gêmeas nasceram prematuras e ainda não podem ficar sozinhas, mas as aulas de Thamyris voltam já em agosto. “Pedi à universidade por aulas remotas e exercícios domiciliares, mas me negaram, e eu não sei o que fazer. Nós, mulheres, largamos tudo para cuidar de nossos filhos, e o que imagino no momento é precisar parar com os estudos por não ter essa rede de apoio”, lamenta.

Por mais políticas de manutenção

A Lei 14.925/2024 – que atualiza a Lei nº 13.536/2017, que garantia apenas 120 dias a mais na formação de estudante com filhos recém-nascidos ou recém adotados – se tornou um passo importante na permanência e conclusão dos estudos de mães e pais universitários. Mas ainda há muito a ser discutido, analisado e pensado. “É necessário a ampliação do orçamento das universidades para que essas possam, de fato ampliar os investimentos nas políticas de permanência de mulheres”, aponta a pedagoga, professora da UFRB, mestra e doutora em educação, Fernanda Souza. Um exemplo é o debate sobre a ampliação do auxílio-creche, no que diz respeito ao valor, grupo etário, número de mulheres atendidas e o seu papel.

Outro ponto é incluir as discussões sobre raça e gênero, numa dimensão interseccional, “pois é preciso compreender os efeitos do racismo na maternidade negra”, salienta a professora.

E, sobretudo, há a necessidade de compreendermos que a educação e cuidado das crianças é uma responsabilidade coletiva. “A ampliação dos Núcleos de Educação Infantil (NEI) são essenciais, tanto nas escolas de aplicação, quanto nas brinquedotecas universitárias, nas universidades interiorizadas. Inclusive, os dados sobre maternidade universitária precisam ser mais precisos nas universidades para a implementação das políticas de permanência”, afirma a especialista.

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