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Prefeitura não arrecada nem metade dos recursos de Salvador

Inadimplência e baixa execução de débitos fazem da capital baiana refém de repasses do estado e União

Publicado segunda-feira, 12 de dezembro de 2022 às 19:08 h | Atualizado em 13/12/2022, 17:12 | Autor: Alan Rodrigues
Prefeitura insiste em aumento de IPTU enquanto deixa de cobrar milhões de ISS
Prefeitura insiste em aumento de IPTU enquanto deixa de cobrar milhões de ISS -

Com a segunda maior dívida do nordeste e a sexta maior do país, Salvador é hoje uma cidade refém das transferências do Estado e da União, além de empréstimos sucessivos contraídos nos últimos anos. Em contrapartida, a arrecadação do município não cresce no mesmo ritmo de outras capitais.

Entre os motivos, a fiscalização insuficiente, questionamentos de cobranças abusivas ou a estagnação econômica. O resultado dessa equação é uma dívida que só cresce, diante de uma receita que não acompanha.

Em uma cidade onde o setor de serviços é a principal atividade econômica, a baixa arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), que vem caindo em relação ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pesa na receita do município e compromete a sua capacidade de investimento.

Em 2013, a receita de ISS era de R$ 819.920.883,92, 150% superior ao montante arrecadado no IPTU, R$ 327.019.574,03. Em 2021 o ISS colocou nos cofres municipais (R$ 1.233.177.396,96) menos de 50% do valor apurado com o IPTU (R$ 824.480.857,38).

IPTU, aliás, que está na iminência de ter o reajuste proposto pela Prefeitura votado nesta terça, 13, e pode onerar ainda mais o contribuinte.

Vários fatores contribuem para a redução na proporção entre os impostos. Além da elevação do IPTU a partir de 2013, devido à atualização da planta de imóveis de Salvador, mudanças na fiscalização e ausência de execução judiciária vêm causando evasão de receita e desequilíbrio nas contas públicas.

Karla Borges, professora de direito tributário e auditora fiscal, explica que, como a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, o natural seria que o montante arrecadado do imposto tivesse crescido exponencialmente nesses últimos dez anos.

Isso devido ao crescimento do consumo, evolução dos preços e à inclusão na legislação de novos serviços (antes não tributados), a exemplo de alguns serviços bancários, armazenamento ou hospedagem de dados, aplicativos, sistemas de informação, plataformas de streaming, entre outros. Mas, o que se viu foi a elevação do IPTU e do ITIV (Imposto de Transferência Inter-Vivos) desde 2014.

“O IPTU é um imposto sobre o patrimônio, por isso pesa e onera demais os proprietários de imóveis quando ocorrem aumentos elevados, afinal, a grande maioria tem o bem para morar e não para investimento. Já o ISS é direcionado ao exercício de uma atividade econômica que seria a prestação de um serviço oneroso, incide um percentual de 2 a 5% sobre a receita tributável”, explica Karla.

“Se o contribuinte ou empresa presta um serviço, recolhe o imposto correspondente. Se ele não tiver receita, não tem obrigação de pagar o tributo. Com o IPTU, o contribuinte tem obrigação anualmente de pagar, independentemente da sua capacidade contributiva ou da destinação que dê ao seu imóvel”, complementa a professora.

O valor declarado pelo prestador de serviços é a base para o recolhimento do ISS e apenas um fiscal tributário tem o poder de consolidar os créditos declarados através das notas emitidas ou identificar possíveis sonegações.

Quando isso não acontece, o tempo corre a favor do devedor e contra o interesse público. Sem autuações e, consequentemente, sem inclusão na dívida ativa do município, os débitos prescrevem no prazo de 5 anos e o dinheiro que deveria financiar os investimentos da Prefeitura, escorre pelo ralo.

Judicialização

Se o ISS é um imposto auto-declarável, o IPTU, por sua vez, é estipulado pelo município e lançado anualmente. No entanto, os valores cada vez mais altos têm resultado numa inadimplência igualmente crescente, o que só piora o desequilíbrio das contas da capital baiana.

Em 2020, o total de IPTU lançado foi de R$ 1,491  bilhão, mas a arrecadação foi de R$ 585 milhões, uma inadimplência de mais de R$ 830 milhões. Boa parte dessa inadimplência pode ser explicada, além dos valores exorbitantes, pela insegurança jurídica causada pelas mudanças aprovadas em 2013, no primeiro ano de gestão de ACM Neto, que se encontram até hoje ‘sub judice’.

O vereador e professor de direito tributário Edvaldo Brito, membro da comissão de finanças da Câmara e relator do orçamento de 2023, explica como essa indefinição afeta a arrecadação. Segundo ele, os votos de desembargadores questionando a alteração da base de cálculo do IPTU, tem servido de base para impedir a cobrança do IPTU.

“Esta forma de agir da Prefeitura está levando à judicialização”, afirma o vereador, que vê uma tendência de juízes de seguir a orientação contida nos votos já conhecidos dos desembargadores. “Quando o contribuinte ingressa com embargo ou anulação, ele não paga”, resume Edvaldo Brito.

Divergências à parte, o que se verifica é a total dependência de Salvador de transferências federais e estaduais, bem como de financiamentos externos. No exercício de 2020 a receita própria realizada de Salvador foi de pouco mais de R$ 2,6 bilhões, enquanto as transferências da União e do Estado totalizaram quase 3,5 bilhões.

Isso significa que a arrecadação do município não chega à metade (47,1%) do dinheiro utilizado e os investimentos com recursos próprios não são sequer a quinta parte de tudo que é aplicado na cidade (17,7%), o que coloca Salvador como a quarta capital com menor capacidade de investimento do país.

Sem dinheiro para investir, a Prefeitura recorre à cobrança de IPTU e, com relativa frequência aos empréstimos, quase sempre autorizados pela Câmara. Enquanto isso, a dívida ativa já alcança os R$ 22 bilhões, mais uma distorção provocada pelos equívocos na política tributária, como explica Edvaldo Brito.

“Se a prefeitura tem um estoque de R$ 22 bilhões, qualquer cidadão pode questionar o aumento de impostos”, sentencia o vereador, que “ensina” como reverter essa orientação. Segundo ele, o contribuinte que oferecer um imóvel avaliado em 5 ou 6 vezes o valor da execução, com base nas cifras consolidadas a partir da atualização da planta de valores, pode receber dinheiro de volta.

“O contribuinte tem que alegar obrigação real (propter rem, na linguagem jurídica)”, explica, que é quando o objeto que se tem a oferecer ao município é o próprio bem sobre o qual incide o tributo. Segundo Brito, a cobrança proposta pelos procuradores do município, inclusive com solicitação de sequestro de contas em valor corrente, não é exclusiva, nem única. “Não se está discutindo o débito monetário e, sim, em função da coisa (propter rem)”.

Enquanto as ações se acumulam nos tribunais , a dívida do município só aumenta e os investimentos ficam cada vez mais escassos, deixando Salvador à mercê de repasses federais e estaduais e reduzindo a capacidade de planejamento e atração de grandes empreendimentos.

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