CONSCIÊNCIA
Proibição de canudos de plástico é bem recebida entre empresários
Consumidores também aprovam a medida como necessária à preservação ambiental
Por Priscila Dórea
Altamente poluente de águas doces e salgadas, com média de decomposição de 200 anos, os canudos plásticos estão com os dias contados. Há anos, em um processo irreversível, o produto vem sendo proibido em diversas partes do Brasil e do mundo, e agora chegou a vez de Salvador. A medida é quase unânime entre empresários e consumidores.
Sancionada no último 19 de março, a Lei nº 9.805/2024 proíbe hotéis, restaurantes, bares, padarias, clubes noturnos, salões de dança e eventos musicais de qualquer espécie - entre outros estabelecimentos comerciais - de fornecerem canudos plásticos. Em caso de descumprimento, a multa pode chegar a R$ 8 mil. No lugar do plástico, poderão ser oferecidos canudos em papel, material comestível ou biodegradável - com embalagens individuais feitas do mesmo material.
Para o empresário Carlos Eduardo, o Dudu do Telão, que há dez anos lidera o bar Atelier do Telão (Barra), os canudos de plástico já deveriam ter sido proibidos há muito tempo. “Não é algo que ofereço, canudos ou mesmo copos plásticos, mas tem cliente que pede. Ano passado, passei a usar os de papel, mas ultimamente está bem difícil achar no mercado, então precisei comprar os de plástico”, lamenta.
Das garrafas às latas – e até o plástico que envolve os packs de latinha de cerveja –, o empresário busca reciclar o que for possível do lixo que seus negócios produzem. Além do estabelecimento na Barra, ele também é o proprietário do Bar do Telão, na Liberdade. “Reduzir o consumo de plástico e reciclar é algo que faço desde a adolescência, por isso acho que essa lei é muito necessária, ainda que precisemos estudar o fornecimento desses canudos alternativos. Além de ser difícil de encontrar, um pacote de 25 ou 30 canudos de papel custa uns R$ 12, enquanto 500 de plástico você encontra por R$ 6”, relata o empresário.
Com os últimos quatro canudos plásticos para fornecer aos clientes, o vendedor ambulante Lucinaldo Santos de Almeida, que há 25 anos vende bebidas no Farol da Barra, conta que a próxima compra já será de produtos de papel. “Se é lei, a gente tem que cumprir, mas os canudos de papel não são muito bons, pois se dissolvem muito rápido e podem acabar gerando prejuízo para o comerciante. O bom é que não acredito que a mudança vai afetar muito as minhas vendas - é uma ou outra pessoa que pede, principalmente quem está com criança”, conta.
De autoria do vereador André Fraga (PV), a Lei nº 9.805/2024 foi aprovada na Câmara de Vereadores em 2023, sancionada na semana passada e tem como objetivo diminuir o lixo plástico na cidade. Os estabelecimentos que oferecem canudos plásticos terão o prazo de até um ano e meio para se adaptar à nova regra, e o descumprimento da lei pode acarretar penalidades como advertência, intimação, multas de até R$ 8 mil e fechamento da unidade.
Mercadoria mais cara
Presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação do Estado da Bahia (FeBHA) e do Sindicato dos Hotéis, Restaurantes Bares e Similares de Salvador e Litoral Norte (SHRBS), Sílvio Pessoa afirma que todos têm a obrigação de cuidar do meio ambiente, principalmente pelo fato de o plástico demorar tantos anos para se decompor. “Agora temos um ano e meio para nos adaptar e encontrar caminhos alternativos que melhor funcionem para cada negócio, seja tirando de vez a opção do canudo ou investindo em outro tipo”, afirma.
A preocupação de Silvio está em saber onde os donos de estabelecimentos vão encontrar esses canudos, em especial os de papel, cuja fabricaçãol se concentra principalmente em São Paulo. “Isso, claro, torna o produto mais caro. Mas com outras opções na mesa, como retirar os canudos e oferecer copos aos clientes, ainda não é possível prever o quanto e se essa proibição vai custar caro aos proprietários. Sobretudo, a lei deve ser cumprida e os proprietários devem encontrar os caminhos mais viáveis”, orienta.
De acordo com Sílvio Pessoa, essa é uma lei que deve, pouco a pouco, “alcançar todo o Estado”. Ele explica que não há dados na FeBHA ou no SHRBS sobre quantas cidades baianas proíbem esse fornecimento, mas Salvador não foi a primeira. Em 2019, a prefeitura de Lauro de Freitas sancionou uma lei vetando o fornecimento de canudos plásticos na cidade, e a adaptação foi muito tranquila, afirma Misael Cirilo, proprietário do Mineirim Restaurante, localizado no bairro Vilas do Atlântico, em Lauro de Freitas.
Houve um estranhamento no início, explica ele, “aquele momento de adaptação e tudo o mais”, mas a população e os donos de estabelecimentos não demoraram a se acostumar. “Nós, como empregadores e empreendedores, temos que entender a importância de encontrar formas de preservar o meio ambiente. Entender que aquele item pequeno de plástico que você deixou de jogar na rua já faz a diferença. A mudança é grande, o custo não é tanto e beneficia todo o planeta”, afirma Misael.
Adepta do não uso de canudo, a artesã Ana Maria dos Santos levanta o fato de que o consumo da maioria das bebidas pode ser feito sem ele. "Claro que existem exceções, assim como existe uma funcionalidade real do canudo para crianças menores e pessoas com alguma dificuldade motora, por exemplo. Então, sim, deve existir a opção de pedir canudo, desde que ele seja feito de algum material menos poluente. Porém, precisamos investir na educação sobre esse assunto com a população em geral, mostrando que reduzir o consumo não traz grandes diferenças no dia a dia", afirma.
Professor e diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Francisco Kelmo explica que a sanção da lei foi uma medida assertiva. “Tínhamos que começar por algum lugar, e encaro essa lei como o primeiro grande passo para tentar retardar a destruição do meio ambiente. Recentemente, inclusive, a Ufba aprovou a sua política ambiental, em que objetos descartáveis como canudos, pratos e talheres, devem ser substituídos por materiais menos danosos ao meio ambiente. Espero que o mesmo aconteça em nossa cidade”, torce o diretor.
Canudos, sacolas, talheres, garrafas PET e afins são consumidos em grande quantidade e não são biodegradáveis, reitera Francisco Kelmo, e ao longo dos anos se acumulam. Nem sempre esse lixo é tratado, reciclado ou sequer corretamente descartado. “Muito desse lixo chega ao mar, trazendo prejuízo também para a vida marinha. Acho que o que todos precisam, não apenas aqui em Salvador, na Bahia e no Brasil, mas no mundo inteiro, é que seja desenvolvido um pouco mais de consciência e preocupação com a qualidade do meio ambiente”, deseja.
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