MOBILIDADE
Segurança no novo túnel é motivo de preocupação
Parte da população soteropolitana mostra desconfiança; secretário garante fiscalização
Por Priscila Dórea
O túnel de 825 metros que deve transportar cerca de três mil pedestres por dia do Campo da Pólvora ao Comércio ainda está bem longe de começar a ser construído, mas já tem atiçado a curiosidade e dividido opiniões em Salvador. “Quando soube disso, fiquei me perguntando para que a gente ia ter que ir para baixo da terra, para um lugar abafado, para ficar caminhando. Achei meio doido, mas então meu filho explicou que lá embaixo vão ter esteiras rolantes e aparelhagem de ventilação”, conta a aposentada Denise dos Santos Souza, de 68 anos, que pretende experimentar pelo menos uma vez as esteiras do túnel.
A obra ainda se encontra no projeto executivo – onde se reúne e analisa quais serão os elementos necessários para a sua execução –, que tem 120 dias para ser entregue. “Um dos objetivos do túnel é fortalecer toda a região, canalizando os passageiros e facilitando a circulação de quem trabalha no entorno. Ele também vai levar o metrô para a Cidade Baixa, fazendo conexão com outros modais, como os planos inclinados e o Elevador Lacerda”, explica o titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), Luiz Carlos de Souza.
Uma das principais dúvidas da população sobre o túnel tem sido o nível de segurança que ele terá e o titular da Seinfra explica que as esteiras rolantes – que serão separadas por um espaço para caminhar, caso a pessoa prefira fazer o trajeto andando –, vão ser monitoradas por câmeras de segurança. “É um espaço onde não há muitas opções de fuga, é um tipo de equipamento muito diferente de um ônibus, por exemplo, onde um assaltante pode obrigar o motorista a parar em qualquer viela e nunca mais ninguém o acha. O túnel terá três estações e com o monitoramento, em caso de qualquer incidente, haverá tempo suficiente para abordar o indivíduo”, explica.
Essa questão da segurança, inclusive, virou pauta de conversa na casa do porteiro Inácio Oliveira, de 39 anos. “Eu e minha família chegamos a levar uns bons minutos teorizando como a segurança iria rolar quando vimos a notícia, porque é um túnel a metros da superfície com esteiras em movimento. Só fico imaginando o terror que as pessoas mal intencionadas podem causar em um local assim se não houver uma segurança forte e eficiente”, reflete.
Quem também não está colocando confiança nos possíveis esquemas de segurança – e outros aspectos do equipamento –, é o antropólogo e ex-secretário de Projetos Especiais de Salvador, Roberto Costa Pinto. “Realmente não entendo esse projeto. O subterrâneo para o pedestre no Brasil ainda é um perigo! Como vão conservar esses túneis de 50 metros de profundidade? Vai ter um esquema de segurança 24h, de forma permanente?”, questionou durante entrevista à Rádio Metrópole na última terça-feira, 14.
O estudioso ainda aponta que o dinheiro que será gasto com a obra poderia ter um destino bem diferente e que melhor atendesse às reais necessidades que a infraestrutura da cidade têm atualmente. “Estando o Centro Histórico tão abandonado, por que R$ 300 milhões para isso? Esse dinheiro faria do Centro uma coisa inteiramente nova, dava pra enterrar a fiação toda, fazer um parque histórico no Pelourinho… Eu realmente não entendo”, enfatizou o antropólogo.
Projeto modificado
Autor do projeto que serviu de base para a obra do túnel, o professor, arquiteto e articulista de A TARDE, Paulo Ormindo, conta que foi em 2019 que, através de um convênio firmado entre a Prefeitura de Salvador e a Unesco, a Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) o contratou para fazer três relatórios sobre o Centro Histórico. Uma consultoria paulista ligada à Universidade de São Paulo (USP) também havia sido contratada para analisar a mobilidade de todo o Centro Antigo da capital baiana e os consultores, lembra Ormindo, mostraram que só havia uma maneira de resolver o problema: alargar a Av. Sete e a Baixa dos Sapateiros.
“Fui o único a dizer em bom baianês que eles estavam delirando. Meus relatórios e propostas eram tão pouco convencionais que nem foram discutidos, mas por sorte vazaram. A proposta exótica consistia em integrar o Centro Histórico ao restante da cidade por vias subterrâneas e aéreas. Assim, a minha proposta foi a de construir um túnel para pedestres que se ligaria ao nível mais baixo da Estação do Metrô do Campo de Pólvora, passando sob a Baixa dos Sapateiros e chegando ao Terreiro de Jesus”, explica Ormindo.
De lá para cá o projeto original sofreu algumas mudanças e em novembro de 2022, Paulo Ormindo foi convidado a comparecer à Seinfra para, mais uma vez, discutir o projeto. “Eles haviam contratado uma empresa mineira para avaliar o projeto e queriam mudar a saída do túnel para o pé da Ladeira da Montanha. Eu e a diretora da FMLF, Tânia Scofield, argumentamos que aquele era um ponto muito conflitivo e que seria melhor manter o túnel saindo no eixo da Rua dos Ourives, com o que o secretário aparentemente concordou”, conta o professor.
Paulo Ormindo conta ter se alegrado ao saber que a prefeitura está abrindo licitação para desenvolver o projeto executivo do Túnel Campo da Pólvora/Comércio. Uma obra que vai no caminho contrário ao que ele chama de ‘viadutomania’, que é persistente em Salvador, cidade que hoje talvez possua o maior número de viadutos urbanos do país, estima ele. “Até o metrô, que em todo o mundo é subterrâneo, em Salvador é aéreo, assim como o BRT que tem sido construído em um viaduto, e esta cultura rodoviarista explica bem a ojeriza a uma passarela subterrânea”, afirma.
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