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ENTREVISTA: FABRIZZIO MULLER

Subsídio poderá diminuir novos reajustes na tarifa de ônibus

Em entrevista ao Portal A TARDE, secretário de mobilidade comentou aprovação de projeto no Senado

Por Daniel Brito

19/02/2022 - 13:12 h | Atualizada em 19/02/2022 - 20:27
Segundo Muller, dependendo de quanto Salvador receber, próximos reajustes na tarifa de ônibus poderão ser menores
Segundo Muller, dependendo de quanto Salvador receber, próximos reajustes na tarifa de ônibus poderão ser menores -

Ocorrida no Senado Federal na última quarta-feira, 16, a aprovação do projeto de lei que destinará R$ 5 bilhões ao pagamento das gratuidades de idosos nos sistemas de transporte por ônibus no país ainda precisa passar pelo crivo da Câmara e do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas já traz grandes esperanças para os gestores das capitais brasileiras, inclusive Salvador.

Na capital baiana, o repasse do recurso poderá impedir grandes aumentos na tarifa do transporte coletivo, segundo o secretário municipal de Mobilidade, Fabrizzio Muller. Em entrevista ao Portal A TARDE, o chefe da Semob falou sobre o assunto e as expectativas para a chegada do recurso à cidade, que, segundo ele, ainda não tem valor exato definido.

Muller também comentou outras questões, como o pedido do Ministério Público baiano para que 100% da frota de ônibus esteja disponível durante os horários de pico, além dos episódios recentes envolvendo ex-funcionários da CSN (Concessionária Salvador Norte), que reclamam do não pagamento de verbas trabalhistas.

O gestor ainda falou sobre transporte irregular, BRT e outras ações da pasta no que diz respeito à mobilidade urbana como um todo. Ele revelou que há planos para mudanças no sistema de táxi, na ampliação de ciclovias e também na gestão dos ascensores, como o Elevador Lacerda e os três planos inclinados da cidade (Liberdade-Calçada, Gonçalves e Pilar).

Na última quarta-feira, 16, foi aprovado o projeto de lei que vai destinar R$ 5 bilhões para a gratuidade de idosos nos ônibus. De que forma a chegada desse recurso vai impactar o transporte de Salvador?

O projeto nasceu de uma constatação, que é a necessidade efetiva de apoio federal nesse assunto do transporte público nas grandes cidades do Brasil. Ele vem passando por uma crise que se iniciou antes da pandemia, mas que veio se agravando durante ela. O que nos pareceu muito claro e fácil de demonstrar foi a existência de uma lei federal que obriga a gratuidade dos idosos, que é justa, legítima e necessária, mas alguém precisa pagar, pois não pode ficar a cargo das concessões. Como ela vem de uma lei federal, parecia justo que houvesse dinheiro para cobri-la. Por isso, saiu o projeto de lei. Esse recurso vindo vai cobrir a gratuidade do idoso, que é a maior que temos no sistema, e nos dá mais conforto até para que esse recurso possa entrar na conta da modicidade tarifária. O que é a modicidade tarifária? É tudo o que pode ser usado para reduzir custos, e isso não se transforma em lucro, se transforma em modicidade tarifária, reflete numa tarifa mais justa para o usuário. Vindo para a cidade, esperamos transferir para o sistema nessa modalidade. Pode trazer até reajustes menores durante esses anos ou mesmo, dependendo da quantidade, não haver aumento. Isso dependerá de quanto e quando virá para Salvador.

Comenta-se que, dos R$ 5 bilhões nacionais, R$ 64 milhões virão para a capital baiana. Esse valor já está mesmo confirmado?

Na verdade, o que se tem hoje são estimativas com base no que cada município transporta de idosos. Nós temos esse controle de quantos idosos utilizam o sistema de transporte nos últimos anos, então esse recurso é proporcional à população de cada cidade. Não há ainda uma definição correta ou confirmada desse valor.

A audiência de conciliação que discutiria a questão da frota de ônibus foi adiada para 9 de março. O Ministério Público tem solicitado 100% da frota nos horários de pico, mas a Semob sustenta que, nesse período, esse percentual está disponível. Esses 100% dizem respeito ao total do que existe hoje de ônibus na cidade?

O que o Ministério Público vem solicitando é 100% da frota que existia antes da pandemia. E nenhum tipo de sistema de mobilidade é dimensionado pelo pico. Se isso fosse feito [colocar a frota do pico durante todo o dia], traria uma ociosidade muito grande nos outros horários. Essa hora-pico dura 1h-2h30 durante a manhã e à tarde. Hoje, a nossa frota não é a mesma de antes da pandemia por uma razão muito simples: se formos considerar o que havia de estimativa de pessoas sendo transportadas antes da pandemia, são 11 milhões de pessoas a menos. E os contratos hoje em vigência no Brasil não têm um valor “X” de frota, até porque ela é dimensionada para um determinado número de pessoas. Então a frota de 2019 estava equilibrada e ajustada para transportar aquele número. Em 2021, houve uma redução de 11 milhões a menos por mês. Então ela é ajustada por esse número. No pico, a frota está 100% utilizada.

O que ficou definido na última reunião é que a Semob, junto com as concessionárias, irá realizar análises técnicas de linhas com maior demanda. Hoje existem linhas na cidade que têm o mesmo número de viagens de antes da pandemia, pois a dinâmica e os números continuam iguais. Vamos olhar com bastante atenção identificando linhas com maior demanda, e que possamos equilibrar com outras linhas ou migrar. Isso é algo que já estamos fazendo no dia a dia: buscar novas soluções, novas estratégias.

Mas é possível fazer esse eventual remanejamento de frota de uma linha para outra sem prejuízos à linha que perdeu?

Sim, e isso já é feito em alguma medida todos os dias. A equipe de fiscalização, por exemplo, quando está nas estações, ao ver uma linha que está mais carregada, com uma demanda maior de passageiros, cuja oferta esteja necessitando de uma ajuda, ela realoca veículos de linhas que estão com demanda ociosa. Algumas têm os ônibus reguladores, que não têm linha definida. Mas pode ser feito também com linhas menos demandadas naquele momento.

Nos últimos dias, temos acompanhado manifestações de ex-funcionários da CSN (Concessionária Salvador Norte), que têm reclamado do não pagamento de verbas trabalhistas. Afinal, o que é ou foi de responsabilidade da prefeitura nessa situação?

Quando foi fechado o acordo entre o sindicato dos rodoviários e a empresa, a prefeitura participou como facilitadora desse processo. Levantamos naquele momento que a empresa detinha créditos de aproximadamente R$ 20 milhões, relacionados ao reequilíbrio econômico do contrato durante o início da pandemia, antes da intervenção. Esse recurso foi integralmente pago pela prefeitura, depositado em juízo, numa conta da justiça do trabalho, utilizado para pagar parte das verbas rescisórias. Não foi totalmente pago porque a dívida total era de cerca de R$ 74 milhões apenas de rescisões trabalhistas. O restante do valor viria da venda de terrenos que foram dados pela CSN e seus acionistas para leilão, mas esses terrenos ainda não foram vendidos, Neste momento, não temos mais responsabilidade, pois a venda precisa ser feita pela empresa e seus acionistas. Essas manifestações têm trazido prejuízo à cidade e o pior: danos ao equipamento das outras empresas. É um prejuízo enorme, pois os usuários ficam prejudicados, os danos trazem prejuízo às concessionárias e à cidade como um todo. Nosso jurídico está preparando tudo o que é necessário para entrar com representação criminal contra quem tem cometido esses atos para que as autoridades tomem as medidas cabíveis no sentido de identificar e punir. Na próxima semana, já deveremos estar com essas representações prontas.

Após a saída da CSN do sistema, quem assumiu a operação foram as outras concessionárias. Antes tínhamos três empresas, agora temos apenas duas. É viável permanecer dessa forma? A licitação para contratar uma outra empresa não será retomada?

Nós temos contratada através da Arsal (Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços Públicos de Salvador) uma consultoria que está analisando os melhores cenários para o transporte público na cidade. E eles podem ser diversos, considerando até mesmo a manutenção da operação das linhas por apenas duas empresas, uma vez que o sistema hoje é diferente de 2015, quando a concessão se iniciou, pois temos o metrô que acaba impactando no equilíbrio financeiro do sistema, sendo que em breve ainda terá o BRT e o VLT (monotrilho). Isso tudo está sendo analisado do ponto de vista operacional e econômico/financeiro para que seja avaliado o melhor cenário - e quando falamos em melhor cenário, falamos em um cenário eficiente, sustentável e equilibrado, pois se não tivermos um sistema eficiente e ele não for equilibrado do ponto de vista econômico, não se sustenta. Essa consultoria está, entre outros estudos, analisando se o melhor cenário é ter uma terceira empresa, se é manter apenas duas, e devemos até o final de março receber esses resultados. Se o melhor resultado for uma terceira empresa, todo o processo licitatório será retomado.

Em março, teremos o retorno das aulas presenciais em faculdades e universidades, como a Ufba por exemplo. A Semob já vem se planejando para isso?

A gente tem feito toda essa análise. Hoje, temos uma redução no número de passageiros de 35% quando comparado ao período anterior à pandemia, e uma redução de aproximadamente 25% da frota. À medida que esses passageiros vão retornando, vamos precisar reposicionar a frota no sentido de poder atendê-los. Portanto, estamos atentos, sim, a esse cenário e a necessidade de modificações na frota está dentro do nosso radar.

Sobre o BRT, estamos vendo a continuidade das obras. Quando elas deverão ficar prontas e o sistema finalmente vai entrar em operação?

O trecho 1, em frente ao Iguatemi, já está pronto, faltam alguns detalhes das estações. O trecho 3 (Parque da Cidade - Pituba), que fica pronto antes do trecho 2 (Lapa - Parque da Cidade), temos a previsão de que esteja pronto ainda no primeiro semestre. Temos a expectativa de que assim que isso acontecer, haja funcionalidade para o início da operação, com linhas que atendam a região da Pituba até a Rodoviária. Essa operação já está sendo definida, estamos em discussão bastante avançada com as concessionárias sobre a aquisição dos veículos, e parte da frota já será elétrica, com energia limpa e renovável. Segundo a empresa contratada para as obras, entre maio e junho, no mais tardar julho, elas serão concluídas. Na sequência, precisaremos entrar com equipamentos nas estações, e imaginamos que a operação possa começar entre agosto e setembro. E a frota será totalmente diferenciada e adequada, até porque para operar o BRT, os veículos precisam ter porta do outro lado. Serão novos, adquiridos com esse objetivo específico.

Os sistemas BRT têm como característica a presença de ônibus articulados, que medem entre 17,7 e 23m de comprimento e estão em capitais brasileiras que adotaram o modal. Quando foi divulgado, o projeto de Salvador também contemplava esses veículos. Estão confirmados?

O BRT é dividido em algumas fases. Nessa primeira fase, do Iguatemi até a Pituba, não houve necessidade de ônibus articulados na demanda que foi calculada. Para outras linhas e já para o outro trecho, que vai até a Lapa, aí sim já há previsão, pelos estudos executados pela Semob, de veículos desse tipo.

A Secretaria de Mobilidade, como o próprio nome diz, trabalha em diversas frentes, e não apenas no transporte por ônibus. O que vem sendo feito nas demais áreas? Quais projetos estão sendo pensados?

Temos trabalhado, por exemplo, na construção de um plano municipal cicloviário para a cidade, que está sendo feito e foi contratado através do Banco Mundial com apoio financeiro do governo britânico. A cidade avançou muito nessa área de ciclovia e ciclofaixas. A gente saiu de 38 km em 2012 para 310 km em 2021. É um avanço relevante, mas entendemos a necessidade de ter esse plano bastante estruturado, que faça uma análise mais minuciosa da cidade e de suas possibilidades de ampliação do sistema cicloviário, inclusive com conexões entre ciclovias. Esse plano deve ser entregue nos próximos quatro meses. Em outras áreas, temos trabalhado para estruturar um sistema de gestão de táxi que vai funcionar como aplicativo oficial para o usuário, uma plataforma de gestão - a gente quer trazer de volta esse modal, que é seguro para o cidadão, onde temos todos o controle e fiscalização. Queremos trazê-lo de volta para a cidade, pois ele perdeu muito espaço nos últimos anos e o consideramos importante. Estamos trabalhando também em processos de avaliação de concessão dos ascensores da cidade, das estações do BRT.

Essa concessão dos ascensores significa concedê-los para que a iniciativa privada os administre?

É uma possibilidade que estamos avaliando, estamos estudando. Nossos ascensores, diferente de outras cidades onde são apenas turísticos, mesclam duas características: a do transporte público e do turismo. Exemplificando, o Elevador Lacerda transporta milhões de pessoas por ano e mistura essas características, o Plano Inclinado Liberdade-Calçada que não é tão turístico assim, e outros equipamentos com viés mais turístico, como os planos inclinados Gonçalves e Pilar. Estamos avaliando as possibilidades, pensando e trabalhando na modernização, mas pensando também em outros modelos de gestão para esse tipo de equipamento.

Voltando ao transporte por ônibus: com a chegada da pandemia, o chamado transporte irregular passou a ter uma maior adesão na capital baiana. O que a Semob tem feito nos últimos anos em relação ao assunto?

No último ano, reforçamos as equipes que fazem esse enfrentamento [ao transporte irregular]. Ele vem crescendo muito nas grandes capitais e vem impactando de maneira muito forte o transporte oficial. Temos a absoluta certeza que isso contribui para o número de acidentes, pois muitos desses equipamentos não possuem condições de trafegabilidade e de segurança, muitos condutores já foram flagrados sem habilitação, não respeitam normas de trânsito. Cresceu muito nos últimos anos e temos buscado esse enfrentamento. É difícil, pois dentro da cidade, a Semob tem pouco apoio de outras instituições. O Ministério Público vem ajudando nessa sensibilização a outros órgãos municipais e estaduais dentro da cidade para que possamos reunir esforços a fim de fazer esse enfrentamento. Temos operações diárias. No ano passado, foram mais de 400 veículos apreendidos. Trabalhamos intensamente, mas sabemos que não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Um ponto levantado por especialistas e estudiosos na área de mobilidade é de que o transporte irregular existe porque há demanda, que é gerada por falhas estruturais ou pontuais do transporte convencional. A Semob concorda com isso, aplicado à realidade de Salvador?

Em alguma medida isso pode, sim, ser verdade, mas não é só isso. Nós sabemos que o transporte convencional muitas vezes acaba não tendo a flexibilidade do transporte clandestino em locais onde o regular não entra, e acaba dando ao usuário esse tipo de facilidade, atraindo esse público. Mas não podemos esquecer que esse transporte, além dos riscos que já pontuei, desrespeita todos os direitos conquistados pelo cidadão, como meia-passagem e gratuidade, já que não aceitam nenhum tipo de benefício. O enfrentamento não é feito apenas por fiscalização e apreensão. Ele tem que ser feito também observando o amparo. O que temos feito é aumentar a frequência de ônibus regulares onde existe uma grande incidência de clandestinos, melhorar a frota - parte dos novos ônibus com ar-condicionado entrou justamente em linhas que tinham grande impacto desse tipo de transporte - para fidelizar o usuário e trazê-lo de volta, oferecendo maior conforto.

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