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Vídeo: Os desafios de projetos sociais para crianças com microcefalia

Atualmente a ONG Abraço à Microcefalia enfrenta dificuldades quanto à insuficiência de doações

Por Carla Melo

12/09/2023 - 15:35 h | Atualizada em 13/09/2023 - 8:19
João Pedro, 7,  ao lado de  Mirela Monteiro,  fonoaudióloga responsável 
pela ONG Abraço à Microcefalia
João Pedro, 7, ao lado de Mirela Monteiro, fonoaudióloga responsável pela ONG Abraço à Microcefalia -

Há dois anos, a jovem Lourdes Melo, de 23 anos, saia de Pojuca, na Região Metropolitana de Salvador, para a capital baiana em busca de serviços de assistência e acolhimento da ONG Abraço à Microcefalia (@abracoamicrocefalia) para o seu filho Pedro Joaquim, uma criança de seis anos com hidrocefalia - condição que cria acúmulo de líquido excedente nos espaços normais dentro do cérebro.

Ela é considerada uma mãe atípica, termo que está relacionado com um estilo de maternidade singular, que difere das expectativas sociais e culturais. São mulheres que precisam adotar metodologias diferentes em relação à criação dos filhos, em âmbitos como a educação, relacionamentos, estilo de vida. Um desafio que passa pela necessidade da assistência do poder público e do alento proporcionado por projetos que atuam na Bahia. São iniciativas que dependem de doações para a sobrevida, na maior parte dos casos.

“Foi incrível conhecer o projeto Abraço à Microcefalia porque os outros institutos não ofereciam o conforto que meu filho precisava. Nós não nos sentimos realmente abraçados nesses outros lugares. No Abraço temos espaços confortável para nossas crianças, nos juntamos e tomamos café com outras mães. Nos acolhemos. Faz gosto estarmos em um instituto que não olha somente nossos filhos, mas para nós, mães, pois estamos exaustas, vivendo uma maternidade atípica”, explica Lourdes, que ainda concilia a maternidade com a graduação em Gastronomia.

Pedro Joaquim, 6, filho único de Lourdes Melo
Pedro Joaquim, 6, filho único de Lourdes Melo | Foto: Arquivo Pessoal enviado ao A TARDE

Luta diária

A jovem ficou sabendo da instituição através de uma outra mãe atípica, e resolveu entrar para uma lista de espera para receber serviços de fisioterapia e fonoaudiologia oferecidos para famílias com baixas condições financeiras, de forma gratuita. Todas às segundas-feiras, ela sai de sua terra natal, às 5h da manhã, para que seu filho receba os atendimentos a partir das 8h. Agora, ela e outros 335 associados da instituição correm o risco de não mais serem assistidos pelo projeto por insuficiência de doações.

Joana Damásio Passos, mãe de Alice Gabriela, criança com microcefalia, é a responsável pela idealização do projeto. Junto com Elyana Magalhães e Mila Mendonça, elas fundaram a instituição em 2016, período em que o Brasil enfrentava uma epidemia de microcefalia causada pela infecção do Zika Vírus. Ela conta que logo após o nascimento da filha, começou a procurar por serviços e atendimentos específicos para a malformação congênita, já que muitas gestantes haviam sido acometidas pelo vírus, que fez o Ministério da Saúde declarar, em novembro de 2015, estado de emergência sanitária nacional.

“Em abril de 2016, a gente começou um movimento com o objetivo de fortalecer a rede de apoio e promover uma maior qualidade de vida para essas famílias, que eram muitas”, conta a presidente do projeto Abraço à Microcefalia.

Presidente da ONG Abraço à Microcefalia, Joana Damásio Passos
Presidente da ONG Abraço à Microcefalia, Joana Damásio Passos | Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

O que começou com um serviço informal de reuniões e oficinas, em um espaço emprestado na Casa da Previdência, em Nazaré, aos poucos foi ganhando ainda mais forma à medida em que a instituição recebia doações. Eram fornecidos serviços de Terapia Ocupacional, Neurologia, Psicologia, Fisioterapia e Fonoaudiologia, além disso, também eram realizadas ações voltadas às mães atípicas, doações de fraldas e produtos de higiene.

“Nós levávamos psicólogo e fazíamos uma roda de conversa com as mães, fazíamos mutirão da defensoria pública e isso tudo foi se ampliando. Continuamos recebendo doações de pessoas físicas, jurídicas, doações esporádicas e fazemos inscrições em editais para arrecadar recursos”, explica Joana.

Duro golpe

Em 2018, o projeto iniciou a mudança de endereço, e desde 2020 está com local de permissão de uso do Governo da Bahia, em Mussurunga, onde agora se desdobra para permanecer ativo.

“A partir de então começamos a enfrentar outros desafios, não só logo depois da pandemia, em que muitas instituições sofreram para garantir sua sustentabilidade física, mas também sua sustentabilidade financeira. E atualmente esse é o nosso principal desafio. Nós não temos uma receita fixa. Precisamos hoje garantir o nosso espaço, pagamos todos os consumos que temos: água, energia, telefone e pagamento da equipe”, explica ela.

Com o passar dos anos, o projeto passou a oferecer outros serviços, como o de reabilitação para crianças com deficiência e outras condições neurológicas. Segundo Joana, há uma alta demanda por esse serviço, que estende ainda mais a lista de espera. Isso exige também o trabalho da equipe, que deve ser proporcional a essa realidade.

Atualmente, o projeto, que possui 335 associados de diversas regiões metropolitanas de Salvador, sobrevive através da venda de produtos como camisetas, bolsas, canetas e livros, doações de pessoas físicas e jurídicas e editais para realização de ações de impactos sociais. Com a redução nas doações, a instituição precisou reduzir também os custos, principalmente no quadro da equipe, que atualmente são apenas alguns funcionários: Uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta, uma assistente social e um serviço gerais.

“Estamos sempre retomando a importância do nosso trabalho, uma vez que a epidemia do Zika Vírus saiu dos holofotes, veio a Covid-19, e as nossas crianças estão com outras demandas, como inclusão [social], atendimento às mães - [grupo] onde há muito índice de depressão. Então nós, como instituição, estamos nos virando como podemos”, explica a presidente.

Apoio terapêutico e emocional também para as mães atípicas, o projeto precisa de mais ajuda para manter o ciclo ativo. Com as dificuldades financeiras, o projeto corre o risco de fechar as portas e deixar os assistidos sem serviços essenciais para a reabilitação.

Jiliane Santos é mãe de Cássia Luane, de 8 anos, dona de casa e uma das associadas do projeto. Ela conta que o que o Abraço proporciona vai além de serviços assistenciais: é um centro de acolhimento para quem vive uma maternidade atípica, reforçando que não estão sozinhas na luta.

“Tínhamos atendimentos todos os dias, hoje só temos às segundas e às sextas. Nos outros dias o projeto fica de portas fechadas. Eu fico me perguntando: se o Abraço acabar, para onde vão todas as crianças? Hoje nenhum lugar mais as recebe pela idade, e nem temos condições financeiras para custear os serviços em um local particular. O Abraço nos abraçou, e agora é hora de nós, mães, abraçarmos o projeto. Aqui é a nossa casa, é aqui que nos sentimos acolhidos”, Jiliane Santos.

Jiliane Santos, 29, ao lado de sua filha atípica, Cássia Luane, 8 anos
Jiliane Santos, 29, ao lado de sua filha atípica, Cássia Luane, 8 anos | Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

Dever do Estado

O presidente da Comissão de Direito de Pessoas com Deficiência da OAB-BA, Matheus Martins, explica que é dever do Estado dar atendimento público às pessoas com deficiência, e que o meio pelo qual fornecerá ainda é um grande entrave.

“É obrigação do Estado, e isso inclui o município, dar esse serviço, seja através de uma instituição ou de uma instituição de prestação direta ou seja através de uma iniciativa privada. Isso é discutível. Quando falamos desse terceiro setor, que são instituições sociais, geralmente elas devem possuir benefícios tributários, ou outras condições que uma iniciativa privada não teria, para dar uma sobrevida maior no sentido financeiro”, explica.

Matheus Martins, presidente da Comissão de Direito de Pessoas com Deficiência da OAB-BA, professor e pesquisador
Matheus Martins, presidente da Comissão de Direito de Pessoas com Deficiência da OAB-BA, professor e pesquisador | Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE

Entretanto, Martins aponta que não é obrigação total do Estado, porque a sua função é realizar de alguma forma esse atendimento, de forma direta ou indireta.

“Ele já está transferindo esse papel que deveria ser dever dele. Geralmente não tem uma obrigação de repasse automático. Existe uma série de atributos que a gente tenta conquistar, por meio de editais, licitações, de participação. Por outro lado, o Estado é falho porque tem obrigação de prestar [toda a assistência]. Se ele terceiriza, o mínimo que pode fazer é ajudar efetivamente essa prestação. A sociedade deveria também ter mais mecanismos para ajudar essas instituições, através de doações e outras formas de desburocratizar esse financiamento ao terceiro setor”, acrescenta o advogado.

Políticas Públicas

A Secretaria de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre), através da sua unidade integrada de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência atua no apoio considerado indispensável para o setor. Junto com o projeto Abraço à Microcefalia, são discutidas questões e necessidades para que as demandas da instituição sejam atendidas, visando a garantia da sua sustentação.

“A Prefeitura de Salvador acompanha a instituição Abraço em diversas frentes na saúde. Tanto a presidente, como a vice-presidente, têm um Grupo de Trabalho na área na Secretaria de Saúde onde elas são escutadas quinzenalmente, levando as demandas da associação. Além disso, a presidente é conselheira do COMPED, que é o Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e ela participa de tudo ativamente”, aponta Daiane Pina, diretora de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência.

Daiane Pina, diretora de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência
Daiane Pina, diretora de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência | Foto: Shirley Stolze / Ag A tarde

Em agosto deste ano, foi firmado o primeiro convênio entre o projeto Abraço à Microcefalia e a Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), no valor de R$ 244.052,65, para que sejam viabilizados mais profissionais para atender a demanda de atendimentos no prazo de um ano, materiais educacionais e outras despesas. O projeto da instituição, aprovado por meio de um edital público, prevê a contratação de coordenador, assistente social, psicopedagogo e fisioterapeutas.

À época do surto, a Bahia havia começado a notificar os casos de microcefalia no estado. Em 2015, foram registrados 518 casos. No ano seguinte, haviam 1.006 recém-nascidos, fetos, crianças, natimortos e abortos confirmados com alterações congênitas causados pelo Zika Vírus. Até 2022, o estado registrava um total de 2.503 casos de microcefalia / síndrome congênita do Zika Vírus.

Entre 2015 e 2018, dos 1.819 casos relacionados a consequências do Zika Vírus, 42,3% deles concentram-se em Salvador. Segundo Daiane Pina, no período, o município começou a pôr em prática ações para atender a essa nova realidade.

“O [poder] municipal uniu três pastas, saúde, educação e assistência social, que é da Sempre, para fomentar ações de políticas públicas voltadas para essa nova realidade que se instalou em vários estados do Brasil. Então a saúde, os postos de saúde, os profissionais, as equipes foram preparados com formações e com equipamentos para acolher essas crianças, a educação também, professores", explicou a diretora.

“O CER IV do Hospital Irmã Dulce virou centro de referência para formação de profissionais na área de educação e saúde, fisioterapia, tecnologia assistiva, para desenvolver cadeirinhas para essas crianças e assistência social também acolheu através dos benefícios que essas mães tinham direito e na época da pandemia com cestas básicas para o Centro Dia que é o Centro referência pra eh crianças com microcefalia aqui em Salvador”, completa a pedagoga.

Junto com o desafio que é ser mãe atípica e viver todo um cenário de maternidade particular, as mães também precisam ser assistidas já que muitas delas, deixam seus empregos para se dedicar 100% das atividades. O projeto ‘Empreender é com Elas’, iniciativa da Sempre, busca profissionalizar mães de filhos com deficiência, através de cursos para incentivar a formação desse público.

“Através do Senai e do Senac, o programa oferece curso de torta, de acarajé, de trança, geladinho gourmet, comida de boteco, de pintor, de pedreiro, polivalente e mais. A gente tem buscado formar famílias para que elas possam empreender porque se elas forem trabalhar, elas perdem o BPC [Benefício de Prestação Continuada], então pra não ficar somente com uma renda o projeto as ajuda a se qualificarem”, explica a diretora.

Desafios para PcDs

Autonomia e emancipação para pessoas com deficiência: é isso o que o advogado Matheus Martins, aponta como uma necessidade urgente que deve ser aplicada na sociedade, já que ainda são condicionadas a um cenário ainda muito desigual.

“Nós precisamos criar a independência dessas pessoas. Precisamos emancipá-las, através do papel da escola, da formação de conhecimento e entre outros caminhos. As famílias não vão ser para sempre, as instituições não são os locais adequados para o depósito permanente de pessoas. Por isso, temos que pensar na autonomia desse público. Hoje temos um total de 18 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo dados mais recentes do Pnad 2022, do IBGE, que são clientes, alunos. Nós como sociedade precisamos assumir essa responsabilidade, já que essas pessoas são inviabilizadas por não ter essa participação social”, diz Martins.

A desigualdade torna-se ainda mais clara quando se trata de uma localidade onde grande parte da população vive em vulnerabilidade social e financeira, como é Salvador.

“Quando conseguimos ultrapassar em uma lei de cotas, por exemplo, na garantia de um emprego, dificilmente será na vaga adequada em cargos de gestão. As qualificações, o ensino superior nem sempre são as melhores. Com isso, muitos vivem do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e por conta dessa vulnerabilidade econômica como aqui na cidade de Salvador, somam aspectos que tornam essa realidade ainda mais difícil, por exemplo, bairros menos estruturados, dificuldades de locomoção, com dependência de transportes públicos, medicamentos de alto custos que precisam judicializar”, continua o professor.

Como ajudar

O projeto Abraço à Microcefalia está cadastrando novas famílias que precisam de atendimento. É preciso que as crianças tenham entre 0 a 11 anos de idade e tenham Síndrome Congênita do Zika Vírus, Microcefalia e alterações neurológicas (Cid G80; Q02; Q03; U06). O cadastro deve ser solicitado pelo e-mail [email protected]. Para mais informações, os interessados devem entrar em contato pelo (71) 9 96307875.

A instituição possui uma loja física, dentro do próprio espaço e também disponibiliza os itens para compra no site oficial (abracoamicrocefalia.org.br). Além disso, é possível fazer doações através da Chave PIX (71) 996307875 - Celular), e transferência e depósito para conta bancária (Caixa Econômica Federal / Banco 104 / Agência 3843 / Operação 003 / Conta Corrente 479-7/CNPJ 27.034.649/0001-8 / Razão Social Associação Abraço as Famílias com Crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus e Outras Malformações no Sistema Nervoso Central.

A Tarde Play

Confira reportagem produzida pelo A Tarde Play com mães de crianças com microcefalia. Elas relatam os desafios enfrentados no cotidiano e como conseguem levar qualidade de vida para os filhos e filhas.

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Tags:

aBRAÇO a MIcrocefalia Desafios doações Famílias atípicas Projeto Filantrópico Salvador

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