BAHIA
Conheça as belezas e os mistérios escondidos no Vale do Pati
Destino é um dos desejados por trilheiros da Chapada Diamantina
Por Anderson Sotero, especial para o Grupo A TARDE
Chovia muito. Na madrugada da nossa partida - estávamos em Mucugê e iríamos para o distrito de Guiné -, acordamos assustados com o barulho dos trovões. O guia Bidula nos pegou cedo na pousada e tivemos um pouco de dificuldade para passar numa estrada de barro que liga a cidade ao povoado. Alguns carros na nossa frente atolaram. Torcíamos para que o tempo limpasse, mas a serra estava encoberta por nuvens. Por telefone, nosso guia tentava confirmar se havia realmente como atravessar. Com o volume intenso de água, o nível dos rios sobe e pode ficar inviável entrar no Vale do Pati. Era um dos primeiros dias de novembro. Estávamos eu, meu companheiro e o guia, nativo da Chapada Diamantina.
“Disseram que dá para entrar, mas vamos ter que alterar o roteiro”, nos disse o guia. “Tranquilo, confiamos em você”, respondi, ainda um pouco temeroso. É óbvio que eu gostaria muito que desse certo, mas a segurança é primordial, ainda mais quando se trata de natureza.
Havíamos escolhido um tour de quatro dias. No Vale do Pati, considerado um dos trekkings mais bonitos do mundo, costuma-se fazer de três a cinco dias, mas todo o roteiro pode ser revisto, esticado ou encurtado. Ao invés de entrarmos pelo “Aleixo”, a porta de entrada mais comum, tivemos que ir pelo “Beco”, trecho íngreme por onde entram as mulas que fazem transporte de alimentos, utensílios e equipamentos. No Vale, moram umas dez famílias. Há muitos anos, viviam das plantações, mas com a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina e a consequente proteção da área, os moradores da região passaram a viver do turismo. Como é um local de difícil acesso, são esses animais que ajudam a levar o que se precisa. Não há estradas e não entram veículos.
Ainda chovia quando deixamos o carro ao pé do morro e subimos. A água formou um pequeno riacho por onde caminhávamos. Tínhamos levado botas impermeáveis, lanches, água, roupa leve, calça de trekking, camisa UV e uma capa de chuva. Mal sabíamos que precisávamos também de uma capa para a mochila de 50 litros que carregávamos. Um conselho? Evite levar tudo que for desnecessário. Desconecte-se da realidade, dentro do possível, e carregue somente o necessário. Os guias costumam preparar lanches nas trilhas e o jantar, na casa dos nativos onde se hospeda, é farto, saboroso e acolhedor.
Tiramos a capa do corpo para cobrir as mochilas. No início da trilha, uma fatalidade nos assustou ainda mais. Vimos um corpo de um turista francês, que aparentava ter uns 60 anos, ser carregado por várias pessoas, que tentavam, sem sucesso, reanimá-lo. Nosso guia também parou para ajudar. Pediram para que nos afastássemos. Sentamos em uma pedra e aguardamos. Cogitamos desistir. Mas decidimos continuar. Ele havia infartado e um grupo de resgate estava a caminho para ajudar a transportar o corpo. O francês estava com um grupo de amigos também turistas. Ainda nos encontrarmos no caminho. Um deles virou pra mim e disse: “for this group, no more” (para esse grupo, não mais). Eu não o conhecia, mas achava que deveria fazer o que ele também queria. Continuar.
A fatalidade ocorrida suscitou o debate sobre o Vale. As caminhadas são longas. É recompensador, adianto, muito mesmo, mas um pouco exaustivo. É muito importante que, seja em grupo ou com guia individual, que sejam relatadas todas as condições prévias de saúde. Um preparo antecipado pode ajudar também. Vimos pessoas de diferentes idades fazendo o trekking.
Com a subida no “Beco”, a água escorrendo pelo caminho, tivemos que esvaziar uma das garrafas de água que levamos para aliviar o peso. Depois de muito esforço, chegamos aos Gerais, uma parte plana, o que facilita muito a caminhada. Choveu até chegarmos ao famoso mirante. Todo encoberto. Resiliência é a chave para esses momentos. Descemos um paredão imenso, com água escorrendo até chegarmos à casa de Dona Raquel, onde ficaríamos hospedados.
Após um jantar reforçado e uma boa noite de sono, acordamos num Vale do Pati com um friozinho gostoso. Neblina e nuvens baixas. Cheiro de fogão a lenha. Café da manhã variado, com energia suficiente para ajudar a enfrentar as trilhas. Tomamos banho de cachoeira, subimos em um segundo mirante, bem no meio do Vale, o céu abriu. Um arco-íris se formou e a belezura da região se mostrou, sem timidez. Apesar do relato inicial sofrido (não se acanhe, caro leitor), entendi porque vale a pena chegar até ali.
Ainda subimos no Morro do Castelo, uma das trilhas mais cansativas. Cheguei a pensar que desistiria. Mas fui aos poucos, no meu ritmo. Cheguei no topo, atravessei uma gruta em cima do morro e tomei um cafezinho feito na hora, da Chapada Diamantina. A vista panorâmica lá de cima é indescritível.
Durante a jornada, senti vontade de entrevistar moradores e guias. Nada demorado. Não queria deixar de aproveitar a viagem. Com o material, fiz um documentário, sem exigências, sem muito requinte tecnológico, mas uma homenagem à essa região que tanto me encanta. Está disponível no YouTube. Conhecemos o Vale do Pati de Cima. Há também o de Baixo. Esperamos poder voltar um dia e completar o circuito.
No quarto e último dia - caminhamos mais de 50 km no total e, por mim, eu ainda ficaria mais uns dois ou três dias -, fomos até o Cachoeirão, um dos atrativos mais famosos. De tão alto, a água que cai das suas paredes retorna e parece que está chovendo, mas é da própria cachoeira. Há um vale dentro do Cachoeirão. Deitei-me sobre a pedra, perto do penhasco e olhei para baixo. É tudo superlativo mesmo, do tamanho à beleza. Entendi porque pessoas de mundo inteiro vem à Bahia e vão fazer trilhas pelo Vale do Pati. Vale realmente a pena.
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O que levar:
Botas impermeáveis
Roupas de trekking leves
Água
Lanches práticos
Capa de chuva
Mochila de trekking
Protetor solar
Chapéu
Repelente
Camisa UV
Contatos de guias (há inúmeros, mas pesquise antes de fechar):
Bidula 77 991127112
Lé 77 981517213
Joel 77 981507990
Ediel 75 982420523
Moisés 75 998818244
Grécia 75 999595869 / 981927674
Valores
Variam de R$ 1.500 a 6.000, a depender da quantidade de dias e se é em grupo ou privativo. O valor pago inclui a hospedagem, jantar, café da manhã e lanche na trilha. Não há sinal de internet no Vale.
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