Mais de 7,6 mil crianças foram registradas só com o nome da mãe na BA | A TARDE
Atarde > Bahia

Mais de 7,6 mil crianças foram registradas só com o nome da mãe na BA

Na capital, de janeiro a julho foram 1.329 ocorrências, segundo a Associação Nacional dos Registradores

Publicado domingo, 13 de agosto de 2023 às 06:20 h | Autor: Priscila Dórea
Órgãos como Defensoria e Ministério Público realizam ações sobre a importância emocional, social e jurídica do reconhecimento paterno
Órgãos como Defensoria e Ministério Público realizam ações sobre a importância emocional, social e jurídica do reconhecimento paterno -

“Muitas vezes não estamos preparados para cuidar de alguém, e, para os homens, é muito fácil se prender a essa possível dúvida, se somos realmente o pai. Hoje, ao mesmo tempo que tenho vergonha de ter duvidado da minha companheira, sou muito feliz em poder ver meu filho crescer ao meu lado”, garante Roberto (nome fictício), que um pouco antes do aniversário de um ano de Davi (nome fictício), o registrou como filho, após o teste de DNA confirmar sua paternidade.

Roberto conseguiu manter o relacionamento com a companheira e mãe de Davi – inclusive, pensam em dar ao menino um irmão ou irmã algum dia –, mas ele salienta que não foi fácil. 

“Deixou aquela nuvem no relacionamento, mas estranho seria se isso não acontecesse, não é? E no meio de tudo isso tem o Davi, que não tem culpa de nada, mas sente que os pais não estão bem. A situação ficou complicada, mas estamos felizes agora”, explica.

De janeiro a julho deste ano, 7.659 crianças foram registradas apenas com o nome da mãe na Bahia, 1.329 em Salvador, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). 

No Brasil, o percentual de crianças com a informação ‘pai ausente’ no registro de nascimento subiu de 5,5% em 2018, para 6,9% em 2023. É tentando reverter essa situação que órgãos, como a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) e o Ministério Público da Bahia (MP), realizam campanhas sobre a importância emocional, social e jurídica da criança ser registrada pelo pai e teste gratuito de DNA. Teste esse que o técnico de eletromecânica William dos Santos Costa quase fez na última semana no MP. 

Quase. Ele já havia se distanciado da companheira Yasmin Sabrina Lopes Santos quando ela descobriu que estava grávida. De início ele duvidou que a pequena Maria Luiza, hoje com dois meses, fosse filha dele, o que os fez entrar em contato com o MP para realizar o teste. Mas, quando chegou no local no dia agendado, caiu em si e disse ter certeza que a filha era dele, e a registrou. 

“A gente vinha conversando e ficou nítido para mim que a Maria Luiza era minha filha. Em situações como a minha e da Yasmin (mãe da bebê), onde não há mais um relacionamento, é preciso priorizar a criança e foi o que fizemos, até porque ela não tem culpa alguma nessa história. Maria Luiza precisa ser a prioridade, e está sendo incrível ser pai e cuidar dela”, afirma William.

Já no caso de André (nome fictício), aos 19 anos, engatou um namoro com Vivian, cheio de idas e vindas, até que veio uma gravidez, e nenhum deles sabia quem era o pai. 

“A gente não levava nada à sério na época, então fazer o teste foi desejo de nós dois. Hoje, Letícia (nome fictício) está com cinco anos, temos uma boa convivência, e sou presente na vida dela, mesmo não estando mais com a mãe. Foi uma situação que começou de forma muito errada, mas que no fim deu certo”, reflete.

Medo do compromisso

A psicóloga e psicanalista clínica Jurhana Ribeiro Pereira explica que a negação da paternidade pode estar relacionada a diversos conflitos internos, há exemplo do medo de compromisso, inseguranças emocionais, ou até dificuldade em lidar com a própria identidade masculina. E esses conflitos podem ser influenciados por experiências passadas, aponta ela, como relacionamentos familiares disfuncionais, traumas ou dificuldades na relação com figuras paternas.

Quando um homem se recusa a assumir a paternidade, afirma Jurhana, pode haver uma resistência em se identificar como pai e assumir os papéis que isso implica. E do outro lado temos a criança. “A relação pai-filho é fundamental para um desenvolvimento psicológico saudável da criança, e no processo de identificação para a formação da identidade. Na minha clínica pude escutar de diversos pacientes sobre conflitos e ausência paterna, e como essas questões afetam o bem estar emocional, a auto estima e a auto confiança”, explica a psicóloga.

Promotora de justiça, Leila Adriana Vieira Seijo de Figueiredo é coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Cíveis, Fundações e Eleitorais (Caocife) no MP baiano, que em 1999 criou o Projeto Paternidade Responsável. A ação percorre todo o estado realizando exames gratuitos de DNA – de 2008 até junho de 2023, 179.325 atendimentos foram realizados –, por meio do atendimento presencial na capital e em mutirões pelo interior.

“Primeiro realizamos palestras nas escolas municipais e estaduais, então entrevistamos as mães individualmente, e pegamos os dados dos supostos pais, que são notificados. Depois, nossas unidades móveis vão às cidades e os promotores organizam os atendimentos, e profissionais da saúde da região são chamados para fazer os testes. As histórias e situações são muito diversas, mas é um trabalho extremamente gratificante, pois saem famílias desses locais, crianças com um grande sorriso no rosto”, explica a promotora.

Também com uma campanha que dura o ano todo - e que, assim como a do MP-BA, é intensificada em agosto, em razão do Dia dos Pais –, a DPE tem oferecido exames de DNA gratuitos através da Ação Cidadã Sou Pai Responsável há 16 anos, e ultrapassou o número de 25 mil crianças registradas pelos pais. “Nossa campanha também tem o objetivo de resgatar e construir os laços de amor entre pais e filhos. O exame de DNA e o reconhecimento da paternidade devem dar o start para construção dessa paternidade, pautada na qualidade do contato e cuidado que pais e mães devem devotar aos filhos”, destaca a defensora-geral, Firmiane Venâncio.

Publicações relacionadas

MAIS LIDAS