BRASIL
Entre Promessas Globais e Contradições Locais
Por Georges Humbert, de Belém do Pará

Por Georges Humbert

No coração da Amazônia, onde o ar úmido carrega o cheiro de terra fértil e o som distante de rios caudalosos, o segundo e último dia da Cúpula de Líderes da COP30 – a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – encerrou-se hoje com um misto de discursos inflamados e apelos urgentes, mas também com um véu de ceticismo sobre a capacidade real de transformar palavras em ações concretas. Como advogado e defensor da sustentabilidade, acompanho esses eventos não apenas como observador, mas como alguém que vê neles o cruzamento entre direito internacional, justiça ambiental e as demandas inadiáveis de populações vulneráveis. E, francamente, o que vi hoje reforça uma crítica recorrente: o abismo entre retórica global e realidade local.
A cúpula, que antecede a conferência principal marcada para 10 a 21 de novembro, reuniu chefes de Estado, ministros e líderes de mais de 190 países no Hangar Centro de Convenções, em Belém. O evento, convocado pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, teve como foco principal traçar derroteros políticos para combater a crise climática, com ênfase na transição para economias de baixo carbono e no financiamento para nações em desenvolvimento. Hoje, o secretário-geral da ONU, António Guterres, abriu os trabalhos com um tom sombrio, declarando que “nós falhamos” em cumprir os Acordos de Paris de 2015, que visavam limitar o aquecimento global a 1,5°C. Guterres lamentou a falta de progresso e instou por ações urgentes, destacando que o mundo está a caminho de um aquecimento de 3°C, com consequências catastróficas como secas, inundações e perda de biodiversidade.
Entre os destaques informativos do dia, o chairperson da Comissão da União Africana, Mahmoud Ali Youssouf, enfatizou o papel da África como “agente de transformação”, apontando que o continente, apesar de deter 40% do potencial renovável global, recebe menos de 12% do financiamento climático. Ele clamou por “justiça climática”, não caridade, e criticou a discrepância entre os poluidores históricos e as vítimas da crise . Da mesma forma, o presidente colombiano Gustavo Petro lançou duras críticas ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump – ausente do evento –, acusando-o de ignorar a ciência e levar a humanidade ao “abismo” com políticas que priorizam a extração de combustíveis fósseis. Petro defendeu que o verdadeiro inimigo não é a Rússia, mas a crise climática, e questionou o aumento de gastos militares na Europa em detrimento de investimentos ambientais.
Outros encontros bilaterais marcaram o dia, como a reunião entre o vice-presidente nigeriano Kashim Shettima e a diretora-executiva da UNICEF, Catherine Russell, focada em parcerias para resiliência climática na África. A chefe-ministra de Punjab, Maryam Nawaz Sharif, do Paquistão, também anunciou sua participação para apresentar iniciativas como o “Suthra Punjab” e mobilidade elétrica, representando esforços regionais para um futuro sustentável. No front brasileiro, o correspondente Felipe Santana, do Jornal Nacional, integrou a cobertura local, destacando a chegada de delegações e os preparativos para a conferência plena.
Criticamente, porém, essa cúpula revela contradições gritantes que minam sua credibilidade. Enquanto líderes discursam sobre preservação, o governo do Pará construiu uma rodovia de 13 km – a Avenida Liberdade – cortando áreas protegidas da Amazônia para facilitar o acesso ao evento, destruindo habitats e abrindo caminho para desmatamento ilegal. Essa “padrão espinha de peixe” de degradação é bem conhecido e contradiz os objetivos da COP30, expondo a hipocrisia de sacrificar floresta para hospedar uma conferência sobre sua proteção. Como jurista, vejo aqui uma violação potencial a tratados internacionais como a Convenção sobre Diversidade Biológica e ao próprio espírito do Acordo de Paris. Onde está a accountability? Por que os organizadores não optaram por soluções sustentáveis, como transporte fluvial ou virtual, em vez de pavimentar o caminho para mais emissões?
Além disso, o evento destaca a “desinformação climática”, como apontado em discussões paralelas: narrativas falsas que semeiam dúvida e atrasam ações, proliferando em redes sociais enquanto o mundo se reúne em Belém. A ausência de figuras como Trump reforça o isolamento de nações ricas, que historicamente mais poluíram, mas agora relutam em financiar a transição global. A África, por exemplo, clama por equidade, mas recebe migalhas – uma injustiça que o direito internacional deve corrigir com mecanismos vinculantes, não promessas vazias.
Nações Unidas (ONU) e também outras lideranças de países discursaram na abertura da Cúpula dos Líderes, em Belém. O secretário-geral da ONU criticou fortemente os países que não estão conseguindo frear o aquecimento global no planeta.
António Guterres fez um apelo dramático aos países para assumirem a liderança no combate à crise climática e, assim, se desvencilharem da dependência de combustíveis fósseis. Cálculos apontam que os países gastam cerca de US$ 1 trilhão por ano em subsídios ao setor. Guterres também criticou as nações pela incapacidade de limitar o aquecimento global a 1,5 °C.
“Muitas corporações estão lucrando recordes com a devastação climática, gastando bilhões em lobby, enganando o público e obstruindo o progresso. Líderes permanecem reféns desses interesses enraizados”, disse António Guterres (em inglês, tradução simultânea).
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, disse que o Reino Unido está empenhado no combate às mudanças climáticas. Ele prometeu maior investimento em energia limpa e a diminuição da exposição à volatilidade do mercado de combustíveis fósseis:
“Na COP do ano passado, anunciei nossas contribuições aos líderes mundiais, alinhadas com a implementação integral do Acordo de Paris. Peço aqui aos outros líderes para fazerem o mesmo, pois essa é a melhor chance que temos de limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C.” (em inglês, tradução simultânea)
Estão ausentes na COP os líderes de quatro das cinco economias mais poluentes do mundo: China, Estados Unidos, Índia e Rússia. No entanto, ao contrário dos demais, apenas o governo norte-americano optou por não enviar representante às negociações.
Em suma, este dia em Belém foi informativo ao mapear caminhos políticos, mas crítico ao expor falhas sistêmicas. A COP30 pode ser um marco se evoluir para compromissos legais robustos, com financiamento real e punições para descumprimentos. Caso contrário, será mais um encontro de elites em meio à floresta que elas mesmas ameaçam. Como defensor da sustentabilidade, apelo: da Amazônia ao mundo, o tempo para ações concretas é agora, não em outra cúpula distante.
Quem é Georges Humbert
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (IbradeS), Georges Humbert, realiza a cobertura institucional em tempo real da COP30, diretamente de Belém, desenvolvida em parceria com o Jornal A TARDE.
Segundo Humbert, a participação representa um avanço importante no diálogo nacional sobre sustentabilidade. “Será uma oportunidade única para o Ibrades, a Bahia e o Brasil. Estaremos realizando uma cobertura técnica e institucional da COP30, com enfoque na participação do setor produtivo sustentável brasileiro, promovendo visibilidade, transparência e comunicação qualificada das ações desenvolvidas. Essa entrega está diretamente alinhada ao legado do 3º Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, que se consolidou como um dos principais encontros pré-COP”, afirma.
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