BRASIL
Tatuar com dor ou com segurança? Proibição de anestesia gera debate
Procedimento tem risco elevado de complicações, como reações adversas e até parada respiratória
Por Isabela Cardoso

A proibição do uso de anestesia geral, sedação ou bloqueios anestésicos para a realização de tatuagens no Brasil, determinada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) na última segunda-feira, 28, tem causado reações diversas entre tatuadores de diferentes escolas e experiências.
A nova regra vale para todos os tipos de tatuagens e regiões do corpo, com exceção de procedimentos médicos com finalidade reparadora, como reconstruções pós-mastectomia.
A motivação da medida é o risco elevado de complicações, como reações adversas, queda de pressão e até parada respiratória, especialmente quando o procedimento é feito fora do ambiente hospitalar.
Entre os profissionais ouvidos, há um ponto comum: a tatuagem envolve riscos que precisam ser tratados com responsabilidade. No entanto, as opiniões se dividem quanto ao uso da anestesia no processo.
Ritual, dor e segurança
Doga Tattoo, profissional com anos de atuação em Salvador, vê sentido na proibição, mas defende uma regulamentação mais moderna. Ele reconhece que a aplicação de anestesia exige estrutura adequada e a presença de um anestesista qualificado, o que foge da realidade da maioria dos estúdios.
“Eu venho de uma escola um pouco mais um pouco mais antiga, na qual não existia nenhum tipo de anestésico para tatuar. Então, sendo assim, eu acredito que a tatuagem tem um pouco de ritualística, a dor de tatuagem faz parte desse contexto de se tatuar.... Eu acho que essa restrição é válida, mas tem que sim procurar de alguma maneira viabilizar esse processo para as pessoas que não querem sentir dor”, afirma.

No entanto, ainda assim, Doga prefere o processo de dividir uma tatuagem grande em mais sessões. "Não trabalharia dessa forma fazendo a tatuagem de uma vez só. Eu acho que, para pessoa que vai ter uma tatuagem e vai levar pro resto da vida, vale a pena passar esse processo de sessões e o tempo que leva para poder ter um resultado muito melhor do que fazendo em um dia só", completa.
Para a tatuadora Fabiana Teixeira, a decisão do CFM veio tarde. “A anestesia geral envolve riscos sérios e deve ser realizada apenas em ambiente hospitalar, com monitoramento adequado e equipe médica treinada... O benefício principal é evitar complicações graves, como reações adversas, queda de pressão, parada respiratória e outros riscos. Usá-la pra algo estético como tatuagem não justifica tal exposição”, explica.
A profissional conta que já recebeu pedidos até para tatuagens pequenas, motivados por medo da dor e ansiedade, mas defende que a dor faz parte do processo criativo.
“Na maioria dos casos muitos clientes buscam minimizar ou anular a dor, mas sempre explico os limites de eficácia e possíveis riscos. A tatuagem quando respeitado seu processo natural, é quase como um ritual entre o artista e o cliente. A dor não é inimiga, é como se fosse um lembrete de que algo novo está nascendo, uma ferida que se cura para revelar uma história”, pontua.

Rato Tattoo, também se posiciona a favor da regulamentação, mas levanta um alerta. Para ele, proibir sem alternativas pode levar clientes a procurar meios perigosos para evitar a dor.
“Acredito sim que a proibição levará clientes a fazer procedimentos clandestinos ou de pouca segurança, tanto pelo risco quanto pelo valor elevado do procedimento feito legalmente”, afirma.
O tatuador nunca atendeu um cliente que quisesse anestesia geral, mas diz que o uso de lidocaína tópica já é comum e também oferece riscos. “Sempre atendo clientes que querem usar lidocaína como anestésico, e ela por si só já representa um perigo se não for usada com critério”, comenta.
Rafael acredita que a dor tem um papel fundamental no processo artístico da tatuagem e teme que a popularização da anestesia geral possa descaracterizar o simbolismo do procedimento. “Tira o princípio básico do processo da tatuagem, que consiste em passar pela dor para alcançar tal objetivo”, opina.

Celebridades e cultura do “zero dor”
Nos últimos anos, o uso de anestesia em tatuagens se popularizou entre celebridades. O cantor Igor Kannário, a influenciadora Rafaella Santos, irmã de Neymar, e o funkeiro MC Cabelinho realizaram sessões extensas sob efeito de sedação ou anestesia geral.
A decisão do CFM busca frear esse tipo de prática, especialmente fora do ambiente médico, para garantir que procedimentos estéticos não coloquem a saúde dos clientes em risco.
O que muda com a nova regra?
Com a medida, estúdios de tatuagem estão proibidos de oferecer anestesia geral, sedação ou bloqueios anestésicos, independentemente da experiência do tatuador ou do porte do estúdio. O uso de anestésicos tópicos continua permitido, mas exige responsabilidade e conhecimento técnico.
Para os tatuadores, o momento agora é de adaptação e conscientização. Enquanto uns defendem a volta às origens da tatuagem, com dor e paciência, outros pedem regulamentação que permita procedimentos seguros, modernos e acessíveis.
A decisão do CFM não apenas define limites técnicos, mas também reacende o debate sobre o significado da tatuagem, os direitos do consumidor e a responsabilidade dos profissionais diante de práticas em expansão.
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