CINEMA NACIONAL
Cineasta nordestino, Hermano Penna, celebra 80 anos e relembra obra
Cineasta acaba de completar uma série sobre a economia no Brasil e continua sendo lembrado pelo seu maior sucesso, 'Sargento Getúlio'
Por Rafael Carvalho | Especial para A TARDE

Ele nasceu no Crato, interior do Ceará, mas se mudou logo jovem para a Bahia onde viveu o período de ouro de efervescência cultural dos anos 1950. Na década seguinte, logo após o Golpe de 64, mudou-se para Brasília e posteriormente para São Paulo. Mas a herança nordestina nunca lhe escapou. Em Sergipe, adaptou o clássico livro de João Ubaldo Ribeiro, 'Sargento Getúlio', certamente seu maior trunfo cinematográfico.
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Esse é Hermano Penna, cineasta brasileiro que acaba de completar 80 anos de idade e segue em atividade no cinema. Finalizou há pouco uma série de treze episódios sobre o percurso da economia brasileira, mas ainda sem ter onde exibir o conteúdo. De São Paulo, Penna conversou com A TARDE sobre sua obra e trajetória.
Para quem já assistiu a 'Sargento Getúlio' (1983), um dos clássicos do cinema nacional, pode estranhar que um “estrangeiro” tenha adaptado com tanta habilidade a obra do baiano João Ubaldo. Mas, além da proximidade com o autor, a relação de Penna com a Bahia é bem antiga. Em meados dos anos 1950, mudou-se com a família para Salvador, onde passou a juventude em meio ao boom cultural experimentado naquela época.
“No colégio, eu conheci o André Luiz Oliveira, que se tornaria cineasta, depois fiquei muito amigo do Waly Salomão, que se tornaram colegas de noitadas e muita conversa. Eu conheci a Dedé, Caetano, aquele pessoal todo da Bahia. Quando teve aquele show maravilhoso, Nós, por Exemplo, lá estava eu na plateia, tendo a certeza de que aquele povo um dia teria o reconhecimento nacional que tem hoje”, relembrou Penna.
Paixão pelo cinema

Mesmo na infância no Crato, Penna já frequentava muito o cinema e assistia aos filmes populares da época, chanchadas, comédias e filmes de faroeste. Na Bahia, foi seu irmão cinéfilo que o levava para as sessões.
“Eu vi aquela explosão do cinema baiano. Eu frequentava muito o cineclube de Walter da Silveira. Nunca apertei a mão de Glauber Rocha, mas sentávamos em cadeiras próximas. Teve a estreia do primeiro longa baiano, Redenção, de Roberto Pires, que mexeu com a Bahia inteiramente. E ali eu tive uma primeira vontade de fazer filmes, apesar de que nesse período eu pintava muito. Todos achavam que eu ia ser pintor”.
Mas foi longe da Bahia que Penna enveredou pelo mundo do cinema. Justamente pelo seu interesse pela pintura, um amigo muito próximo o convenceu a ir para Brasília estudar Comunicação Visual na recém inaugurada Universidade de Brasília (UNB).
“Quando eu cheguei em Brasília, no começo de 1965, simplesmente o curso tinha acabado com a crise da universidade pós-Golpe. Muitos professores foram expulsos, outros se demitiram e foram embora, mas alguns ficaram. E um deles me perguntou se eu queria continuar frequentando o lugar e em duas semanas eu estava trabalhando na gráfica, de posse da chave da gráfica. E eu me encantei com aquilo”, contou o cineasta.
O mítico curso de cinema da UNB, fundado por Paulo Emílio Salles Gomes, onde davam aula gente como Nelson Pereira dos Santos e Jean-Claude Bernardet, também foi fechado. Mas Penna conta que se apaixonou por um garota que estudava cinema e começaram juntos a querer trabalhar com aquilo. “Posso dizer que entrei no cinema por paixão por uma mulher”, confidenciou Penna.
Veia nordestina

A partir de então, ele passa a trabalhar como fotógrafo em projetos de outras pessoas, até começar a fazer seu primeiro filme, um curta sobre Walter Smetak – importante musicólogo e instrumentista suíço radicado na Bahia desde a década anterior. Mas as coisas em Brasília não estavam indo bem e pioraram depois do AI-5 em 1968.
No ano seguinte, então, ele se muda para São Paulo onde conhece o cineasta Jorge Bodansky para quem começa a trabalhar como assistente de câmera em vários projetos. Também teve uma passagem pela TV, notadamente no Globo Repórter, como fotógrafo, onde também dirigiu documentários como 'A Mulher no Cangaço' (1976) e 'África Mundo Novo' (1977).
Já nos anos 1980, a Blip, empresa para quem Penna trabalhava, foi convidada para desenvolver um projeto que consistia na adaptação cinematográfica de três obras da moderna literatura brasileira. E o dono da empresa convidou Penna para fazer um dos filmes, dando-lhe a possibilidade de escolher um livro que ele gostaria de adaptar. Alguém falou para ele sobre 'Sargento Getúlio', que Penna não tinha lido ainda, apesar de reconhecer a fama e o talento de João Ubaldo Ribeiro.
“Quando eu li o livro, fiquei alucinado. E outros cineastas queriam filmar, como Ruy Guerra e Glauber Rocha, então achei que seria muito difícil. Mas eu fiquei encantado. Aquele livro é a enciclopédia da alma do homem nordestino, um mundo que eu tinha conhecido na minha infância”, afirmou o diretor.
Na trama, o rude personagem-título, interpretado com vigor por Lima Duarte, tem a missão de levar um prisioneiro de Paulo Afonso para Aracaju. No meio do caminho, recebe ordens para liberar o prisioneiro, mas desconfiado, resolve seguir com o encargo inicial, mesmo que tenha de enfrentar as foras oficiais que se colocam em seu caminho.
“Eu queria que as pessoas ouvissem a beleza do texto de João Ubaldo”, contou o diretor. E, de fato, os pensamentos e falas do protagonistas são a força do filme, além do seu comportamento intransigente do homem bruto do sertão. O filme estreou no Festival de Gramado, em 1983, de onde saiu com diversos prêmios, incluindo Melhor Filme, Ator (Lima Duarte) e Ator Coadjuvante (Orlando Vieira), além de participar e coletar premiações em diversos festivais ao redor do mundo.
A partir daí a carreira como diretor de longas deslanchou, seguindo com a realização de 'Fronteira das Almas' em 1988. Com o fim da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), nos anos 1990, Penna, como tantos outros diretores, deixam de fazer filmes, algo que retoma na virada do século. Aí ele faz 'Olho de Boi' (2008), 'Aos Ventos que Virão' (2014) e 'Zé de Julião, Muito Além do Cangaço' (2016).
A última empreitada de Penna, no entanto, tem sido encontrar espaço para exibir a série documental sobre a história da economia brasileira, projeto iniciado em 2015 e finalizado ano passado, depois de diversos percalços, inclusive pelas mudanças políticas do país nos últimos anos. De qualquer forma, a série está pronta, assim como sempre esteve pronto para empunhar a câmera este bravo cineasta de alma nordestina.
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