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CRÍTICA: "Coringa 2" capta o impacto visual e a brutalidade do original

Filme faz um mergulho musical como símbolo da loucura escapista à espreita

Por João Paulo Barreto

06/10/2024 - 10:00 h
Preso, Arthur Fleck encontra a interna Lee Quinzel (Lady Gaga), com quem viverá os musicais ‘delírios a dois’
Preso, Arthur Fleck encontra a interna Lee Quinzel (Lady Gaga), com quem viverá os musicais ‘delírios a dois’ -

Há exatos cinco anos, no texto sobre Coringa (2019), filme que Todd Philips utilizou para renovar a fé do espectador na versão cinematográfica do personagem da DC, depois da Warner Bros. nos traumatizar com a caracterização de Jared Leto para o mesmo (isso após Heath Ledger ascender ao panteão dos deuses da atuação onze anos antes), este escriba destacou os degraus da insanidade percorridos por Arthur Fleck, personagem vivido com gosto por Joaquim Phoenix.

Tratava-se de um símbolo imagético perfeito. A metáfora ideal de um homem que, semelhante a Sísifo e sua constante e diária subida da montanha como uma busca de um sentido para a vida, escala degrau por degrau, exausto, a íngreme escadaria percorrida na rotina como uma ascensão de um abismo. Tal fosso existencial do qual o sofrido protagonista precisava escapar diariamente o levava de volta ao minúsculo apartamento, um muquifo onde encontrava o dependente cuidado materno, um único refúgio no qual poderia se sentir minimamente confortável nas ingênuas fantasias mentais com a TV. Isso, claro, até o próximo mergulho nas trevas no dia seguinte.

>>> "Coringa" e muito mais: veja o que está passando no cinema em Salvador

Naquela espiral descendente e catártica que anunciava uma tragédia, Fleck, antes de abraçar a loucura assassina do palhaço da identidade real dele, era massacrado pela violência do mundo ao redor, até um ponto de ruptura. As consequências dessa ruptura é o que vemos em Delírio a Dois, a excelente e imediata continuação que acaba de chegar aos cinemas. Trata-se de um filme que, fugindo de uma proposta simplória de sequência, na qual seria fácil reciclar elementos e personagens (time que está ganhando...), prefere abordar outro conceito de aprofundamento da loucura dos protagonistas.

Tais elementos citados surgem não como uma reutilização oportunista de um eficiente artifício visual e narrativo, mas como um modo de se confirmar a força e o impacto que os mesmos possuem. E, para se confirmar com ainda mais precisão essa fuga de uma zona de conforto de inércia narrativa, Delírio a Dois Encontra-se de maneira corajosa em um gênero que surgiu tímido no original, mas que, agora, é abraçado da mesma forma como a loucura é abraçada pelos protagonistas.

Salvação pela música

No longa, também dirigido por Todd Phillips (o roteiro foi escrito por ele, ao lado de Scott Silver, co-autor do primeiro), encontramos Fleck internado no Asilo Arkham e aguardando o julgamento pelos atos. Lá, encontra a interna Lee Quinzel (Lady Gaga, mais uma vez comprovando o multitalento), e começa a utilizar uma terapia musical como forma de extravasar as repressões e a depressão. E é neste mote que Phillips e Silver acham o ponto de virada, em uma obra que, apesar de oriunda de um fantástico material original lançado em 2019, busca uma independência narrativa e uma nova identidade a partir desse gênero musical.

Em uma inteligente decisão de utilizar as fugas mentais dos dois protagonistas, através das músicas que ambos cantam, inicialmente em momentos despertos e, depois, evoluindo para os delírios imaginários do título, este novo Coringa consegue captar com esmero toda a ideia de salvação através da loucura que o protagonista prega. E é justamente em tais situações de transe que o filme entrega os melhores momentos.

>>> Onde está passando Coringa 2 em Salvador

Acompanhados pelo talento musical de Quinzel (quase um alterego de Gaga no que tange ao talento musical) e pela liberdade que a insanidade de Arthur Fleck é capaz de compor em termos de brutalidade física, tais pontos de catarse acabam por permitir ao longa uma liberdade narrativa que, diante do apelo calcado no real que possui o texto de Phillips e Silver, não seria plausível de acontecer fora do delírio. Portanto, a rima temática do título, que se choca com um tremendo impacto visual e violento, algo que beira ao cartunesco (e a animação que abre o filme confirma isso) se torna totalmente apropriada.

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Fuga pela violência

A Gotham City de Phillips, desenhada a partir de uma Nova York setentista, e que, no original de 2019, já havia se apropriado eficientemente de forma imagética de clássicos como Perdidos na Noite (1969), Operação França (1971), Caminhos Perigosos (1973) e Taxi Driver (1976), continua a captar com precisão a reconstrução de época e o apelo urbano que o filme exige.

E, se no longa anterior, este aspecto sufocante também tinha origem na fotografia de Lawrence Sher a tornar a cidade quente como o inferno que habitava a mente de Fleck, aqui tal aspecto é trabalhado pelo cinzento ambiente interno da prisão onde vive o Coringa, em contraste às cores que as fantasias mentais e musicais que os dois personagens centrais trazem.

Assim, é com regozijo que se percebe a coragem de subverter uma proposta cuja fórmula de sucesso já havia se confirmado há cinco anos, e opta, aqui, em trilhar um caminho diverso, que utiliza os musicais como um ponto não somente narrativo e ilustrativo visualmente, mas de desenvolvimento dos personagens a partir da própria loucura.

>>> Após ‘Coringa 2’, diretor diz que não fará mais filmes da DC

E se neste processo podemos ver sutis homenagens a mestres dos musicais como Jacques Demy (a cena com os guardas-chuvas coloridos captados em contra-plongée bate pesado), bem como o momento em que Arthur se percebe arrependido e consciente dos próprios atos ou o último enquadramento a referenciar o Coringa de Heath Ledger em uma homenagem ao mesmo tempo fantástica e dolorosa de se perceber (o leque narrativo que esse momento abre é formidável), uma vez que é perceptível como o mal contido em Fleck pode ser visto como uma passagem de bastão, isso já torna Delírio a Dois uma obra que se destaca, independente de seu brilhante original.

Um filme que caberá ao tempo lhe fazer justiça.

‘Coringa: Delírio a Dois (Joker: Folie à Deux)’ / Dir.: Todd Phillips / Com Lady Gaga, Joaquin Phoenix, Zazie Beetz, Harry Lawtey, Jacob Lofland, Brendan Gleeson, Catherine Keener, Steve Coogan / Salas e horários: cinema.atarde.com.br

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Tags:

Coringa 2 Coringa- Delírio a Dois Heath Ledger Joaquim Phoenix Todd Philips

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