WESTERN À BRASILEIRA
Oeste Outra Vez explora a fragilidade masculina no 'faroeste' brasileiro
Grande vencedor do Festival de Gramado, 'Oeste Outra Vez' chega aos cinemas abrasileirando o faroeste
Por Rafael Carvalho | Crítico de cinema

Quando divulgada a seleção competitiva do Festival de Gramado de 2024, 'Oeste Outra Vez' – uma produção de Goiás, feita com baixo orçamento – soava como um peixe fora d’água, diante de filmes assinados por gente como Anna Muylaert, Aly Muritiba, Juliana Rojas, Eliane Café.
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O diretor, Erico Rassi, assinava ali o seu segundo longa-metragem – depois de ter lançado o muito bom 'Comeback' (2016), último filme estrelado por Nelson Xavier. Ainda assim, era um cineasta pouco conhecido, mas que viu seu filme ser aclamado no festival, tendo conquistado o prêmio máximo – levou ainda os troféus pela fotografia e de ator coadjuvante (Rodger Rogério).
'Oeste Outra Vez' é um sopro de vigor e peculiaridade dentro da produção cinematográfica brasileira recente. Traz para a paisagem do interior brasileiro, notadamente o cerrado do Centro-Oeste, a iconografia do western, gênero tão associado à produção norte-americana, e ainda discute as fragilidades e intransigências de um comportamento masculino tóxico.
“O filme é a continuação de uma pesquisa que eu já desenvolvia sobre esses homens que são ao mesmo tempo violentos, mas também frágeis. A minha primeira ideia era falar desse comportamento masculino, especificamente do interior de Goiás. E a melhor forma de ambientar essa história seria dentro do faroeste que é um gênero em que há muito de uma sensação de lei e ordem não constituídas. Então você não tem anteparos para a explosão da violência”, contou o cineasta em conversa para A TARDE.
O filme conta a história de Totó (Ângelo Antônio), cuja mulher o traiu com Durval (Babu Santana). Com a honra ferida, ele contrata o pistoleiro Jerominho (Rodger Rogério) para se vingar do seu desafeto, mas o plano não sai como esperado. É a vez de Totó e Jerominho serem perseguidos pelos matadores contratados por Durval.
Emoções áridas
Como um cineasta cinéfilo, Rassi demonstra sua admiração e atração pelo filmes de western, mas pontuou que se inspirou muito na literatura regional brasileira – o cineasta, inclusive, aponta que a leitura de O Duelo, do livro de contos Sagarana, de João Guimarães Rosa, foi uma inspiração inicial para o filme –, além de ter feito uma pesquisa pictórica sobre a paisagem interiorana.
Com isso, a apropriação das marcas do faroeste no filme aparecem não apenas como fetiche cinéfilo ou vontade de homenagear o gênero por si só. Há de fato um uso muito inteligente dos signos do gênero a fim de contar essa história de um rastro de violência deixado por conta da incapacidade desses homens em lidar com suas desilusões amorosas e fragilidades emocionais.
Rassi falou sobre as especificidades brasileiras e do Centro-Oeste que estão no filme: “Aqueles homens são do interior de Goiás, mas podem ser do interior de qualquer parte do Brasil. Isso já é uma especificidade nossa. E tem a paisagem do cerrado, com aquelas formações da Chapada dos Veadeiros. Eu cheguei a brincar que é como se fosse o nosso Monument Valley, só que em escala bem menor, mas em compensação muito mais colorido, com uma flora mais diversificada”.
Há ainda todo um traço de brasilidade presente nos gestos e nas falas dos personagens muito reconhecíveis como um comportamento roceiro e embrutecido do interior. Sobre isso, o diretor chegou a dizer que, junto com os atores, eles ensaiaram e tentaram seguir à risca os indicativos do roteiro para que os diálogos e gestuais dos personagens correspondessem à representação fiel dessa ambientação agreste.
Rassi pontuou ainda a precariedade dessa ambientação que aparece no filme, e também nas cenas de ação e tiroteio, sendo esta uma produção de baixo orçamento, algo diferente de um faroeste norte-americano. Aqui é importante destacar o competentíssimo trabalho de direção de arte, assinado pela baiana Carol Tanajura, que caracteriza com habilidade e veracidade ambientes como bares e os singelos casebres, tal como as emoções áridas daqueles personagens.
Fragilidade masculina
Nascido no interior de Goiás, Rassi diz que enxerga nos seus personagens muito dos tipos que ele mesmo conheceu na sua infância e adolescência, inclusive reconhecendo a si mesmo naqueles homens.
“Claro que eu fiz muita pesquisa também. Fui para algumas cidades do interior de Goiás e entrevistei muita gente. Eu fazia imersões em alguns lugares para conversar com homens de diferentes aspectos: um trabalhador rural, um fazendeiro, alguém que eu encontrava num bar. E era um papo muito livre, eu deixava a conversa correr o mais solta possível para que eu pudesse coletar elementos laterais, coisas que surgissem espontaneamente e eu pudesse incorporá-las ao roteiro direta ou indiretamente”, observou o diretor.
Ao mesmo tempo em que estes homens são os únicos responsáveis pela selvageria e pelo descontrole emocional que levam à violência, são também personagens cativantes pela sua melancolia visível, em alguma medida também engraçados, quando não risíveis.
“Eu, particularmente, gosto de tensionar essa identificação com os personagens. Tento fazer isso para que o espectador não se sinta confortável o tempo inteiro, nem quando ele se identifica, nem quando ele rechaça. Eu gosto de jogar com isso durante o filme todo”, explicou o diretor.
Logo no início, vemos uma das poucas personagens femininas do filme abandonar o marido e o amante, bem como aquele ambiente embrutecido, como se estivesse deixando para trás um universo de violência que ela não quer mais para sua vida. Sobram então os homens com sua honra ferida e seu descontrole emocional. Tudo isso torna Oeste Outra Vez um genuíno representante do debate sobre gêneros (cinematográfico e sexual) e sobre a impertinência masculina de um Brasil profundo, trágico e sanguinário.
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