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A Tarde Memoria

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sexta-feira, 15 de outubro de 2021 às 6:02 h | Autor: Cleidiana Ramos*

A TARDE fez primeira edição cumprindo programa editorial

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Em 1930, A TARDE inaugurou sua imponente sede na Praça Castro Alves, que abrigava um moderno parque gráfico | Foto: Cedoc A TARDE | 16.10.1988
Em 1930, A TARDE inaugurou sua imponente sede na Praça Castro Alves, que abrigava um moderno parque gráfico | Foto: Cedoc A TARDE | 16.10.1988 -

“A lucta pelos mais nobres deveres da civilisação não pode deixar de ser a nossa preocupação assídua e constante sem embargo da feição principal d’ A Tarde ser de um jornal de informações. Imparcial, ella não será, contudo, indifferente aos embates do direito; neutra não se esquivará das controvérsias partidárias quando interessarem ao bem estar collectivo; ponderada não provocará rixas pessoaes aos farejadores de escândalos, afeitos a barrear a honra alheia, mas também não cederá um passo na reação ininterrupta, enérgica e viril”. (A TARDE 15/12/1912, capa).

Esse trecho é do editorial do primeiro número de A TARDE assinado pelo seu fundador Ernesto Simões Filho (1886-1957). Espaço reservado para a opinião oficial de um periódico, o texto enumerou o que foi realizado na primeira edição: informação e destaque também para as questões que mereciam debates.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE fez primeira edição cumprindo programa editorial
Em editorial, Simões Filho apresentou programa de conduta de A TARDE || Reprodução | 4.10.1986

A primeira edição publicou, em espaço nobre, um artigo de Teodoro Sampaio (1855-1937). Engenheiro, geógrafo e historiador, Sampaio foi um intelectual celebrado para além da Bahia. Na primeira edição de A TARDE sua análise é sobre o risco de demolição da Igreja da Ajuda por conta do projeto de reforma urbana desencadeado pelo governador da Bahia, José Joaquim Seabra- J.J. Seabra (1855-1942).

No texto, Teodoro Sampaio apresenta a igreja que, de construção em moldes simples – taipa e palha –, tornou-se a sede do governo eclesiástico de Salvador que foi o primeiro do Brasil e por isso também ficou conhecida como “Sé de Palha”. Para Sampaio, a demolição da igreja representaria um golpe na memória local.

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Teodoro Sampaio escreveu artigo na primeira edição de A TARDE sobre a demolição da Igreja da Ajuda || Reprodução | 20.5.2006

“Com a demolição da velha igreja da Ajuda que ora se inicia não há negar que o patrimônio histórico da cidade diminue, perdendo um dos seus monumentos mais antigos. Não é sem pena para os corações bem formados e grande mágoa para os que, prudente, se inspiram no passado, ver, por terra, esses muros, mais de uma vez renovados, no mesmo sítio em que dormem o sonno derradeiro os próceres das nossas gerações antigas e que foram, por quasi quatro séculos as testemunhas confidentes das nossas glorias e desfallecimentos”. (A TARDE, 15/10/1912, capa).

O texto conta detalhes da história da igreja com algumas informações interessantes, como a proibição do uso de fumo nas suas dependências, um hábito que era próprio, segundo Sampaio, das populações indígenas, mas que os padres consideravam pecado grave. De acordo com ele, embora o padre Manuel da Nóbrega, em cartas para a corte, reconhecesse as propriedades medicinais do tabaco, insistia que o uso não era para “cristãos”.

De acordo com texto de Teodoro Sampaio, um dos proprietários das capitanias hereditárias, Vasco Fernandes Coutinho foi humilhado na igreja por causa do fumo. Coutinho refugiou-se em Salvador após empobrecer em ações para a administração de sua capitania no Espírito Santo. O homem que teria, em outros tempos possivelmente privilégios de tratamento foi posto para fora do templo. O motivo: beber fumo, a forma utilizada para falar sobre o uso do tabaco.

“Que assim é que se designava o fumar, ao modo de dizer dos índios. Quem diria, então, que esse fumo, que tantas penitencias motivou em outrora viria a ser um dia uma fonte de riqueza desta terra e de uso tão universal em tanta parte?” (A TARDE, 15/12/1912, capa).

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Conexões

Além do texto de Sampaio, que teve um novo capítulo publicado no dia seguinte, ainda na primeira página da edição do dia 15 foi noticiada a homenagem pelo jubileu de prata de dom Dom Maiolo de Cagny, que era o abade da Congregação Beneditina. A cerimônia foi contada em detalhes. Deu-se ênfase às vestes do abade e ao almoço servido em quatro mesas. Também foi destacado no texto que o brinde com champanhe, no momento da sobremesa, foi substituído por cânticos de louvor. O fundador de A TARDE, Ernesto Simões Filho participou da festa.

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O fundador Ernesto Simões Filho apresentou na primeira edição do jornal o seu compromisso com a defesa de interesses coletivos, missão que a empresa preserva até os dias atuais || Reprodução | 4.2.1986

Mais adiante na página está a notícia de que J.J. Seabra recebeu uma proposta de empréstimo de banqueiros ingleses. E é nesse ponto que esta notícia se entrecruza com a da festa em homenagem ao abade.

Com o dinheiro do empréstimo fornecido por instituições estrangeiras, Seabra pôde dar início às obras de reforma da cidade, que havia sofrido diversos danos com o bombardeio, em janeiro de 1912, devido aos conflitos políticos no entorno da eleição que ele venceu. Um dos projetos dessa renovação urbanística foi a construção da Avenida Sete de Setembro ligando o então dinâmico centro da cidade à Barra. Para cumprir o projeto, vários prédios foram incluídos em uma lista de demolição inclusive a Basílica de São Bento. Fundado no século XVI, o conjunto que inclui o mosteiro, é o mais antigo da ordem nas Américas.

Diante da ameaça, dom Cagny não ficou parado. Fez um manifesto e mobilizou a cidade em defesa da igreja. O templo não foi demolido, mas perdeu uma parte da estrutura que se projetava em direção à Avenida Sete. Foi um destino melhor do que o reservado à Igreja da Ajuda que perdeu metade da sua área e foi derrubada totalmente em 1933.

Serviço

Na segunda página da edição, A TARDE deu espaço para serviços variados. Na coluna intitulada Mundanas e Sociaes foram publicados os registros sobre falecimentos, viagens e casamentos. Estes últimos eram anunciados com um subtítulo hoje curioso: “Consórcios”:

No sabbado próximo, a alta sociedade bahiana assistirá duas grandes festas de núpcias: do dr. Genesio Salles Filho com a senhorinha Braulio Xavier, filha do sr. conselheiro presidente do Tribunal Superior; e do dr. Wilobaldo de Souza Campos com a senhorinha Fernandes Dias, filha do commendador José Joaquim Fernandes Dias, negociante em nossa praça”. (A TARDE 15/10/1912, p.2).

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Na mesma página a seção “Sports” apresenta uma reflexão sobre os objetivos da prática esportiva. Outro destaque foi para notícias sobre o sistema de justiça com o anúncio de um concurso.

A página três veiculou notícias próximas ao horário de publicação do jornal sobre fatos nacionais e internacionais, como o resultado do júri, realizado em Paris, que absolveu uma mulher acusada de matar a mãe, e a tabela do mercado financeiro. Mas também há a agenda do dia para o teatro, afinal, como o nome indica, neste período, o jornal circulava à tarde.

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A última página foi dedicada aos clichês publicitários, ou seja, os anúncios. Dar um tratamento especial a este tipo de serviço, que avançou até os classificados tornou-se uma das marcas de inovação do novo periódico.

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Com o jornal publicado, iniciou-se uma trajetória de manter o programa inicial aliado à atenção às novidades de técnicas para composição e impressão como os clichês. Tanto que menos de 20 anos depois da fundação, em 1930, A TARDE inaugurou sua imponente sede no belo prédio construído para este fim localizado na Praça Castro Alves. No imóvel foi possível abrigar um parque gráfico moderno e o espaço de preparação dos próprios clichês que era a técnica disponível para reproduzir imagens. A história iniciada com a pioneira edição, portanto, continua dinâmica após 109 anos.

*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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