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A Tarde Memoria

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 30 de outubro de 2021 às 6:01 h | Autor: Cleidiana Ramos*

A TARDE registrou a posse do primeiro governador indicado de forma indireta após a Revolução de 1930

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Getúlio tomou posse para um governo provisório em 3 de novembro de 1930 após a sua vitória na “Revolução de 1930” | Foto: Reprodução | Cedoc A TARDE
Getúlio tomou posse para um governo provisório em 3 de novembro de 1930 após a sua vitória na “Revolução de 1930” | Foto: Reprodução | Cedoc A TARDE -

Nas edições de 3 e 4 de novembro de 1930, A TARDE noticiou um dos acontecimentos considerados cruciais na política do Brasil contemporâneo: o início do primeiro governo de Getúlio Vargas. As publicações trouxeram o programa do que era considerado um mandato provisório após a disputa armada entre grupos das elites econômicas de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba contra as de São Paulo. Esse enfrentamento ficou conhecido como Revolução de 1930 com o desfecho ocorrido em 3 de outubro daquele ano. Para a Bahia foi o início de sucessivas intervenções federais no governo local.

“Será empossado hoje, no Governo da República, o presidente Getúlio Vargas- Os pontos capitaes da reorganização nacional, segundo o programma de governo de S.Exa... A reforma do regimen tributário e o reajustamento do funcionalismo público”. Este texto foi a manchete da edição de 3 de novembro. Nessa mesma publicação, A TARDE registrou, na segunda página, a posse do governador da Bahia que havia sido escolhido pelo novo grupo no poder. Tanto que a transmissão do cargo foi realizada por autoridades militares.

A posse de Leopoldo Afrânio Bastos do Amaral ocorreu no dia 1º de novembro, mas foi noticiada na edição do dia 3. Natural de Belém, capital do Pará, ele cursou engenharia na Escola Politécnica da Bahia e, durante o primeiro governo de José Joaquim Seabra (J.J.Seabra) foi diretor da Estrada de Ferro de Nazaré. Em seguida passou a se dedicar ao magistério. Era também jornalista e dirigiu dois periódicos: O Jornal e O Imparcial. Décadas depois, Leopoldo Amaral conduziu a federalização da Escola Politécnica da Bahia e participou da criação da Faculdade de Arquitetura da Bahia além de ter sido seu primeiro diretor.

Mas, no período, Leopoldo Amaral fazia parte de um grupo de políticos sem visibilidade expressiva que haviam apoiado a Aliança Liberal. Foi nessa legenda que Getúlio Vargas disputou a Presidência da República contra Júlio Prestes. Com a proclamação da vitória deste último, paulista e candidato do presidente Washington Luís, começou a revolução. Derrotado, o grupo que tinha Getúlio como candidato a presidente não aceitou o resultado alegando fraudes. Com apoio de parte das forças armadas os aliancistas decidiram derrubar o governo de Washington Luís.

Segundo a análise de Luís Henrique Dias Tavares em seu livro História da Bahia, se não fossem as atividades de conspiração de militares e alguns civis que não tinham projeção política, a surpresa da vitória do grupo de Getúlio, no Estado, teria sido ainda maior. As forças políticas baianas que estavam em evidência haviam ficado com Júlio Prestes.

A elite política formada pelo ex-governador Francisco Marques de Goés Calmon, Octávio Mangabeira e opositores a José Joaquim Seabra (J.J. Seabra) estava em um momento de força. O apoio para a Aliança Liberal na Bahia ficou restrito a J.J. Seabra.

Em 5 de outubro, com a vitória dos aliancistas na revolução, o general Santa Cruz Pereira de Abreu foi nomeado executor do estado de sítio na Bahia. O ainda presidente Washington Luís avaliou que os aliados baianos poderiam ajudar na resistência do seu governo. Não deu certo.

“Havia na Bahia situações conflitantes. Primeiro, no governo baiano. O governador eleito para suceder Vital Soares, Pedro Lago, ainda não tomara posse. O governador em exercício Frederico Costa, vacilava e continuaria vacilando nas decisões contra os revolucionários, nisso se limitando a confiar na Polícia Militar e a apelar para os coronéis da Chapada Diamantina e do São Francisco”. (História da Bahia, pp. 382-383).

A ação militar de enfrentamento ao grupo leal ao presidente na Bahia ficou sob o comando do tenente Juracy Magalhães, mas com a deposição de Washington Luís em 24 de outubro nem houve resistência. J.J. Seabra ainda tentou voltar ao governo, na condição de interventor, mas jovens que participaram do movimento aliancista apontaram a renovação da política, que era um dos lemas da Aliança Liberal, como principal argumento contra ele. Assim, Leopoldo Amaral, que era do grupo seabrista, foi escolhido como governador.

“Feito silencio, o dr. Leopoldo Amaral pronuncia palavras de eloquente agradecimento às demonstrações com que fora acolhida a indicação do seu nome para o alto posto de governador do Estado. Depois e lendo telegrammas de chefes liberaes e do sr. general Juarez Távora salientou os propósitos de tolerância do chefe da revolução no norte, que quer que se faça o governo com o aproveitamento dos valores reaes que possam concorrer para o progresso, prosperidade e grandeza da Bahia”. (A TARDE, 3/11/1930, p.2).

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE registrou a posse do primeiro governador indicado de forma indireta após a Revolução de 1930
Edição registrou posse de Leopoldo Amaral | Foto: A TARDE | 3.11.1930

Tensão

Embora em formato mais descritivo, o texto de A TARDE dá algumas indicações de que nem tudo estava tão tranquilo na Bahia. Logo no início do relato sobre a posse há referência à falta de alguns retratos na galeria da sala de despachos do Palácio Rio Branco onde aconteceu a cerimônia. As peças ausentes seriam quadros com fotografias de ex-governadores? Não há mais detalhes, mas a informação, que parece ter sido deixada de maneira proposital, tem potencial para destilar o disse-me-disse típico dos bastidores da política.

Outra situação que parece ter deixado margens para mal-estar político foi a recusa de um dos convidados para compor a equipe de gabinete do novo governador: Bernardino de Souza. Professor e membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Souza articulou a campanha de subvenção que garantiu a construção da sede da instituição inaugurada em 1923 nas comemorações do centenário da Independência da Bahia. Ao que transparece no relato de A TARDE ele não fez parte do grupo de apoio à Aliança Liberal, pois quando seu nome foi mencionado na posse do governador ocorreram protestos. A informação da reportagem é que ele já havia recusado o cargo. Se ainda houvesse alguma possibilidade, ela ruiu na cerimônia de posse.

“Sabendo do occorrido, o dr. Leopoldo Amaral voltou à praça Rio Branco em auto acompanhado do general Juracy Magalhães. Ali ambos falaram com serena decisão reaffirmando os propósitos de tolerância do general Távora, expressos mais uma vez em telegramma que o primeiro leu ao grupo, no qual o chefe da revolução recommendava o aproveitamento dos elementos capazes indifferente a côr partidária”. (A TARDE, 3/11/1930, p.2).

Elegante, Bernardino de Souza disse à reportagem que agradecia o que considerava um bondoso convite do governador, mas estava envolvido com mais uma campanha de subvenção. Desta vez era o recolhimento de fundos para a construção de um novo prédio para a Faculdade de Direito, hoje a sede da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), localizada na Piedade.

Conflitos

Na edição do dia seguinte, A TARDE publicou, na capa, a íntegra do discurso de Getúlio Vargas, empossado como presidente em um governo que era para ser provisório. Nele, Vargas fez um histórico da chamada revolução vitoriosa um mês antes. Caracterizou o movimento como resultado de uma aglutinação de variadas forças da sociedade brasileira, quando elas não iam além das elites econômicas, agrárias e militares.

Em seguida, o novo presidente atacou os adversários acusando-os de estar à frente de um projeto de poder que prejudicava os interesses do País. Passou, então, a enumerar o seu programa de governo com destaque para promessas de inovação no setor agrícola, revisão de carga tributária, criação de um plano ferroviário e rodoviário, implantação do Ministério do Trabalho, dentre outras ações.

“Assumo, provisoriamente o governo da Republica como delegado da revolução, em nome do Exercito, da Marinha e do Povo. Agradeço os inesquecíveis serviços que prestastes à nação, com a vossa nobre e corajosa attitude correspondendo, assim, aos altos destinos da pátria”. (A TARDE, 4/11/1930, capa).

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE registrou a posse do primeiro governador indicado de forma indireta após a Revolução de 1930
Discurso de posse de Getúlio teve destaque || 4.11.1930

Mas o que se seguiu foi o início de uma reviravolta autoritária. Getúlio Vargas dissolveu a Câmara e o Senado nas instâncias estaduais e federais; os governadores continuaram a ser indicados por ele e adversários foram perseguidos. Além disso, a convocação de novas eleições para presidente e de uma constituinte não avançaram provocando novos conflitos, como a Revolução Constitucionalista que começou dois anos depois. Rapidamente, o governo provisório de Getúlio, que evoluiu para uma ditadura, acabou por durar 15 anos. A Bahia só voltou a ter um governador eleito pelo voto direto em 1947 com o início da administração de Octávio Mangabeira.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE. Para saber mais: História da Bahia (Luís Henrique Dias Tavares, Edufba, 2001).

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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