Angélica Basthi destaca importância do Prêmio Abdias Nascimento conquistado por A TARDE em 2013
O Prêmio Nacional Abdias Nascimento foi criado em 2011. Na edição do ano seguinte, o especial Epo Pupa- a marca do dendê, publicado em A TARDE, foi finalista na categoria jornalismo impreso. Em 2013 o caderno intitulado Os homens que chamam os Deuses pra terra venceu o prêmio na mesma categoria. As duas publicações integram a coleção do projeto desenvolvido pelo Grupo A TARDE de 2003 a 2015 especializadas em cobertura étnico-racial e estão na base da nova edição da coluna. Ter destaque nessa premiação foi uma conquista dessas produções, pois o Prêmio Abdias Nascimento era uma ação destinada a reconhecer publicações qualificadas do jornalismo brasileiro na esfera do combate ao racismo. O prêmio foi criado pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade do Rio de Janeiro do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (Cojira/SJPMRJ).
Nesse artigo, a coordenadora geral do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento, Angélica Basthi, apresenta a importância dessa ação que foi desenvolvida até 2013.
Um prêmio de jornalismo necessário para o Brasil
Angélica Basthi
A persistência do racismo na mídia nos faz refletir sobre a atualidade do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento para o jornalismo brasileiro. O “Perfil Racial da Imprensa Brasileira”, estudo que acaba de ser lançado pelo Jornalistas & Cia em parceria com o Instituto Corda e o I´Max, registra que 98% dos jornalistas negros em redação percebem maior dificuldade no desenvolvimento da carreira em relação aos brancos. Os profissionais negros também são maioria nos cargos operacionais e entre os assalariados nas redações espalhadas no país. O levantamento também revelou situações discriminatórias alarmantes como a recusa das pautas raciais e de entrevistar pessoas negras como fontes nas coberturas jornalísticas cotidianas.
Em três edições - período curtíssimo na linha histórica das inúmeras ações já realizadas no enfrentamento ao racismo na mídia ao longo da trajetória política da militância negra no Brasil – o Prêmio Jornalista Abdias Nascimento provou ser possível a produção de matérias e reportagens qualificadas com foco nos problemas que afetam a população negra. Foi uma resposta contundente sobre como trabalhar a questão racial na cobertura jornalística diária. Foram mais de duas mil reportagens distribuídas em sete categorias: impresso, TV, rádio, fotografia, mídia alternativa e/ou comunitária, internet e especial de gênero.
A cada edição, de caráter nacional, era distribuído R$ 35 mil entre os vencedores das sete categorias. Entre os assuntos sugeridos para concorrer ao Prêmio, estavam temas como saúde da população negra, intolerância religiosa, juventude negra, ações afirmativas, empreendedorismo, desigualdades, direitos humanos, relações raciais, políticas públicas, populações/comunidades tradicionais e discriminação racial.
É interessante perceber que não havia nenhum precedente anterior, nenhum prêmio no campo do jornalismo que pudesse servir de base para esta ação. A situação serviu de estímulo para a criação de algo absolutamente novo e inovador no contexto midiático. Não por acaso, o prêmio surgiu no âmbito das lutas travadas pelos jornalistas negros e negras reunidos nas Comissões de Jornalistas pela Igualdade Racial e pelo Núcleo de Jornalista Afro-brasileiros do Rio Grande do Sul no campo sindical. Cada comissão é vinculada ao respectivo sindicato local. A ideia do prêmio surgiu na Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro (Cojira-Rio/SJPMRJ) e a sua materialização foi resultado de diversos fatores que convergiram para a sua realização.
O prêmio fez a bela homenagem ao jornalista e ex-senador Abdias Nascimento, ativista histórico dos direitos humanos e um dos principais ícones no enfrentamento ao racismo no país, falecido em 2011, aos 97 anos. Por que Abdias? Além da inegável contribuição à luta contra o racismo, a Cojira-Rio havia encontrado a ficha de filiação de Abdias no sindicato dos jornalistas datada de 1947. Ou seja, Abdias era um dos jornalistas vivos com registro profissional mais antigos do Rio de Janeiro. Era preciso tornar isso público. Coube a mim a tarefa de ir até a casa do ex-senador para comunicar a nossa ideia e confirmar se podíamos fazer o uso do seu nome. Abdias ficou imensamente feliz. Ainda lembro do seu olhar sorridente e de sua empolgação. Lembro também de ter pedido para que ele fosse ao lançamento do projeto. Ele me lançou um olhar atento e disse: “se tiver em condições de saúde, estarei lá”. Fui vê-lo no hospital, ainda lúcido e inquieto para voltar para casa. Não voltou. Abdias morreu duas semanas após o lançamento do prêmio em maio de 2011. A ação da Cojira-Rio tornou-se a última homenagem em vida feita a este precioso combatente.
O prêmio abrangeu todo o território nacional e recebeu reportagens das principais redações do país (TV Globo, Folha de S. Paulo, Estadão, TV Brasil, O Globo, Correio Braziliense, etc) e também de veículos com expressão local (A Tarde, Diário de Pernambuco, TV Correio, entre outras). Esta adesão não foi espontânea. Ainda na 1ª edição, organizamos uma força-tarefa entre os poucos membros da Cojira-Rio para visitar algumas das centenas de redações espalhadas pelo país. Na ocasião, apenas eu e Sandra Martins – que viria a assumir o meu cargo de coordenação geral na 3ª edição do prêmio – tínhamos disponibilidade para viajar para outro estado. Sandra foi fortalecer a ação com nossas parceiras no Rio Grande do Sul. Eu viajei para alguns estados do Nordeste (Alagoas, Paraíba, Bahia) e Distrito Federal, e também visitei – junto com Miro Nunes - alguns veículos no Rio de Janeiro. Conversamos com editores e alguns poucos diretores de redação para enfatizar a importância da iniciativa que estava sendo lançada. Ao mesmo tempo, coube a mim a tarefa de ampliar o escopo de patrocinadores do projeto. O prêmio chamou a atenção da Fundação Kellogg que na época ainda realizava aportes diretos para projetos no Brasil.
Desde então, tenho afirmado que o prêmio materializava o que havia de mais novo e desafiador para o jornalismo brasileiro: dar visibilidade aos temas que afetam a população negra. Dez anos depois, esse horizonte permanece. Após algumas dificuldades internas, a Cojira-Rio oficializou a ida da gestão do prêmio para o âmbito da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Conajira), órgão consultivo da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) para as questões raciais. A formalização deu sustentabilidade à parceria já existente com as Cojiras localizadas em São Paulo, Alagoas, Distrito Federal, Bahia e o Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros (Rio Grande do Sul) desde a primeira edição. A expectativa é a de que esta nova configuração da gestão permita somar ainda mais os esforços para dar prosseguimento ao Prêmio Jornalista Abdias Nascimento. Tem muita coisa a ser feita na imprensa brasileira. Não há dúvidas de que o prêmio precisa voltar.
Angélica Basthi é jornalista, escritora e mestre em comunicação e cultura. É co-fundadora da Cojira-Rio. Foi coordenadora-geral do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento. Atualmente é coordenadora de comunicação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA).