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Em artigo historiadora Cristiane Santana analisa os 20 anos dos ataques de 11 de setembro

Publicado sexta-feira, 10 de setembro de 2021 às 16:46 h | Atualizado em 10/09/2021, 17:24 | Autor: Cleidiana Ramos
Em 12 de setembro de 2001 A TARDE trouxe ampla cobertura sobre atentados ocorridos em Nova Iorque. Foto: Reprodução Cedoc A TARDE.
Em 12 de setembro de 2001 A TARDE trouxe ampla cobertura sobre atentados ocorridos em Nova Iorque. Foto: Reprodução Cedoc A TARDE. -

Neste sábado, 11, completam-se 20 anos do atentado terrorista ocorrido em Nova Ioruqe, EUA. Esse episódio produziu uma escalada de tensão e conflitos, além de problemas como a islamofobia (preconceito e ódigo contra a religião muçulmana), guerras e instabilidade,especialmente no Afeganistão, país onde estava o milionário saudita, Osama Bin Laden, acusado pelos EUA de planejar os ataques. Bin Laden foi morto em 2011, mas só recentemente as tropas norte-americanas deixaram o Afeganistão após o retorno do movimento talibã ao poder, o que tem provocado mais conflitos.Confira o artigo de  Cristiane Soares de Santana, doutora em História pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e  professora de História da Ásia no Campus XIV da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), localizado em Conceição do Coité, sobre as complexidades deste acontecimento. 

O Afeganistão, a islamofobia e os 20 anos da queda das torres gêmeas

Cristiane Soares de Santana

De 2001 para cá o mundo ocidental passou a conhecer o Afeganistão. Será? Estamos falando de uma civilização milenar que foi marcada pela presença dos persas, britânicos e russos. Localizada na Ásia Central, o Afeganistão ainda tem sua história pouco conhecida.

A islamofobia é fruto da imagem estereotipada elaborada pelo Ocidente sobre o Oriente. Isso não se resume ao povo afegão, pois a idéia de que todo muçulmano é fundamentalista e terrorista marca esse discurso islamofóbico.

Estando posicionado estrategicamente, sendo uma opção para os russos de saída até o Índico, o Afeganistão passou a ser disputado, chegando até mesmo a ser protetorado britânico, quando em 1919 se tornou independente. Iniciando-se a partir daí um período monárquico que duraria até 1973 quando o primeiro ministro Daoud Khan extinguiu a monarquia e proclamou uma República, que foi marcada por práticas progressistas como uma tentativa de reforma agrária. No entanto, alianças com países como Arábia Saudita e Paquistão fez com que se iniciasse perseguição aos comunistas que participavam do governo.

Diante disso, em 1978 estourou a Revolução de Saur organizada pelo Partido Popular Democrático do Afeganistão (PPDA) anunciando uma série de medidas como o fim do patriarcado e a reforma agrária, por exemplo. A pressão exercida pelos grupos rivais no interior do país juntamente com o financiamento dos Estados Unidos fez que a União Soviética enviasse tropas ao Afeganistão. Somente após nove anos os soviéticos se retiram do território em um contexto de colapso da experiência socialista e fim da Guerra Fria.

A saída das tropas soviéticas do Afeganistão e a deposição do líder do Muhammed Najibulla, em abril de 1992, fez com que o território afegão ficasse fracionado em diversos grupos que disputavam entre si o poder na cidade de Cabul.

O grupo AL Mak Tab-al Khidmat (MAK) foi criado por Abdullah Azzim e Osama Bin Laden atuava desde a década de 80. O primeiro era professor de uma universidade paquistanesa e o outro um milionário membro de uma família rica saudita. Ele foi responsável por financiar a causa mujihadin no Afeganistão e arrecadar dinheiro para tal propósito entre as elites sauditas. Recrutando muitos jovens, o MAK contou com o apoio da Arábia Saudita e do serviço secreto americano. Com a morte de Azzim, a organização passou a ter um viés mais extremista se tornando linha de frente nas ações terroristas.   

Vale a pena ressaltar que o MAK conhecido por nós ocidentais como Al Qaeda não era a única organização extremista existente no Afeganistão. Paralelamente a tudo isso que foi dito se formava um movimento rebelde chamado de Talibã, que era formado por estudantes que freqüentavam escolas religiosas, as madrasas. Fundado por Mohammed Omar, o talibã implantou uma leitura radical da sharia, que poder ser definida como um conjunto de normas que derivam do Alcorão.

O Talibã chegou ao poder em 1996, sendo reconhecido pelos Emirados Árabes, Paquistão e Arábia Saudita. Seu governo foi marcado por todo o tipo de violências, como perseguição de opositores e minorias étnicas e religiosas no país, chegaram a controlar quase 90% do território do Afeganistão. O Talibã realizou alianças com a Al Qaeda com o intuito de unir forças pelo controle do país.

A intervenção dos Estados Unidos na Guerra do Golfo (confronto entre o Kwait e o Iraque) em 1990 fez com que essa presença estrangeira em solo sagrado passasse a incomodar Bin Laden que passou a fazer uma campanha contra os EUA e acabasse sendo expulso da Arábia Saudita.  Conseguindo asilo no Afeganistão, Bin Laden foi recebido pelo Talibã, onde estabeleceu campos de treinamento da Al Qaeda.

A queda das torres gêmeas pode ser visto como um forte abalo a hegemonia norte- americana. Após os ataques em 11 de setembro de 2001, o Afeganistão foi invadido pelas tropas estadunidenses. Informações de que Osama se encontrava em território afegão fizeram com que os EUA iniciassem uma caçada ao líder da Al Qaeda e busca pela destituição do Talibã do poder.

Osama foi morto somente dez anos após o atentado e os americanos ocuparam durante 20 anos o Afeganistão. Mas, o que foi feito nesse período? Quais foram as benesses norte americanas?Libertação das mulheres? Democracia? Fim do regime do Talibã? Nada disso ocorreu. De acordo com Tariq Ali, nesses vintes anos nada foi construído, foram gastos apenas bilhões de dólares para manter esse aparato que abrigava oficiais e soldados estadunidenses.

Em 2019, Douglas Lute, considerado o “Czar da guerra afegã”,afirmou o seguinte:” não tínhamos uma compreensão fundamental do Afeganistão – não sabíamos o que estávamos fazendo… Não tínhamos a menor noção do que éramos, estamos assumindo… Se o povo estadunidense soubesse a magnitude dessa disfunção" *.  A fala do general reflete o desconhecimento acerca dessa sociedade que foi ocupada pelos norte americanos por 20 anos. Isto pôde ser vistos nas últimas semanas através da propagação de informações sobre o ser muçulmano, a interpretação da sharia, a questão da mulher, o uso da burca etc. Discursos islamofóbicos marcam a visão ocidental que possui um imaginário construído sobre o islã, no qual terrorismo, opressão, violência e extremismo são as palavras de ordem.

*Ali, Tariq. Debacle no Afeganistão. Ver: https://blogdaboitempo.com.br/2021/08/16/tariq-ali-debacle-no-afeganistao/

Referências:

Ali, Tariq. Debacle no Afeganistão. Ver: https://blogdaboitempo.com.br/2021/08/16/tariq-ali-debacle-no-afeganistao/

Ferreira, Francisrosy Campos Barbosa. Diálogos sobre o uso do véu (hijab): empoderamento, identidade e religiosidade. IN: Perspectivas. São Paulo, v.43, p. 183-198, jan/jun, 2013.

Nascimento, Pedro Henrique; Fernandes, Wladimir; Duarte, Carolina Albuquerque; Rocha, Marcos Alexandre. A encruzilhada afegã:como o Afeganistão mudou nosso entendimento sobre as relações internacionais. Ver: https://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/AGNUH.pdf

Vianna, Alexander Martins. Reações Fundamentalistas – Taliban e o Terror Conveniente. Revista Diálogos, v. 6, n. 1, 2002.

Rodrigues, Miguel Urbano. Polônia e Afeganistão o Cerco Imperialista e a Contra-informação. Nosso Mundo, 1983.

Cristiane Soares de Santana é doutora em História pela Ufba e professora de História da Ásia no Campus XIV da Uneb- Conceição do Coité. 

Imagem ilustrativa da imagem Em artigo historiadora Cristiane Santana analisa os 20 anos dos ataques de 11 de setembro
Cristiane Soares de Santana é doutora em história e professora da Uneb

Amanhã, na versão para o jornal A TARDE desta coluna confira detalhes da cobertura que foi realizada por A TARDE sobre o 11 de setembro. A TARDE Memória é uma coluna construída com material que compõe o acervo do Cedoc A TARDE. Às sextas-feiras esta seção está em A TARDE FM.     

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