Especiais ganharam destaque no Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento
Da coleção dos 13 especiais para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra produzidos pelo Grupo A TARDE dois deles ganharam destaque no Prêmio Abdias Nascimento, uma ação direcionada a reconhecer práticas de referência em cobertura étnico racial. Na edição de 2012, o caderno intitulado Epo Pupa- a marca do dendê foi finalista na categoria jornalismo impresso. No ano seguinte, a homenagem aos sacerdotes músicos do candomblé- Os homens que chamam os Deuses pra terra- ganhou o prêmio que foi uma iniciativa crucial para visibilizar projetos jornalísticos que apresentaram conteúdos qualificados de denúncia e combate ao racismo.
“Ao longo de três anos (2011-2013), o prêmio mostrou ser possível à imprensa brasileira - seja TV, rádio, fotografia, internet, jornal e outros impressos - fazer um debate qualificado sobre os problemas que afetam a população negra, além de possibilitar tanto o reconhecimento das pessoas negras como sujeito de voz ativa na sociedade quanto a representação dessa parcela significativa da população de forma equilibrada e positiva no jornalismo diário”, aponta Angélica Basthi, jornalista, escritora e mestra em Comunicação e Cultura.
Co-fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade, seção Rio de Janeiro (Cojira-Rio), Angélica Basthi foi coordenadora-geral do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento. De acordo com a jornalista, que atualmente é coordenadora de comunicação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), o Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento foi criado em 2011 pela Cojira Rio, que é vinculada ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ). A iniciativa foi pioneira no país.
“O objetivo principal foi o de estimular a produção de conteúdos jornalísticos alinhados ao propósito de promover a prevenção e o enfrentamento e eliminação de todas as formas de manifestação do racismo e da discriminação racial na mídia, além de estimular o debate qualificado sobre as medidas de enfrentamento às desigualdades raciais no país”, acrescentou.
A premiação foi também uma forma de homenagear Abdias Nascimento, que entre tantas atividades, como escritor, poeta e ex-senador, foi também jornalista. “Ele foi um ativista histórico dos direitos humanos e um dos principais ícones no enfrentamento ao racismo no país, falecido em 2011, aos 97 anos. A cada edição, o prêmio distribuiu R$ 35 mil reais em sete categorias: Mídia Impressa, Rádio, Televisão, Mídia Alternativa ou Comunitária, Fotografia, Internet e Categoria Especial de Gênero”, acrescenta Angélica Basthi.
Marcas
Além do destaque em duas edições do Prêmio Abdias Nascimento, as publicações estabeleceram outras marcas: o Epo Pupa teve a sua circulação antecipada para o dia 18 de novembro devido à realização da conferência Afro XXI (Encontro Ibero- americano do Ano dos Afrodescendentes) que reuniu na Bahia representantes de 18 países. Por conta desse evento o caderno trouxe textos em duas línguas: português e inglês.
“Um evento tão importante, que reúne 18 países, mostra o quanto se tornou crucial para a geopolítica discutir estratégias de enfrentamento ao racismo e celebrar os laços que unem os dois lados do Atlântico negro, com seus desafios e conquistas comuns. Daí que um especial que tem se caracterizado por inovar em questões como tema e linguagem traz mais novidade para saudar a conferência ibero-americana dos afrodescendentes: todas as reportagens estão traduzidas para o inglês, numa ação que amplia ainda mais o alcance deste material”. (A TARDE, especial Epo Pupa- A marca do dendê, p.2).
Para concretizar a característica bilingue do caderno, eu e a jornalista Meire Oliviera passamos quatro dias trabalhando em média 12 horas na edição do conteúdo. Isso porque os textos enviados para a tradução realizada pelo jornalista Marcelo Soares, que estava em São Paulo, necessitavam estar em formato final. Com a conversão para outra língua nenhuma alteração poderia mais ser realizada.
Outra aventura desse caderno foi a produção da capa. O desafio de mostrar como o uso do dendê ultrapassava a culinária e chegava à moda e até às artes plásticas empolgou a equipe de arte do Grupo A TARDE. A produção da capa, idealizada por Gil Maciel e Inara Negrão, com fotografia de Raul Spinassé, envolveu uma seleção rigorosa de materiais, como recipientes de vidro em vários tamanhos e galões com dendê. Foram realizados vários testes de luz em estúdio e três pares de mãos negras concorreram para servir de modelo. A mão escolhida para ilustrar a capa foi a do jornalista Adilson Borges que, no seu conhecido bom humor, sempre lembra que teve participação de destaque nesta publicação.
A equipe de reportagem foi composta, além de mim e Meire Oliveira, por Juliana Dias, Juracy dos Anjos e Maíra Azevedo. A fotojornalista Mila Cordeiro também integrou a equipe e o projeto gráfico e a diagramação foram realizados por Axel Augusto Heoguet. A doutoranda e mestra em Educação, Josiane Clímaco desenvolveu, ao longo deste e de outros números, dicas para viabilizar a aplicação do conteúdo em sala de aula, ação direcionada ao reforço da Lei 10.639/2003 que estabelece o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira.
Um dos destaques do especial foi a produção do dendê realizada em um polo formado por 12 municípios baianos:
“Na Costa do Dendê – território que engloba os municípios de Valença, Nilo Peçanha, Jaguaripe, Taperoá, Camamu, Cairu, Maraú, Itacaré, Ituberá, Igrapiúna, Ubaitaba e Nazaré – está concentrada a maior parte da produção baiana dos gêneros feitos à base da palmeira. São 130 mil toneladas de cachos e 20 toneladas de óleo por ano em uma área de plantio que totaliza 35 mil hectares. Cerca de 90% da produção do Estado é oriunda da agricultura familiar que chega a envolver cerca de 10 mil pessoas em todos os processos para manejo do fruto do dendezeiro.” ( A TARDE, especial Epo Pupo- a marca do dendê 18/11/2011, pp. 4 e 5).
O caderno também teve o privilégio de publicar um texto até então inédito, do antropólogo Vivaldo da Costa Lima (1925-2010), referência na antropologia da alimentação. O conteúdo sobre o caruru foi apresentado pelo doutor em antropologia Claudio Luiz Pereira.
“O texto que A TARDE publica é um dos tantos que restam por aí, dispersos, ainda inéditos. Muitos deles são verdadeiros verbetes, com um tipo de reflexão própria ao nosso erudito bricoleur, e se prestam, sem dúvida, a serem pontos de inflexão nos estudos da cozinha baiana. É um texto que, certamente, ante a leitura do mestre, se transformaria num trampolim para belos saltos ornamentais mentais. A presença genial de Vivaldo proporcionava isto”. (A TARDE, especial Epo Pupa- A marca do dendê, 18/11/2011, p.12).
Música sagrada
Já Os homens que chamam os Deuses pra terra marcou os dez anos do projeto de publicação dos especiais. Para marcar a data, no dia 20 de novembro de 2012 foi feita uma celebração na redação de A TARDE com a participação do afoxé Filhos de Gandhy e do Ilê Aiyê.
“Os dez anos dos especiais do Dia Nacional da Consciência Negra publicados em A TARDE foram festejados em grande estilo. Um cortejo formado pelo Filhos de Gandhy, seguido por jornalistas, religiosos do candomblé, representantes do poder público e do Movimento Negro, além do Ilê Aiyê, celebraram a marca alcançada pelos cadernos”. (A TARDE, 21/11/2012, p.A6).
Proposta pela então vereadora Olívia Santana (PCdoB-BA), a Câmara Municipal de Salvador realizou uma sessão especial para marcar os dez anos de circulação dos especiais. “Parabenizamos o jornal A TARDE pela brilhante iniciativa de disponibilizar ao público leitor um material jornalístico de grande valor para a abordagem de problemáticas vinculadas à afirmação étnico- racial do povo negro baiano”, diz o texto do registro feito pela vereadora”. (A TARDE 21/11/2012, p.A6).
Este especial que marcou os dez anos do projeto, começou a ser programado, quando em uma conversa com Vanda Machado, professora, doutora em Educação e ebomi do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá mencionou seu respeito aos sacerdotes músicos por destacar que, no candomblé, são eles os responsáveis por chamar as divindades até a terra. Assim, o caderno contou em 12 páginas, essa tradição que envolve uma formação rigorosa e paciente que consiste em aprender e guardar na memória canções em línguas africanas e toques diferenciados de acordo com a tradição litúrgica de cada casa.
“Nosso objetivo com esse caderno foi apresentar a importância e riqueza de saberes que esses sacerdotes músicos das comunidades religiosas de matriz africana carregam consigo. Eles têm a capacidade de aprender melodias e entoá-las em línguas africanas. É por meio deste domínio que o mundo das mulheres e dos homens estabelece um elo com o divino”. (A TARDE, 20/11/2012, p.2).
A publicação premiada contou com as reportagens realizadas por mim, Camilla França, Ivana Dorali, Juracy dos Anjos, Maíra Azevedo e Meire Oliveira. Eu e Meire Oliveira também cuidamos da edição. O projeto gráfico e diagramação ficaram com Ludmila Cunha.
Celebrar dez anos foi mais um passo na trajetória vitoriosa desses cadernos. Poder debater questões tão diversificadas e importantes para mostrar a riqueza da herança cultural afro-brasileira renovou a cada ano de continuidade do projeto a força de uma ação comprometida com a responsabilidade social que deve ser uma das preocupações centrais da prática jornalística.
*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE. Confira mais conteúdo de A TARDE Memória no Portal A TARDE e em A TARDE FM.
*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia