Promessa é dívida
Confira a coluna do jornalista Luiz Teles
A Copa do Mundo, em 2014, e Olimpíada do Rio, em 2016, ensinaram-nos boas lições de que os caminhos das promessas e entregas de uma candidatura para um megaevento tomam direções bem diferentes do que aquelas programadas pelos organizadores e governadores. Tudo sai MUITO do planejamento: estádios ficam mais caros, estruturas de transportes não ficam prontas a tempo ou têm seus projetos abandonados, taxas especiais são criadas para ‘viabilizar’ a empreitada e diversos compromissos selados em discursos (mas não no papel, na maioria das vezes) são quebrados na maior cara-de-pau.
É um modus operandi clássico, tocado com aquele jeitinho político e coorporativo que estamos tão acostumados, mas que não são de exclusividade do Brasil, longe disso. Falou-se em Copa do Mundo e Olimpíada, um monte de problema tira da rota o que foi idealizado e, de repente, um caminhão de dinheiro extra está sendo despejado para sanar o que já não tinha remédio antes, orçamento esse que raramente sai do bolso de quem produz o evento.
Em Paris-2024 não vai ser diferente. A candidatura da capital francesa foi confirmada em 2017 e após sete anos de preparação, o projeto original sofreu diversas alterações por parte de seus organizadores e administrações públicas.
Das promessas mais marcantes, tínhamos a ‘clichê’: ‘Os Jogos financiam os Jogos’. E para quem não ia gastar um tostão de dinheiro estatal, que surpresa: as diferentes administrações públicas francesas já investiram mais de 2,4 bilhões de euros (quase R$ 14 bilhões na cotação atual) em infraestruturas, obras urbanas e num laboratório antidoping.
Serão ainda somados a isso custos relacionados à segurança e aos bônus pagos aos funcionários, incluindo policiais. O Tribunal de Contas francês indicou recentemente que o investimento público final ficará entre 3 e 5 bilhões de euros (R$ 17,1 bilhões e 28,6 bilhões), num resultado que só será divulgado após a realização da Olimpíada e da Paraolimpíada.
Outra promessa eterna é a popularização do evento, com oportunidade para a participação fora da esfera dos mais ricos. Contudo, em Paris, o preço dos ingressos segue tão alto quanto os das Olimpíadas de Londres-2012. Espalhar as diversas atrações olímpicas pela cidade foi uma ideia bacana, mas que não cumpre o propósito de tornar os Jogos mais acessíveis.
Até mesmo a Cerimônia de Abertura, no Rio Sena, idealizado para ser assistido por 600 mil pessoas, com a promessa de 500 mil ingressos gratuitos, sofreu inúmeras modificações, com o número foi reduzido para 222.000, sendo quase metade dos bilhetes pagos (100 mil), com um sorteio definindo os ganhadores das entradas sem ônus.
E tome-lhe promessa descumprida: o transporte público, que seria gratuito para os portadores de ingressos daquele dia, custarão quatro euros por trajeto, após as autoridades francesas não conseguirem receitas adicionais depois de uma revisão orçamentária. A menos de um mês dos Jogos, a demora na despoluição do Rio Sena ameaça até mesmo a realização das provas de Triatlon e Maratona Aquática. O impacto ambiental, anunciado inicialmente "positivo", vê a ideia de compensar as emissões de CO2 ser descartada. Agora, a organização pretende reduzir apenas para a metade o total de emissões relacionadas a transportes e construção de infraestruturas.
Não tenho dúvidas de que será uma Olimpíada linda e inesquecível, como foi a do Rio ou a Copa para nós, mas o mundo precisa ficar mais atento às falsas promessas. Não à toa diversas cidades desistem de suas candidaturas após consultas públicas. Sigamos vigilantes, pois a Copa do Mundo feminina de 2027 vem aí, cheia de promessas de gastos próximos a zero.