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A Tarde Memória

Por Priscila Dórea*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 20 de dezembro de 2025 às 8:01 h | Autor:

A TARDE tem história vinculada ao pioneirismo do fotojornalismo baiano

Jornal foi o primeiro a circular com imagens no estado e adotou tecnologias que permitiam coberturas fotográficas nacionais e mundiais

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Visitante diante do Muro de Berlim nos 10 anos de construção da barreira. Foto foi enviada para A TARDE por sinal de rádio
Visitante diante do Muro de Berlim nos 10 anos de construção da barreira. Foto foi enviada para A TARDE por sinal de rádio -

Tecnologias que transformaram a forma como as imagens eram transmitidas a longas distâncias antes do advento da internet, a radiofoto e a telefoto foram revolucionárias ao superar as limitações do transporte físico de filmes e cópias impressas de imagens. Ainda não havia o rápido clique no celular que transmite uma imagem em segundos, mas jornais já circulavam trazendo coberturas fotojornalísticas em suas páginas. Avós das tecnologias digitais, a radiofoto e a telefoto marcaram a evolução do fotojornalismo na primeira metade do século XX. Na Bahia, o jornal A TARDE foi pioneiro no uso dessas ferramentas e, antes delas, o primeiro periódico diário do estado a publicar fotografias em suas páginas, evidenciando a importância da fotografia nas suas coberturas.

Os sistemas de transmissão de foto por linha telefônica começaram a ser testados ainda no início de 1900. Já entre 1921 e 1924, a Western Union e AT&T se tornaram as primeiras empresas a realizarem essas transmissões comercialmente. Na telefoto, a fotografia original era fixada em um cilindro rotativo e um sistema óptico escaneava a imagem, a convertia em sinal elétrico e enviava pela linha telefônica. No aparelho receptor, que também possuía cilindro giratório, o sinal recebido modulava a intensidade da lâmpada de néon e gravava a imagem em um filme fotográfico negativo, que então era revelado.

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O sistema da radiofoto era semelhante, só que a transmissão acontecia pelas ondas de rádio. Uma das agências de notícias de maior notoriedade nessas transmissões foi a americana Associated Press (AP ou A. Press), fundada em 1846 e ativa até hoje. Na década de 1930, ela começou a enviar imagens para algumas cidades dos Estados Unidos e, em 1940, já estava transmitindo para diversos periódicos pelo mundo, inclusive para A TARDE.

Em 23 de abril de 1940, reportagem em A TARDE trazia atualizações sobre o andamento da Segunda Guerra Mundial através de cinco fotos com legendas, entre elas a de um supercanhão alemão chamado "Westwallreeke" e uma rara fotografia de Benito Mussolini, todas enviadas pela A. Press diretamente de Nova York pelo sistema de rádio.

Central de Comunicações de A TARDE ligava o jornal baiano ao país e mundo
Central de Comunicações de A TARDE ligava o jornal baiano ao país e mundo | Foto: CEDOC A TARDE / 25.10.1975

Em 22 de agosto de 1943, o serviço de telefoto entre o Brasil e os Estados Unidos foi inaugurado, conectando o Rio de Janeiro (então capital do país) e Nova York. O jornal A TARDE do dia seguinte, 23 de agosto, informava: "Inaugurando a aparelhagem, foi transmitida desta capital para os Estados Unidos a fotografia do embaixador Caffery cumprimentando o presidente Getúlio Vargas e dos Estados Unidos para aqui a fotografia do ministro Gaspar Dutra cumprimentando o ministro Frank Knox". Menos de um ano depois, em 8 de março de 1944, o jornal publicou um comunicado da Companhia Rádio Internacional do Brasil: "Está em funcionamento o serviço de transmissão de fotografias, pelo rádio, para os Estados Unidos, através do serviço Radiofoto".

As demandas por essas imagens eram inúmeras, sobretudo para dar às matérias de fora do estado mais robustez, um melhor contexto e até mostrar a “cara” dos personagens das coberturas. Em 23 de abril de 1956, o A TARDE publicou uma radiofoto do "casamento do século" entre a atriz americana Grace Kelly e o Príncipe Rainier III de Mônaco, que havia acontecido dias antes. A "radio telefoto", como classificou a reportagem, mostrava o belo casal recebendo os convidados para o jantar depois da cerimônia civil e foi enviada pela United Press, de Nova York.

É importante lembrar que foi apenas em 18 de setembro de 1950 que a televisão chegou ao Brasil, quando o empresário Assis Chateaubriand inaugurou a TV Tupi em São Paulo. Em 1956 eram poucas as pessoas que tinham acesso aos caros aparelhos de televisão e nem mesmo havia uma transmissão local na Bahia nessa época, pois a TV Itapoan, primeira empresa emissora do estado, foi inaugurada em 1960. Nesse contexto, o uso de radiofotos e telefotos pelos jornais possibilitava que as pessoas comuns e mesmo aquelas sem condições de ter um aparelho de TV, conhecessem visualmente o mundo, seja através dos grandes canhões de guerra ou do casamento de uma famosa atriz de Hollywood.

Fotojornalismo baiano

A TARDE não começou a usar fotografias nas suas coberturas somente a partir do advento da radiofoto e telefoto. Nos primeiros anos após a sua fundação, o jornal utilizava o clichê, gravação de imagens em placas de metal que depois eram transpostas para a impressão. A clicheria de A TARDE foi uma inovação do começo do século XX no jornalismo baiano, marcando a vocação do jornal para a vanguarda na adoção de ferramentas de ponta a cada virada tecnológica da humanidade. No começo dos anos 2000, o jornal avançou mais uma vez para a fotografia digital, na era da internet. A cobertura do ataque às Torres Gêmeas (World Trade Center), em 2001, por exemplo, já utilizava fotos digitais transmitidas ao jornal via internet pelas agências internacionais.

Mas, como tudo na história, há um contexto maior na base das inovações adotadas por A TARDE ao longo da sua existência. O uso da fotografia, ainda nas últimas décadas do século XIX, já mostrava que a integração às coberturas jornalísticas era um caminho inevitável. “O aumento na sensibilidade das películas, o surgimento dos filmes flexíveis e a diminuição no tamanho das máquinas permitiram os instantâneos e as fotos de ação, possibilitando, assim, o início da linguagem própria do fotojornalismo e o acirramento da competição entre os periódicos ilustrados”, escreve o mestre em comunicação Nelson Soares Pereira Junior em sua dissertação “Fotojornalismo e discurso: o fotojornalismo no posicionamento discursivo de A TARDE".

Invenções do fundador da Kodak, George Eastman, como o filme flexível em rolo (1884) e a máquina descartável (1888), popularizaram a fotografia e facilitaram o acesso da imprensa. “Os últimos anos do séc. XIX representaram a entrada definitiva da informação fotográfica nos meios impressos. [...] Tem início, então, a conformação de uma noção de fotojornalismo que ultrapassa a função de simples ilustração ou decoração de revistas e jornais, para figurar como conteúdo informativo, associado ao texto. Além disso, podemos perceber uma valorização do repórter fotográfico e o seu reconhecimento enquanto autor, através das fotografias assinadas”, continua o texto da dissertação.

Na Bahia, um dos pioneiros do fotojornalismo é Flávio de Barros, aponta a professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e doutora em Cultura e Sociedade, Juciara Maria Nogueira Barbosa, que também é fotojornalista. "Ele tinha estúdio fotográfico em Salvador e ainda no final do século XIX, quando ocorreu a Guerra de Canudos, fotografou tudo o que ocorreu, inclusive Antônio Conselheiro morto. Esses registros são considerados um trabalho de fotojornalismo, mas essas fotos não foram publicadas em jornais, porque na época ainda não havia a tecnologia, em termos de maquinário e reprodução fotográfica para o impresso, com a qualidade que depois, ao longo do século XX, ocorreu", explica a professora.

Sistema de comunicação específico também ligava redação às sucursais
Sistema de comunicação específico também ligava redação às sucursais | Foto: CEDOC A TARDE / 25.10.1975

Os conflitos militares foram, desde o início, o grande tema explorado pelos fotógrafos de imprensa, ressalta Nelson Soares em sua dissertação. Contudo, no início do século XX, ainda eram poucos os periódicos que mantinham equipes permanentes de fotógrafos. “Somente com a Primeira Guerra Mundial que a maioria dos jornais e revistas percebeu a necessidade de organizar equipes especializadas em fotografia, pois a demanda do público se mostrou intensa e constante”, escreve. Essa demanda por imagens por parte dos leitores continuou na Segunda Grande Guerra e nos conflitos posteriores.

No começo do século XX, outro pioneiro do fotojornalismo baiano, Diomedes Gramacho, tem sua história entrelaçada à de A TARDE, afirma Juciara Barbosa. “Em 1912, Ernesto Simões Filho fundou o Jornal A TARDE e, pouco tempo depois, começou a procurar uma pessoa que soubesse colocar fotografias em jornais e convidou Diomedes Gramacho para fazer uma viagem ao Rio de Janeiro, onde através da técnica do clichê já inseriam a fotografia no jornal impresso. De volta a Salvador, Diomedes se tornou o primeiro fotógrafo a ter fotografias publicadas no jornal impresso e o A TARDE, o primeiro jornal a ter, de fato, fotografias", explica a professora.

Entre as décadas de 1930 e 1940, Juciara destaca a presença marcante do trabalho de Voltaire Fraga, outro fotojornalista da Bahia que ela situa entre os pioneiros. "Ele foi um fotógrafo realmente excepcional. Se destacou muito com o seu trabalho autoral, então quando você vê uma foto de Voltaire Fraga, para quem entende de fotografia na Bahia, a pessoa logo identifica, porque ele tem um estilo muito peculiar e muito próprio de fotografar. Ele teve suas fotografias publicadas em vários jornais e não só na Bahia, mas também em Pernambuco e na revista O Cruzeiro", enumera a especialista.

O fotojornalismo evoluiu com as transmissões de imagens via telefone e rádio ganhando cada vez mais espaço, por darem uma “matéria completa” aos leitores, independente da pauta. Em 2 de fevereiro de 1970, radiofoto publicada em A TARDE trazia duas modelos usando peças da coleção primavera-verão do estilista italiano naturalizado francês, Pierre Cardin. A imagem foi feita durante um desfile da Semana de Moda de Paris e enviada ao jornal pela AP. No mesmo ano, em 19 de maio, o destaque é para uma radiofoto enviada pela Radiofoto UPI, que ilustrava um lance do jogador da seleção brasileira Tostão durante os jogos-treino para a Copa de 1970, no México.

A copa começaria dali há alguns dias e na foto, “Tostão cabeceia, vencendo Cocco Rodrigues, mas a bola não chega a ir às rêdes, devido à intervenção de um zagueiro mexicano", diz a legenda.

Com o tempo, a cobertura de campeonatos esportivos estava entre as pautas que mais usavam as tele e radiofotos. Instruídos a enviar as imagens o mais rápido que pudessem, fotógrafos de Salvador viajavam ao interior do estado para registrar os jogos do Campeonato Baiano. Foi nesse período que a fotógrafa Margarida Neide ingressou no fotojornalismo.

"Eu ia cobrir futebol no interior e enquanto hoje a prioridade é fotografar a comemoração, naquela época era o gol. Então, o editor falava assim: Olha, 15 minutos, com gol ou sem gol. Então a gente tirava a foto nesse tempo, corria para o hotel e transformava um dos banheiros, que geralmente era minúsculo, em um laboratório e revelava a foto ali mesmo", relembra.

Depois de revelada a imagem, a fotojornalista ia atrás de um aparelho de telefoto, que podia ser encontrado em agências dos Correios, para transmitir a imagem que normalmente média 18x24, preta e branca. "Ligávamos para o jornal e quando alguém atendia, podíamos transmitir”, acrescenta Margarida. Ela enfatiza que apesar da importância da tecnologia disponível na época, havia percalços, como a ligação cair no meio da transmissão da imagem. “Sem falar que durante as pautas de jogos só podíamos cobrir por 15 minutos. Normalmente, quando eu passava essas fotos, até voltar para Salvador, o jornal já tinha circulado", recorda.

Margarida Neide enfatiza o quanto a vida dos fotojornalistas se tornou mais fácil com a chegada das câmeras digitais, na década de 1990. “Quando surgiu o digital, a coisa mudou. Na verdade, a foto digital caiu como uma luva para o fotojornalismo. Quando comecei, a única coisa que eu podia interferir era no momento em que fazia a foto e revelava o filme, a distribuição e todo o resto era por conta do jornal. Hoje, tiro a foto com a câmera, envio para o celular e posso mandar essa foto para o mundo. A fotografia digital veio realmente para mudar tudo que a gente conhecia na época”, opina.

*Com a colaboração de Tallita Lopes

*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época em que as reportagens foram originalmente publicadas

*Material elaborado com base no acervo do CEDOC A TARDE

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