A tecnologia chega às eleições com a adoção da urna eletrônica
Acervo de A TARDE conta a história da mudança no sistema de votação a partir de 1996
Contar cédula por cédula e preencher o mapa de maneira precisa e com um cuidado minucioso, sob a pressão de uma sala cheia de escrutinadores e fiscais de partidos políticos amontoando-se diante de mesas enormes e cheias de montículos de papel. Quem nasceu nos anos 2000 e já começou a exercer o direito ao voto apertando teclas e escutando o característico sininho após pressionar o botão de confirma não faz ideia do que era a apuração dos votos de uma eleição até 1996, quando a tecnologia chegou ao sistema eleitoral brasileiro através das urnas eletrônicas.
Naquele ano, pela primeira vez na história do país, eleitores de 57 municípios brasileiros foram apresentados à inovação que era não precisar mais de caneta e papel para escolher seus representantes nos governos municipal, estadual e federal ou nas respectivas casas legislativas. Foi o fim de uma era para os eleitores mais velhos e para quem trabalhava na contagem de votos e se surpreendia, a cada eleição, com a criatividade de quem escrevia frases de protesto, letras de música e até fazia desenhos nas cédulas para anular seus votos.
Na Bahia, Salvador e Feira de Santana foram as escolhidas para o teste da urna. Ao todo, segundo informa reportagem de A TARDE, de 3 de outubro de 1996, “12.478.153 eleitores — o correspondente a 32,4% do eleitorado brasileiro [naquele período] — estarão votando em 77.069 urnas eletrônicas nas seções eleitorais das 26 capitais e 31 municípios com mais de 300 mil eleitores”.
Em publicação anterior, de 26 de julho de 1996, A TARDE reportava que o TRE baiano havia recebido naquele mês 590 urnas eletrônicas para o teste. Os equipamentos, continua a reportagem, ficaram armazenados em local sigiloso. Essas 590 urnas pertenciam ao primeiro dos seis lotes de equipamentos que seriam enviados para a eleição baiana. No total, Salvador teria 2.759 equipamentos e Feira, 704.
As urnas usadas na primeira eleição de teste com o voto eletrônico na Bahia foram trazidas de São Paulo sob escolta da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Antes da eleição daquele ano, os candidatos a prefeito de Salvador e de Feira de Santana, juntamente com seus assessores e os candidatos a vereador, se reuniram no Salão Xangô, do antigo Centro de Convenções da Bahia, para serem apresentados ao novo sistema de votação em implementação no país.
A agilidade na apuração dos votos foi um dos pontos que mais chamaram a atenção dos candidatos e dos eleitores com a chegada das urnas eletrônicas. Em edição de 8 de abril de 1996, A TARDE destacava: “O uso de urnas eletrônicas em Salvador e em Feira de Santana, nas eleições municipais de 3 de outubro, permitirá que o resultado da votação seja conhecido no mesmo dia. Na capital baiana, o total de eleitores passa de 1,1 milhão, e, em Feira, são mais de 230 mil eleitores. Os votos serão computados automaticamente nas duas cidades e no próprio dia 3 já será possível saber se o eleitorado decidiu a eleição de uma só vez ou se haverá segundo turno em 15 de novembro”, diz o texto. Em Salvador, o pleito foi decidido no primeiro turno e, em Feira, que naquele ano teve nove aspirantes ao executivo municipal, no segundo.
Treinamento de voto
A novidade era tão desconhecida que foram precisos meses de treinos e simulações com o novo equipamento para preparar os eleitores. Na edição de 2 de abril de 1996, A TARDE anunciava que “a Justiça Eleitoral vai iniciar, em poucas semanas, uma campanha nacional de esclarecimento ao eleitorado para familiarizá-lo com o uso das urnas eletrônicas nas próximas eleições municipais de 3 de outubro. O TRE baiano vai realizar simulações de votação com urnas eletrônicas em vários pontos da capital e do município de Feira de Santana”. Esses treinos perduraram nas eleições em 1998, 2000 e 2002, como forma de habituar os eleitores à nova realidade.
Os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), em 1996, também já advertiam que além do título de eleitor, as pessoas levassem a ‘colinha’ — ou ‘a pesca’, como dizemos por aqui — com o nome e o número correspondente dos seus candidatos, já que no novo sistema, em vez de escrever os nomes dos aspirantes ao cargo em disputa, os votantes iriam digitar os números do seu preferido, como em uma ligação telefônica.
Com exceção dos eleitores das 57 cidades escolhidas para testar as urnas eletrônicas, o restante do país iria votar no antigo sistema das cédulas de papel. A adoção do voto informatizado no país foi gradativa, como explica André Cavalcante, secretário de Tecnologia e Informação do TRE-BA:
“Em 96, apenas as cidades maiores tiveram urnas eletrônicas. Depois, foi um aumento gradativo. Em 98, outras cidades a partir de 50 mil eleitores passaram a ter, até que nos anos 2000 o país todo passou a usar as urnas eletrônicas”, enumera.
A primeira eleição totalmente informatizada foi a de 2002, como relata reportagem da edição de A TARDE de 29 de setembro daquele ano. O pleito seria em 6 de outubro e além dos eleitores em todo o território nacional, as urnas também viajaram para o exterior, para permitir a participação dos brasileiros que viviam fora do país na escolha do novo presidente da República.
“A Justiça Eleitoral mobilizou cerca de dois milhões de pessoas para trabalhar no próximo domingo, na primeira eleição geral totalmente informatizada do país. Com números grandiosos, o processo eleitoral envolve 115.271.778 eleitores, o equivalente a 67% da população. Serão usadas, em todo o país e no exterior, 406 mil urnas eletrônicas, distribuídas por 335.871 locais de votação. Em jogo estão 1.655 cargos disputados por 18.157 candidatos”, diz o texto do jornal.
Inclusão e prevenção
As urnas eletrônicas surgiram para mitigar problemas do antigo sistema das cédulas de papel, como a falta de acessibilidade e o risco de fraudes nas eleições. “A criação da urna eletrônica é uma grande evolução para o Brasil. Até 1996, usamos urnas de lona com votos em papel e o voto em papel tinha muito a questão das fraudes. Também era difícil para os analfabetos votarem, porque essas pessoas tinham de desenhar o nome do candidato ou o número. A urna eletrônica surgiu para resolver tanto a acessibilidade, quanto a questão de evitar as fraudes”, diz André Cavalcante.
Ele defende que o sistema informatizado oferece uma maior garantia à democracia porque o equipamento grava o desejo do eleitor, já que as urnas passam por uma série de protocolos que garantem sua segurança. “Nunca, nos 24 anos de urna eletrônica 100% [ou seja, a partir dos anos 2000 até hoje], houve qualquer prova de fraude. As urnas vêm sendo o instrumento realmente de democracia, trazendo resultados transparentes e seguros para as eleições”, defende.
O especialista do TRE-BA explica que esses equipamentos são seguros graças à combinação de proteções físicas e validações junto à Justiça Eleitoral, além de recursos tecnológicos que impedem invasões e alterações nos registros e resultados. “O sistema da urna foi desenvolvido pelo TSE. Ele é um processo simples, o eleitor é identificado, o que pode ser pela biometria. No caso da Bahia, 93% do eleitorado já é biometrizado e ele é identificado pela biometria para evitar que alguém tente votar por outra pessoa”.
Ainda de acordo com André, a gravação do voto na urna é feita após o último ‘confirma’ dado pelo eleitor. Já a segurança é garantida por lacres assinados pelo juiz eleitoral em todas as entradas da urna e por recursos tecnológicos. “O software da urna é todo criptografado e ela usa assinaturas digitais. Apenas o software da urna funciona nela. Se uma pessoa tentar instalar um software que não tenha sido assinado e certificado pelo TSE, a urna não vai deixar o software executar. Assim como esse software também só roda na sua respectiva urna. Não é possível pegar um software do TSE e executar em um notebook ou em outro computador”, enumera.
Já o processo de apuração é individualizado. Cada urna apura os votos registrados nela, automaticamente, ao final da eleição. “Quando não tem mais eleitores na fila, após as 17h, o presidente da mesa encerra a votação e emite o BU, que é o Boletim de Urna, com o resultado daquela seção. Esse resultado também é gravado em uma mídia de resultado. Essa mídia é retirada da urna, levada para um ponto de transmissão e é transmitida através de uma rede criptografada para os servidores do TSE, onde é feita a totalização”, explica André Cavalcante.
Ele recorda ter acompanhado uma eleição, em 1998, em que ainda havia votação manual na Bahia. “Eu vi todo o trabalho que era fazer uma apuração com a votação em cédulas de papel”, acrescenta.